Aquela voz familiar me tirou qualquer dúvida: não era um sonho, nem um engano. Era Jean. O mesmo Jean que, durante o dia, fingira que eu não existia, incapaz de sequer lançar um olhar na minha direção.Meu coração disparou, confuso e desordenado, enquanto sua mão firme segurava meu braço para me impedir de cair. Mas, ao lembrar de como ele havia agido mais cedo, a mágoa tomou conta de mim. Sem pensar duas vezes, desvencilhei-me do toque dele.— O que você está fazendo aqui no meio da noite? Quer me matar de susto, aparecendo assim como um fantasma? — Repreendi, sem esconder minha irritação.— Desculpe. — Ele pediu desculpas, com aquele tom gentil e quase cauteloso que eu conhecia tão bem. Por um instante, parecia o Jean de antes, aquele que sempre me tratava com cuidado.Era como se o homem frio e distante do corredor, mais cedo, fosse outra pessoa completamente diferente.— Só queria saber como você está. — Ele explicou, em voz baixa.Engoli em seco, tentando controlar a ansiedade que
Jean foi embora, mas eu passei a noite inteira sem conseguir dormir. Quando finalmente peguei no sono, já era madrugada, e acabei acordando bem tarde no dia seguinte.Depois que o médico fez a ronda, aproveitei para perguntar sobre meu estado de saúde. Ele disse que, com repouso e cuidados, eu ficaria bem. Assim, pedi alta imediatamente. Eu não podia continuar no hospital, temia que um novo encontro com Jean complicasse ainda mais as coisas.Ao voltar para o apartamento recém-alugado, senti uma mistura de alívio e inquietação. O lugar era muito mais espaçoso e iluminado do que o anterior, e até Higger, meu cachorro, parecia animado com a mudança. Assim que me viu, ele correu até mim, pulando e latindo de alegria.— Kiara, descanse um pouco. Eu levo o Higger para passear. — Tatiana disse, atenciosa como sempre. Ela já havia pego a coleira do cachorro e, antes que eu pudesse responder, saiu pela porta com ele.Sentei-me no sofá, sentindo uma leve exaustão no corpo. Minha mão, quase por r
Apesar de estar com a cabeça cheia de preocupações, quando Bela perguntou o que eu queria almoçar, percebi que a fome havia chegado. Imediatamente, lembrei-me dos pratos do Bom Sabor, que eu sempre adorei.— Só os de sempre, os que eu gosto. Se for fácil para você... — Pedi, sem cerimônia, mas com uma leve risadinha.— Certo, vou pedir para o chef preparar.— Obrigada, Bela! Você é a melhor! — Respondi, com um tom manhoso, tentando agradá-la.— Hmpf! Não pense que só porque está me bajulando, eu vou deixar de te dar um sermão quando chegar aí! — Bela respondeu com falsa seriedade antes de desligar.Tatiana voltou do passeio com Higger logo depois e perguntou sobre o almoço.— Não precisa se preocupar, a Bela vai trazer um banquete pra gente. — Expliquei.— Bela vem pra cá? Então, devo voltar para a empresa?— Não precisa. Almoce connosco primeiro.Por volta das onze e meia, Bela chegou carregada com os pratos preparados pelo chef do Bom Sabor. A apresentação impecável e o aroma delicio
— Senti sua falta, ué. — Respondi, sorrindo.Nós três subimos no carro e seguimos direto para o restaurante da família de Bela.Eu e Nina já havíamos comido no Bom Sabor antes — foi naquela ocasião em que encontramos Emilia, que fez questão de bancar a superior e pagou a conta. Era impossível não lembrar daquele episódio.Assim que nos sentamos, pedi um café em vez de vinho, e fiz um pequeno brinde para agradecer a chegada da minha velha amiga. Mas não demorei muito com formalidades. Assim que os pratos começaram a ser servidos, fui direto ao ponto.Ao ouvir minha intenção.Nina arregalou os olhos, surpresa, enquanto alternava o olhar entre mim e Bela:— Hoje não é 1º de abril, é?— Claro que não. — Respondi, rindo. — Nina, não estou brincando. Quero mesmo vender minha empresa e, mais do que isso, quero que você assuma o cargo de vice-presidente.Nina ficou em silêncio por alguns segundos, tentando processar o que eu estava dizendo.— Vice-presidente? Mas... por quê? Você está precisan
Bela foi rápida e eficiente. Não sei como ela conseguiu convencer sua família, mas a família Gomes concordou em adquirir minha empresa.Quando a notícia começou a circular, os colegas de trabalho ficaram inquietos, imaginando que algo grave estivesse acontecendo. Imediatamente pedi ao departamento de RH que publicasse um comunicado, garantindo que não haveria demissões injustificadas e que todos deveriam manter discrição sobre o assunto.No fundo, eu temia que Jean ainda estivesse prestando atenção em mim e que qualquer movimento chamasse sua atenção.O processo de compra foi tranquilo. Para facilitar e como forma de retribuir os anos de amizade e apoio de Bela, baixei o preço da empresa. O pai de Bela, sempre prático, transferiu o valor da compra no mesmo dia em que assinamos o contrato.Quando abri minha conta e vi aquela longa sequência de zeros, senti um misto de alívio e vazio. Aquela empresa era fruto de anos de trabalho árduo, mas também carregava as marcas da minha história com
Depois de um breve silêncio, Jean perguntou, hesitante:— É mesmo por esse motivo?Parecia que ele estava começando a acreditar na minha história.— Claro, e qual outro motivo seria? — Respondi com firmeza, mantendo a calma no tom.Ainda bem que estávamos falando pelo telefone. Se fosse cara a cara, eu provavelmente já teria me entregado de tão nervosa.— Achei que você estivesse tentando me evitar, querendo ir embora de vez. — Sua voz era fria, mas havia um traço de descontentamento nela.Meu coração deu um salto, mas forcei um sorriso e respondi, tentando soar despreocupada:— Você está pensando demais. Faz tempo que terminamos. Se eu quisesse te evitar, já teria desaparecido há muito tempo.Houve outro momento de silêncio do outro lado. Eu sabia que deveria encerrar a conversa ali. Quanto mais falássemos, maior a chance de eu dizer algo errado e me trair.Mas, justo quando abri a boca para dizer “até mais”, ele falou de novo:— Você se mudou?Meu coração quase parou. A resposta fico
Depois de me acalmar na estrada, finalmente consegui retomar o controle e continuar dirigindo.Quando cheguei em casa, Nina me olhou com curiosidade e perguntou:— Você não saiu antes de mim? Por que chegou só agora? Achei que tivesse ido almoçar com a Bela.Balancei a cabeça e respondi:— Não, só peguei trânsito. Vim dirigindo devagar.Coloquei no chão a caixa que estava carregando. Era o último conjunto de itens pessoais que eu havia trazido do escritório.Nina percebeu que algo estava errado e se aproximou, preocupada:— Você está bem? Está triste por ter vendido a empresa? Eu sei que essa marca foi o seu maior projeto, seu sonho de anos. Deve ser difícil deixar tudo para trás assim, de repente...Suspirei, tentando disfarçar o cansaço emocional:— É claro que dói um pouco. Foram muitos anos de dedicação, mas já está feito. Não adianta ficar remoendo.— Então, o que houve?Olhei para o sofá e, sentindo o peso do dia nas costas, me joguei ali, completamente exausta. Depois de respira
Enquanto olhava pela janela do avião, vendo a cidade que eu tanto amava desaparecer lentamente no horizonte, as lágrimas começaram a cair como uma tempestade que eu não conseguia controlar.A jovem que estava sentada ao meu lado percebeu meu estado e, sem dizer nada, estendeu um lenço de papel.— Obrigada. — Agradeci, tentando sorrir, mas minha voz estava embargada.Ela apenas assentiu, respeitando meu espaço, e eu me concentrei em acalmar meu coração. Precisava aprender a esconder essa dor, a enterrá-la onde ninguém pudesse alcançá-la.A longa viagem me exauriu física e emocionalmente. No final, acabei adormecendo, mergulhando em um sono agitado que, por algumas horas, me deu alívio do sofrimento.Dois anos depois.Era Natal mais uma vez. Bela veio para a Inglaterra para passar o feriado comigo e, claro, para ver seu afilhado, Jackson.Fui ao aeroporto buscá-la, levando Jackson no carrinho de bebê. Assim que vi minha melhor amiga aparecer, acenei animadamente.Jackson, sentado no carr