4 | Nosso inadequado Professor

Às 2 da tarde lembrei do trabalho que tinha com Ezra e Riky na biblioteca. Tínhamos combinado na semana passada depois deles ficarem esperando até às 6 da tarde por mim e eu não aparecer porque Kira decidiu ficar presa no banheiro do próprio dormitório.

   “Você tem que se ferrar sozinho e não levar a gente junto,” Riky disse durante a aula de matemática quando pedi o caderno emprestado.

    “Marcamos de novo na semana que vem. Espero que venha,” Ezra forçou um sorriso e deu um tapa no meu ombro.

    A visto eles juntos na mesa central da biblioteca com dois livros. Estão rindo de alguma coisa, mas param de rir assim que chego.

    — Jack, é verdade que não sabe ler? — Riky olha rapidamente para Ezra e continua: — Ouvimos o professor de literatura comentar durante a aula.

Balanço a cabeça. 

     — É, tenho TDAH.

     — Ah… então é por isso que suas notas são ruins em literatura? — Ezra fecha o livro para prestar atenção.

    — Não, isso é porque não chupo o pau dele.

    Riky e Ezra ficam parados com os olhos arregalados antes de rirem.

    — Você é péssimo, cara!

    — Não, não sou tão péssimo. E eu sou bom em outras matérias como ciências e matemática, só que tenho dificuldade em ler e escrever — passo a palma da mão na nuca. Ezra me olha como se eu fosse algo muito exótico e Riky como se tivesse descoberto o que já sabia.

    — Bem, a gente estava lendo Game of Thrones para fazer o trabalho de literatura — Ezra mostra a capa do livro.

    — Você já leu? — Ezra dá uma cotovelada no Riky. — Quer dizer, já ouviu falar?

    — Senhor dos Anéis é melhor — estico-me na cadeira enquanto dou um bocejo.

    — E como você sabe que é melhor se não sabe ler? — Riky tenta disfarçar o desdém na voz, mas é quase que parte dele.

    — Kira leu todos os livros para mim.

    — Leu mesmo? — Ezra levanta uma sobrancelha.

   — Sim! Leu até o Hobbit e A dança dos dragões. Daenerys ainda está em Meereen e John está morto — pisco para eles.

    — Então já que leu mesmo, fala o por quê de um ser melhor que o outro? — Ezra cruza os braços e os coloca em cima da mesa, chegando com rosto mais próximo.

    — Um tem final e o outro não.

    Ezra e Riky se entreolham e balançam a cabeça convencidos, em seguida passam a discutir se seria melhor pegar outro livro para o trabalho. Ezra se irrita com Riky por querer pegar Harry Potter e não Percy Jackson, e ficam discutindo por um longo tempo até decidirem pegar A Fundação.

    — Pronto, eu e o Riky vamos fazer a introdução e os textos, e você pode fazer as ilustrações.

    — Tá bom. Vou demorar um pouco para entregar.

    — Se entregando não tem problema — Riky me encara como se eu tivesse pronto para cometer um crime.

    — Vou entregar — puxo o livro para mim e passo algumas páginas para ver se tem algumas ilustrações além de várias letras enfileiradas.

    — Não tem imagens — Riky diz preguiçosamente com o rosto apoiado na mão.

    — Vou pedir para a bibliotecária se ela imprimi algumas ilustrações do livro na internet para ajudar você.

    Ezra puxa o livro para si e se levanta, quando fica mais distante, Riky para de apoiar o rosto na mão e começa a olhar fixamente para mim. Os olhos azuis grudam em mim e os dedos começam a bater na mesa.

    — Você é gay, não é?

    — Tem algum problema? — ajeito-me na cadeira.

    — Por mim não, só não estando apaixonado por mim já está bom.

    — Você é feio demais, não faz meu gosto.

    — Mentira, as garotas brigam para me mamar.

    — As garotas também me disputam, mas não quero nenhuma.

   Riky dá um sorrisinho debochado.

    — Ah é? E já foi mamado por quantos garotos?

    — Bem… — olho de relance para a entrada da biblioteca e vejo Kira com um copo descartável vindo até mim.

    — É sua irmã ali, né? — Ezra surge de repente.

    — É.

    Kira já está com o pijama de dormir e com pantufas. Ela acena brevemente para os meninos e cutuca meu ombro.

   — Trouxe seus remédios se não vai esquecer de tomar. Abre a mão — ela j**a os comprimidos na palma da minha mão e me dá o copo d'água.

   — Jack contou pra gente que é gay — Riky fala como se fosse algo surpreendente, mas o único surpreso é o Ezra.

    — Até que demorou — Kira cruza os braços e aguarda eu tomar os remédios.

    — É… sério? — Ezra move os olhos para mim e depois para a Kira.

    — É — concordo.

    — Maneiro — ele sorri.

    Quando chego no dormitório, a primeira coisa que faço é começar o esboço de eu e Angus se beijando na escada. Prometi a mim mesmo que será o meu melhor desenho.

    Pego o abajur de mesa do Walter e coloco em cima da nossa mesinha, agarro todos os lápis e canetas antigas de Kira e, por fim, a última folha em branco do meu caderno.

    Há pouco tempo descobri que tenho dificuldade com esboços. Apago o primeiro, depois apago o terceiro, depois o sexto até chegar em um esboço quase perfeito que ainda não estava perfeito. Apago tudo novamente e volto a refazer. A ponta do lápis quebra, a borracha borra os traços e cada vez que tento melhorar o esboço ele fica mais confuso. Rasgo a folha de uma vez e a lanço para bem longe. Vou tentar de novo mais tarde, talvez acerte ou erre tudo até ir dormir de raiva. 

Deito-me na cama. O quarto tem um cheiro quase viciante de meia suja e suor. Kira com certeza surtaria se viesse aqui, e é exatamente por isso que ela não vem aqui mesmo Walter sendo o namorado dela e eu o irmão.

    “Vocês que me procurem no meu dormitório, porque eu não vou ao de vocês nem ferrando. No máximo, passo pelo corredor.”

    Deslizo levemente a ponta do dedo esquerdo pela parede da minha cama. Uma superfície plana e lisa com uma tinta boa.

    “Que porra é essa?” Walter irá dizer quando ver o que fiz na parede. Estou muito entusiasmado para me preocupar com a reação dele quando ver a minha arte.

    Começo testando os lápis que mais combinam com a superfície da parede e depois vou testando a borracha para saber qual é mais fácil de apagar. Testo tipos de lápis de colorir e até giz de cera. Inicio o esboço fazendo os rostos. Vou indo de um lado para o outro na cama, e cada vez mais e mais o esboço vai crescendo. Surgem mãos, silhuetas das roupas, cabelos, pernas…

    Só consigo parar quando fico totalmente cansado e jogo o corpo na cama. Meu peito fica inflando e desinflando até meus olhos fecharem.

    — Jack! — duas batidas na porta.

    Viro de lado na cama.

    — Jack! — três batidas.

    Abro os olhos.

   — Jack! — mais duas batidas na porta.

    — Já tô indo! — sento na cama, esfrego os olhos e levanto.

    Alice sorri assim que abro a porta. A franja ruiva está completamente perfeita e usa um terrível batom vermelho.

    — Obrigada por beijar Angus e deixar Hector ver. Não vou mais precisar dos garotos do time de baseball — é a primeira garota chinesa que vejo tão entusiasmada por um pau canadense.

    — Bem… — observo o corredor de um lado para o outro —, não foi nada e espero que faça o mesmo por mim.

    — Sabe que farei. Não tenho interesse no Hector com outra pessoa que não seja eu — Alice coloca o cabelo atrás da orelha e, com um grande sorriso, me dá um beijo na bochecha. — Seja feliz com ele e deixe ele bem longe.

    Respondo com o mesmo sorriso e fico acenando até ela virar o corredor.

    Às 8AM entro na aula de literatura com Ezra e Riky. Riky tenta fazer uma piada ruim sobre o que disse ontem. 

     — Se o professor for gay poderia oferecer um boquete rapidinho no banheiro. Daí a nota estaria garantida.

    — Não tem graça, Riky — coloco o caderno em cima da minha mesa tentando demonstrar não estar achando graça — mas quase rindo.

    — Ontem teve graça — Ezra se intromete.

    — Ontem não estávamos na aula dele.

    Riky me dá uma cotovelada. — Qual é cara? Pode aproveitar hoje para revelar seus desejos pecaminosos por nota.

    Riky e Ezra gargalham ao mesmo tempo e ao mesmo instante em que Hector entra na sala mal humorado. Ele coloca suas coisas sobre a mesa, observa a sala e, por um breve segundo, nossos olhos se encontram.

    Esfregando a babar, ele caminha em sentido à frente da minha fileira. Para, olha diretamente para mim e espera Ezra e Riky pararem de rir.

    — Bem, Jack Tanner, o psicólogo está te aguardando na sala dele. Pode pegar suas coisas e ir. Vou atestar sua falta.

Fico olhando por alguns instantes tentando raciocinar o que ele disse.

   — Pode ir — ele indica a porta com um rápido movimento executado pelos olhos.

    — Nos vemos depois pessoal — dou um soco no ombro de Riky antes de sair da sala.

    Na sala de espera do psicólogo, Angus está lá sentado com um livro e a cabeça apoiada na palma da mão.

   — O que está acontecendo? — sento-me no banco ao lado.

    — Fala em Francês — sussurra ele.

    — Ce qui se produit?

    — Je ne sais pas… — Angus levanta os olhos do livro. — Ils m'ont juste appelé pendant le cours de sciences.

    — Cela a-t-il un rapport avec Hector?

    — Je crois que tout est de ta faute. Seulement les tiens!

    — De novo essa merda? — senti vontade de fazer ele engolir o livro.

   — Em francês — repreendeu-me.

   — J'espère qu'il t'encule beaucoup — sussurro no ouvido dele.

   — Va te faire foutre!

   — Angus Wesler e Jack Tanner podem entrar — o psicólogo pede.

_____∞_____

    Era quente, o pai deles estava bêbado — muito bêbado. Eles voltavam de um passeio divertido no rio que tinha parado de ser divertido quando dois caras apareceram na mesa deles com garrafas de cerveja.

    Kira sabia que as coisas iam ficar ruins logo que viu os caras indo em direção a eles. Neste momento quis voltar para a casa com Jack e ficar fazendo dever de casa enquanto a mãe deles fazia o café da tarde.

    O sol já estava a se pôr quando entraram no carro. O pai deles xingava e tropeçava até conseguir entrar no carro.

    Kira colocou os cintos em Jack, enquanto ele fazia uma birra por querer ir no banco da frente, mas não tinha como colocar a cadeira de bebê na frente.

    Antes mesmo de terminar de colocar o próprio cinto, o pai deles acelerou o carro e seguiu pela estrada. Kira segurou a mão de Jack e não demorou para ele começar a chorar. A cada curva que o carro fazia parecia que eles iriam voar para fora da estrada.

    “Pai, tem como você ir devagar?” Pediu ela, começando a sentir as lágrimas escorrerem.

     Outra curva, Kira só não caiu em cima de Jack por conta do cinto. Novamente ela teve que pedir para ele ir devagar.

    “Por favor, devagar!” Gritou, tentando ser ouvida através do choro de Jack.

    “Fica quieta, vadiazinha! Eu sei o que tô fazendo!”

    As lágrimas de Kira aumentaram, mas desta vez ela sentiu raiva junto. Começou a chutar o banco do pai com toda a força e a última coisa que viu foi um caminhão com toras de árvore.

    Jack viu a mãe brevemente no hospital discutindo com a enfermeira e tentando passar pelos seguranças.

    “Eu não posso deixar você ir ver eles. Vão passar por uma cirurgia de emergência, está cheio lá dentro, senhora.”

    “Mas eu preciso vê-los! São meus filhos!” Ela chacoalhou a enfermeira enquanto as lágrimas caiam. Os seguranças agarraram ela pelos braços e a arrastaram pelo chão para longe do corredor do pronto-socorro.

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