05

Continuação...

Minha avó entrou no quarto com o prato em mãos. Eu adoro sua comida, assim como adoro cozinhar. Foi ela quem nos ensinou a fazer de tudo em casa, desde limpar até preparar refeições. Dificilmente há algo que eu não saiba fazer, porque sempre foi meu passatempo quando não estava na faculdade. Agora, nem isso posso frequentar. Sinto-me decepcionada por estar privada desse esforço que tanto lutei para conquistar.

Lembrando das minhas aventuras na cozinha, penso em Miguel. Durante nossa fuga, preparei alguns pratos para nós. Comidas simples, já que não tínhamos dinheiro para banquetes, mas ele adorou. Fez vários elogios, e posso dizer que sei realizar ótimos pratos graças à mulher à minha frente, que sempre foi tão dedicada a nós.

Hoje, no entanto, algo estava diferente. Não me senti bem com o aroma da comida que tanto amo — arroz com strogonoff. Ao sentir o cheiro, meu estômago resmungou. Fiz uma careta e me virei de lado para evitar olhar.

— Vovó, não quero. — Falei com jeitinho, para não decepcioná-la. Minha avó é muito carinhosa e, muitas vezes, nos protege dos castigos do meu avô e da fúria de Bruno.

— Nada de greve de fome, Lia. Pode comer. — Ela colocou o prato na minha frente novamente.

— Vó, eu não quero. Meu estômago está ruim. — Resmunguei, e minha avó imediatamente olhou para Léa, que ergueu as sobrancelhas, desconfiada.

— Desde quando está ruim, Lia? — Ela me olhou com aquele olhar questionador que me fez sentir envergonhada.

— Agora, vovó. Não estava sentindo nada antes, mas não se preocupe. Ontem também não jantei, deve ser isso. — Falei calmamente, tentando amenizar sua preocupação.

— Vamos ver como ficará. Qualquer mal-estar, avise-me imediatamente, entendeu, filha? — Minha avó passou a mão no meu rosto, mas ainda exibia um semblante preocupado. Ela se sentou na minha frente. — Filha, quero falar com você. Seriamente. — Disse, alisando meus cabelos.

Seu olhar me deu um receio estranho, como se algo ruim estivesse por vir. Por mais que eu não queira esse casamento, também não quero prejudicar as pessoas que amo. E sei que minha avó teme pela vida do meu avô nas mãos de Andrew.

— Pois fale, vó. — Respondi, recebendo dela um sorriso contido.

— Filha, sabe que não queria que nada disso estivesse acontecendo. Sinto-me mal por ter jurado à sua mãe que cuidaria de vocês e, agora, ver o que está acontecendo… sinto-me responsável por tudo o que você está passando. — Sua voz estava carregada de culpa.

Por Deus, como eu queria ouvir isso do meu avô! Não é ela quem causa todo esse mal, e sim ele.

— Vó, a senhora tenta, eu vejo isso. Mas não é fácil, não é? — Falei enquanto ela abaixava a cabeça.

— Não mesmo, filha. Quantas vezes, quando vocês eram pequenas, contei lindas histórias felizes? Juro que não era isso que eu queria para as minhas meninas.

— Nunca acreditei nas histórias, vó. Só ouvia mesmo. Já a Lia levou tudo muito a sério. — Minha irmã falou, sorrindo enquanto acariciava meu rosto com carinho.

— Se eu soubesse que tudo isso iria acontecer, nunca teria contado contos de fadas para vocês. — Minha avó respondeu, amenizando com um sorriso contido. — Sei o quanto tudo isso é insatisfatório e doloroso, Lia. Por mim, que tudo acontecesse comigo, mas nunca contra vocês. É por isso que me dói tanto, por perceber que não estou conseguindo tirar esse peso de cima de você. Sinto-me culpada por tudo o que vem acontecendo. Falei com o seu avô, como prometi, mas foi totalmente em vão. Por isso, quero tentar amenizar de alguma forma e ajudá-la a lidar melhor com isso, para que não seja tão cruel quanto o seu avô vem sendo.

Suas palavras deixaram claro que não tenho outra opção. Minha avó tentou me ajudar, e sei bem que nada disso é culpa dela. Se meu avô não tivesse cometido tantos erros, não estaríamos nessa situação.

— Não se culpe. Só tenho a agradecer por ter a senhora. — Falei, enquanto ela segurava minha mão e me olhava nos olhos.

— Filha, quero que tente relevar esse casamento, já que não temos outra saída.

— Como? Um desconhecido, vó. Como a senhora quer que eu me case com alguém que nunca vi? Não faço ideia de por que esse cara aceitou a loucura do meu avô, mas até ele mesmo diz que o tal Andrew é pior que ele. Me ajude a fugir, por favor. — Supliquei, mas minha avó se negou, pedindo que eu falasse baixo enquanto olhava para a porta, me lembrando que Bruno estava me vigiando.

— Não fale besteiras, Lia. Seu avô te mata se souber que você ainda pensa nessa fuga absurda. E outra, você teria coragem de fugir e me deixar?

Abaixei a cabeça. Não consegui responder.

— Não sei… Só sei que não quero isso.

— Lia, pare e pense, filha. Pense no melhor. Pode ser que o senhor Hernandez seja uma pessoa boa, que só tenha entrado nessa história por conta do seu avô. Não sabemos o que aconteceu.

— Por que ele me escolheu? Por que não a Léa?

— Não sei, filha. Talvez tenha sido o seu avô que escolheu você, por saber que estava dando trabalho com esse rapaz. Não temos certeza.

As palavras dela me fizeram lembrar da noite em que meu avô chegou quebrando tudo. Ele apontou para mim e disse: "Prepare-se, você vai se casar com Andrew Hernandez e não terá escolha, entendeu?" Ainda tentou se aproximar, mas minha avó entrou na frente, impedindo-o. Isso aconteceu dois dias depois de Bruno me ver na garupa da moto de Miguel. Meu avô ficou irado quando soube e me deu um castigo daqueles. Pode ser que minha avó esteja certa. Talvez eu não tenha sido escolhida por Andrew, mas sim pelo meu avô, que decidiu quem seria usado como moeda de troca. Esse pensamento, de certa forma, me deixou um pouco menos tensa.

— O que a senhora tem a me falar? — Perguntei, já receosa.

— Para tentar aliviar a angústia que sinto, marquei com o senhor Hernandez um jantar entre você e ele.

Arregalei os olhos, sem entender o que minha avó queria com isso.

— O quê? Não, não, não! Por favor, vó, isso não! Eu não quero! — Protestei, desesperada. Ela me puxou para um abraço.

— Filha, confie em mim. Será o melhor para você. Pelo menos, poderá conhecê-lo melhor, já que não temos outra saída.

— Tá bom, tá bom, eu vou… Mas fique claro que não aceito esse casamento. Não aceito nada disso que está sendo imposto a mim. Vou me casar, vó, mas saiba que farei de tudo para que ele me dê o divórcio. Eu terei a minha liberdade. Prometo isso a mim mesma!

Limpei as lágrimas, apavorada. Tenho medo dele, medo do irmão dele, e de tudo que envolve seu nome. O temor toma conta de mim. Meu Deus, o que será de mim?

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