04

Lia

Queria eu que esse tormento acabasse, mas, pelo que conheço do meu avô, isso é só o começo. Infelizmente, ele só pensa em si mesmo, e não há nada nem ninguém que o faça mudar. Coitada da minha avó, que ainda tem esperanças — algo que eu já perdi há muito tempo. Uma coisa, porém, é certa: ela é a única pessoa que ele ainda escuta (às vezes). Talvez porque estejam casados há mais de 50 anos, e ela tenha aceitado a lavagem cerebral que ele impõe. Minha avó não ousa imaginar a vida sem ele, o mandatário Rubens. Um homem com a coragem de usar a própria neta como moeda de troca para quitar suas dívidas. Um calhorda. (Espero que ele nunca me ouça dizer isso.)

Quando criança, sempre sonhei com o meu casamento. Na minha mente, seria o dia mais feliz da minha vida, inesquecível. Mas meu avô tratou de apagar esse sonho da minha cabeça. Sempre tive uma imaginação fértil, até boba, como diz minha irmã. Eu me via como uma princesa aprisionada em um castelo sombrio, e meu avô era o bruxo da minha história. Ele é, sem dúvida, a pessoa mais detestável que já conheci. Mas, pelo que ele mesmo diz, ainda não sei nada sobre a vida, porque meu futuro marido é ainda pior que ele.

Por quê? Qual foi o meu pecado? Ter nascido nesta família?

No meio desse tormento, surgiu uma esperança: Miguel, o meu príncipe. Acredito veementemente que ele me resgatou uma vez e fará isso novamente. Ele me levará para bem longe daqui. Não sei como, mas tenho fé de que logo poderemos viver em paz. Nosso amor vencerá mais essa barreira, eu sei. Sou uma romântica incurável da minha própria história. Nem sei como consegui manter esse lado em uma vida tão cruel. Mas recuso-me a deixar que a escuridão que meu avô impõe apague a minha luz. Tenho esperança de que um dia serei feliz, bem longe dele. Só não sei como lidarei com a saudade da minha avó.

Não sou apenas inteligente; minha irmã me chama de nerd. Ela está certa. Espero usar essa inteligência para escapar do destino que meu avô escolheu para mim.

Estava deitada no meu quarto, na minha humilde cama, com um colchão tão duro que está acabando com as minhas costas. Ainda assim, dou graças por não estar dormindo no chão frio como antes. Enquanto escrevia em meu diário, minha irmã me pegou desprevenida e arrancou o caderninho da minha mão.

— Ei, que falta de educação. — Reclamei enquanto ela sorria e dava de ombros.

— Harãaaa! Tá aí mais uma vez escrevendo besteiras, Lia. — Ela sorriu ao me questionar.

Eu amo minha irmã. Ela é minha melhor e mais fiel amiga, além da Larissa, que vem aqui em casa de vez em quando (quando o meu avô permite). Mas minha irmã sempre foi seca quando o assunto é sentimentos. Sabe aquela mulher que nunca fala de amor? Essa é a Léa. Ela nunca me contou sobre qualquer amor que tenha vivido e insiste que não acredita em amor assim, do nada. Diz que isso é só paixão passageira e que o amor verdadeiro nasce da convivência, respeito e demonstração de carinho.

Entendo o ponto de vista dela, mas ela nunca me convence. Acho que só quer me confundir, especialmente porque tem certeza de que o noivado com Andrew foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. Ela só pode estar louca! Às vezes, penso que ele deu azar e escolheu a irmã errada para esse bendito casamento, já que Léa provavelmente aceitaria de bom grado.

Minha irmã leu o que eu estava escrevendo e balançou a cabeça em negação. Ela tem sorte de eu confiar plenamente nela. Junto com a minha avó, ela é meu porto seguro, uma das pessoas que mais amo. Mas isso não significa que temos as mesmas opiniões — somos muito diferentes na forma de pensar.

Léa respirou fundo antes de falar:

— Lia, meu amor, minha irmã… Quando é que vai parar de bancar a princesa esperando pelo príncipe encantado, mana?

— Deixa-me sonhar, Léa. — Retruquei, cobrindo a cabeça com o travesseiro.

— Pelo amor de Deus, já cansei de te falar que a nossa vitória a gente busca, não espera dos outros. — Ela falou enquanto me entregava meu diário, que, na verdade, é só um caderno velho onde escrevo meus planos, sonhos e o meu dia a dia.

— Fala isso porque não é a sua vida que está nas mãos de um louco desconhecido. — Argumentei, pensativa. — Corri atrás do que queria e olha o meu olho como está. — Completei, mostrando meu rosto.

Léa se aproximou, ergueu meu rosto e fez uma careta ao perceber que meu olho ainda não estava completamente desinchado. Meu avô até inventou uma história para meu "noivo", dizendo que eu estava doente, apenas para esconder os hematomas que ele mesmo me deixou. Agora, mal saio de casa. Após o "resgate" do meu avô, virei prisioneira de vez. Segundo ele, não sairei de casa até me casar. Para reforçar isso, colocou seu fiel cão de guarda na porta do meu quarto. Ele sabe o quanto eu temo Bruno, meu primo, e também sabe que faço qualquer coisa para evitar lidar com ele. Bruno aprendeu a ser tão cruel quanto meu avô.

— Não é assim que se corre atrás do que quer, Lia. Sei que “ama” o Miguel. — Léa falou, fazendo aspas com os dedos. Isso me deixou confusa. Ela sabe que amo o Miguel e que faria tudo por ele, então por que essas aspas?

Ela continuou:

— Mas penso que ele não é a pessoa certa para você, e você sabe que penso assim desde sempre. Por mais que ele pareça gostar de você…

Seus comentários me deixaram ainda mais confusa sobre o que ela realmente pensa, mas não sobre o que eu sinto. Sei que Léa quer o meu bem, mas ela não esteve com Miguel nos momentos que vivemos juntos. Ela não sente o que eu sinto.

— Por que essa implicância? — Perguntei, tentando entender.

— Poxa, já fazem três dias que o vovô te tirou daquele casebre e nada daquele moleque tentar entrar em contato para saber o que aconteceu com você. Eles destruíram tudo na casinha de vocês, e ele nem apareceu aqui ou tentou falar para saber o que aconteceu. — Ela fala, me fazendo revirar os olhos. Não entendo por que minha irmã tem tanta implicância com Miguel. Penso que talvez seja porque eles estudaram juntos. Não sei onde ela quer chegar com isso.

— Sabe que não é fácil assim. O nosso empecilho não é só o nosso avô, os pais dele também são contra.

— Mesmo assim.

— Acha que devo aceitar de bom grado que o Senhor Rubens acabe com a minha vida, me casando forçadamente com um desconhecido? Belo jeito de "ir atrás do que quer", hein, Léa. — Respondo, irritada. Ela balança a cabeça em negativa.

— Sabe que não concordo com isso, Lia. Mas penso que você está lutando em vão, desperdiçando as suas energias com a pessoa errada. Por que não tenta falar com o seu noivo e dizer o quanto você se sente mal sendo forçada a se casar?

Dessa vez, não aguentei e gargalhei na cara da minha irmã. Ela acha mesmo que aquele homem me ouviria? Ele é tão escroto quanto o meu avô. Para ele, as pessoas são mercadorias, moedas de troca. Jamais me humilharia tentando falar com ele. Prefiro morrer antes desse maldito casamento. Seria melhor do que me casar com ele.

— Acha mesmo que ele se importaria?

— Tentar não faz mal.

— Léa, seja mais sensata. Ele não quer nada além da minha submissão. Quer me humilhar e acha que, assim, atingirá o nosso avô. Mal sabe ele que o vovô pouco se importa com o que sentimos. — Baixo a cabeça, frustrada. — Ele não quer saber o que sinto, muito menos o que penso, Léa. Se nem o nosso avô, que nos criou, se importa conosco, imagine um estranho.

— Não sei… mas não vejo ele assim como você vê. — Ela argumenta, pensativa. Será que minha irmã sente algo por aquele homem? É a única coisa que vem à minha cabeça.

— Que bom. Então convença ele a trocar eu por você e seja feliz sendo a submissa e escrava dele. — Respondo, voltando a escrever no meu diário.

— Você é muito inteligente, Lia, mas quando quer, sabe ser muito infantil. Estou tentando te ajudar. — Escuto sua voz carregada de frustração. Logo em seguida, ouço a voz da nossa avó.

— Meninas, não estão discutindo, não é mesmo? — Minha avó entra no quarto com a minha comida. Tenho evitado sair daqui para não dar de cara com Bruno.

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