Realidade

Ao fechar a porta ela não sabia nem o que pensar. Achou que ele a encheria de perguntas, que teria que se explicar e pedir perdão. Achou que teria que reconquistar o amor dele, mas ao que parece esse amor ainda estava lá adormecido e agora acordara. Ela estava radiante.

Ela achou que ele nunca fosse a perdoar e ele sequer a questionou. Carlos era o mesmo homem que ela havia abandonado. Tinha um bom coração. Muito mais bem sucedido hoje, do que naquela época, não perdeu o que tinha de melhor. Sua essência. O dinheiro não lhe subiu a cabeça, como havia subido a da irmã.

A irmã.

Liz tentou tantas vezes fazer Tailla entender que o que ela fazia era errado. Mas ela nunca ouviu. Sempre tratou Liz como louca. 

Ela dizia sempre que sabia que era errado. Mas que ela não seria pega. Que quem seria preso caso alguém descobrisse seria Carlos. Seu querido Carlos, ela dizia. A irmã fazia questão de fazê-la sentir medo. Ela temia por sua filha, por Carlos e por ela mesma. Espantou esses pensamentos.

Subiu para seu quarto novamente e ficou recordando as horas de amor que teve com seu homem. Pensou em cada toque, cada carícia. Suspirou tocando a cama onde fizeram amor. Ficou tanto tempo perdida em seus devaneios, que nem notou quando a porta se abriu e um homem entrou, apenas sentiu uma mão em sua boca e uma pancada, que a fez perder os sentidos antes que pudesse gritar.

Ela foi levada por aquele homem estranho para um carro preto, que estava parado na frente de sua casa. Mas ela não viu isso. Ela estava desacordada. Também não vou que sua filha estava observando tudo.

Alexia que havia chegado há alguns minutos viu tudo, mas achou melhor não intervir, se ela fosse pega também, não poderia ajudar sua mãe. Ela foi orientada a vida toda a fugir caso algo assim acontecesse. Mas ela não faria isso.

Ela sabia perfeitamente, que todas as aulas que sua mãe a matriculou, foi na intenção de mantê-la fora de casa a maior parte do dia. A noite ela não tinha muito o que fazer. Apenas colocava Alexia para dormir no último quarto do corredor, com uma armadilha bem barulhenta no caminho. Era tudo o que a mãe podia fazer. Avisar a filha para que ela pudesse fugir. 

Liz realmente achava que conhecendo toda a história a filha conseguiria fugir? Sabendo que ela fora levada? Nunca!

Correu para dentro de casa assim que o carro se foi. Ela queria ver se encontrava alguma pista. Não encontrou nada e decidiu que procuraria pelo telefone de Carlos na lista telefônica. 

Encontrou só o da empresa e se lembrou de Luiz. Sua mãe falava muito sobre ele, aliás tudo que estava a volta de seu pai, sua mãe lhe dizia para que ela pudesse conhecê-lo melhor.

Sua mãe contou que Tailla fora namorada de Luiz e ela de Carlos, mas que sua tia havia destruído a vida dela e de Luiz, na intenção de ficar com Carlos, que já era rico na época. Tailla sempre fora ambiciosa, mas quando seu pai entrou na história, tudo começou a tomar rumos mais perigosos. Carlos não era mais só o cara rico que ela tomou da irmã, era o bode expiatório, o laranja que seria preso caso algo desse errado. Alexia sabia de tudo isso. Por isso não podia simplesmente fugir. Ligou no número que encontrou.

O telefone chamou e no segundo toque uma voz gentil atendeu.

- Aguillar transportes, Diana, boa tarde?

-Er...boa tarde. - disse procurando tornar a voz mais adulta, pois achava que não lhe atenderiam caso fosse constatado que era uma criança. - Por favor, senhor Luiz Fernando Ávila.

-Quem gostaria?

-Alexia. Diga que é um assunto particular e de seu interesse.

-Sim. Um momento por favor, vou transferir para o ramal da secretária dele.

Apertou o botão do ramal e outra voz atendeu formalmente.

-Aguillar transportes administração, Tânia boa tarde? 

-Boa tarde senhor Luiz Fernando Ávila? 

-Quem gostaria?

-Alexia, diga que é um caso pessoal e de seu interesse. 

-Um minuto por favor. 

Apertou o botão que cortava a chamada e disse para Luiz:

- Senhor, Alexia na linha dois.

-Alexia?O que a filha da Liz quer comigo? - pensou alto.

Luiz sabia da existência de Alexia. Não sabia que ela era filha de Carlos, apesar de desconfiar. Falava com Liz algumas vezes por telefone, mas nunca vira a menina.

- O que senhor?

-Hã...não, nada, pode passar.

-Alô.

- Alô, Alexia, o que houve?

-Minha mãe, ela foi levada e eu não sei o que fazer, procurei o telefone do meu pai mas não encontrei. Só achei o da empresa e só consegui pensar em você para me ajudar. 

- O que eu posso fazer? Você quer o telefone do seu pai?

-Sim.

- Anota aí. 

-Só um pouco...preciso de uma caneta.

Abriu sua mochila, que só agora se lembrara de tirar das costas e pegou uma.

- Pode falar.

Luiz disse para ela o número e ela agradeceu. Em seguida desligou, para agora ligar para o seu pai,  o telefone dele só chamava.

Ela tentou de novo, Alexia não desistiria.

Ela continuou tentando. Andou pela casa, ela precisava encontrar alguma pista. 

Enquanto isso, Carlos chegava ao hotel. Ele não se lembrou de ligar para Tailla. 

Se despiu e encheu a banheira. Entrou na água quente e sentiu seus músculos relaxarem.

O celular dele não parava de tocar. Ele teria visto, se não estivesse no banho.

Pensou em como sua vida havia mudado em apenas algumas horas. 

Pensou no reencontro com Liz. Em como seus corpos se conectaram na hora que faziam amor.

Ele sorriu.

A amava. O amor não havia morrido. Durante onze anos ficou adormecido e acordou agora. De início ele achou que fosse atração, mas no momento em que ela o beijou, soube que era amor.

Se perguntou como passou tanto tempo sendo enganado por Tailla, se nunca a amou.

Que sentimento era esse que mantinha seus olhos vendados?

Tailla era tão esperta mesmo ou era ele que nao.passava de um estúpido?

Eram muitas perguntas que ele não era capaz de responder. Terminou o seu banho e se enrolou na toalha. 

O melhor era deixar o passado para trás. 

O que passou, passou.

Pensou em sua filha. O pouco que soube dela, já dava para imaginar a mulher de fibra que se tornaria um dia. 

Liz a tinha criado muito bem. Havia preparado a filha para passar por tudo isso junto com ela.

O medo transformou a vida de sua amada, mas não tirou a sua essência. Liz era exatamente igual a quando namoravam. Ele se lembrava perfeitamente. Haviam algumas diferenças, mas eram sutis. Nada gritante. E a filha ia pelo mesmo caminho. Doce e meiga, porém, forte e determinada.

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