3 – Distrações

            – Olhem bem, vocês precisam entender que isso é um trabalho sério. – Dona Esmeraldina dizia, encarando os quatro com severidade. – Eu quase nunca confio de entregar um serviço na mão de outra pessoa, mesmo sendo Daniel.

            – Nosso trabalho é sério. – Lena respondeu. – Removemos um demônio e neutralizamos um vampiro só no último mês. Não somos amadores. Podemos lidar com alguns fantasmas.

            A velha puxou fumo do cachimbo e ajeitou melhor o turbante branco no topo da cabeça. Os óculos de fundo de garrafa faziam seus olhos estreitos parecerem enormes e seus pés descalços tinham as solas cinzentas de poeira.

            – Vocês ainda não se atracaram com o mal, o mal de verdade. – Ela respondeu. – Eu vi coisas nos meus sessenta e... quantos, meu fio?

            – Setenta e dois, vó. – Daniel respondeu.

            – Tudo isso? – A velha se assustou. Laura riu. – Certo, setenta dois anos. Vi umas coisas nesses setenta e dois anos que fariam uma polaquiha como você...

– Não sou polaca. – Lena interrompeu. – Minha família é toda do Rio de Janeiro há gerações.

            – Não tem gente branca como você no Rio. – Esmeraldina insisitiu. – Certeza que você é daquelas bandas frias do sul.

            – Eu... – Lena ia insistir, mas Daniel cortou:

            – Vó, as orientações.

            – Sim, as orientações. – Esmeraldina prosseguiu. – Vocês tomem atento. Façam o de vocês primeiro e só depois vão aproveitar a praia. A cliente é uma mulher importante. Ela não é iniciada, mas sabe o suficiente para ligar já pedindo o serviço pelo nome. Ela quer um esconjuro. É uma espanhola dona de uma pousada chique chamada Bombordo. O lugar está infestado de fantasmas, mas eles são inofensivos. O problema é uma coisa-ruim que tem toda cara de ser um vagante.

            – Um vagante menor? – Nandini perguntou. – De repente a gente pode fazer um acordo com ele, ao invés de expulsá-lo.

– Um menor, não. – Esmeraldina retificou. – Pelo que ela descreveu, esse aí é um cão chupando manga. Deve ser, pelo menos, um malfazejo dos grandes. Isso se não for um obsessor ou coisa pior.

            – E qual a diferença? – Nandini perguntou.

            – Vocês não são os profissionais? – A idosa perguntou, repentinamente colérica. – Daniel, você disse que essas suas amigas...

            – Um malfazejo é um espírito atormentado. – Daniel interrompeu a avó, explicando para Nandini, que fechou a cara. – Ele não tem muito senso de propósito ou inteligência. Na verdade, ele nem é um espírito propriamente dito. É mais como o registro de agonia da morte de um indivíduo personificada em um corpo que pode interagir com o mundo físico. Na maioria das vezes, basta deixá-los em paz que eles somem em alguns anos. Um obsessor é bem diferente. Ele um dia foi uma pessoa, mas que por uma série de motivos está presa no mundo dos mortos inquietos, sem poder sair. Obsessores são cheios de rancor pela sua condição, e costumam incitar obsessões nas vítimas porque se alimentam delas.

            – Então é a porra de um encosto. – Nandini resumiu.

            Esmeraldina fechou a cara, cobrando Daniel com os olhos.

            – Não, Nandini. – Ele explicou. – Encostos estão mais para malfazejos que para obsessores. Obsessores são inteligentes, cruéis, vingativos e em alguns casos, até capazes de magia. Eles são muito confundidos com demônios pelos mais desavisados.

            – Tá, um encosto que pensa. – Nandini tornou a provocar.

            – Vó, ela está de birra. – Laura explicou. – Nandini corriqueiramente faz seis contratos com vagantes antes do café da manhã. Ela está te provocando.

            – O trabalho é esconjurar o troço. – Esmeraldina concluiu, irritadiça. – Dou quinhentos a cada um de vocês pelo serviço. E a dona Mercedes libera a pousada para vocês durante o resto do feriado.

            – Vai ser um programão passar o feriado em um hotel assombrado. – Nandini debochou. 

– Não quer o trabalho, volte pra casa. – Esmeraldina respondeu.

            – Para de provocar a vó, Nandini. – Daniel sussurrou.

            – Seria uma ótima oportunidade de estudar fantasmas e vagantes. – Lena refletiu. – Não teríamos outras oportunidades parecidas tão cedo.

            – Então é isso, voínha. – Laura encerrou a discussão. A gente vai.

            Enquanto as meninas terminavam de checar todos os utensílios e materiais que levariam, Dona Esmeraldina puxou Daniel para um canto, próximo a uma das muitas árvores no quintal do terreno, e lhe confidenciou em particular:

            – Olha, fio. Eu não estou muito confiante nessas meninas que você trouxe, não. Na Laurinha eu confio. Ela é pau de dar em doido, e sei que na mão dela você está seguro. Mas essas outras... eu não sei não.

            – Vó, elas dão conta. – Daniel insistiu. – Elas são mais casca-grossa do que parecem. Nandini fez uma Urna dos Lamentos capaz de segurar um demônio. Demônio esse que Lena transportou no corpo por quase uma hora, na raça. E ela estava pertinho de descobrir o nome dele. Já pensou?

A avó olhou Daniel nos olhos, com um misto de preocupação e condescendência. Depois tocou-lhe o rosto com uma das mãos e perguntou, com muita doçura na voz:

            – Você está de enxerimentos com alguma dessas meninas, meu fio?

            – Quê? – Daniel recuou, perplexo.

            – É a sardentinha, né? – Ela continuou. – A magrelinha. Sei disso porque não gostei dela de cara. Mãe sabe essas coisas, e eu sou sua mãe duas vezes.

            – Não, vó. – Daniel explicou, alarmado. – Não é nada disso.

            Dona Esmeraldina retirou os óculos e limpou na ponta do turbante. Depois os pôs de volta e prosseguiu: 

            – Eu só quero ter certeza de que você sabe a seriedade desse trabalho. A gente precisa de mais desses clientes graúdos. Eu já não estou em condições de ficar viajando pra longe, e a Ninlil é um amor, mas arrastou metade da nossa freguesia endinheirada desde que abriu. Não é uma brincadeira. Se eu não estivesse tossindo, iríamos só nós dois.

            – Eu sei, vó. – Daniel garantiu. – Não vou fazer nada errado.

– Eu sei que você não quer fazer nada errado. – Esmeraldina insistiu. – Mas também sei como é ter a sua idade. Você vê um par de cambitinhos ou uma polpinha de bunda e pronto. Não pensa mais em nada. Eu estou te mandando fazer trabalho de gente grande dessa vez.

            – Eu e a Nandini não temos nada, vó. Nem eu e a Lena, ou eu e a Laura.

            – Obsessores são muito perigosos. – A vó o advertiu. Seu tom passou de condescendente a tenso. – Eles descobrem uma coisa que você quer e depois te fazem querer tanto que você aos poucos se esquece de todo o resto e passa a viver para aquilo. Já vi acontecer, e no começo é até remediável. Mas a gente não tem dinheiro para pagar a Ninlil para ir te socorrer, eu não tenho saúde para ir eu mesma se algo der errado. A única outra ajuda possível levaria uma semana para chegar de Salvador. Você entende isso, Daniel? Você e essas meninas vão estar sozinhos lá.

            – Eu entendo, vó.

            – Então olhe nos olhos de sua veínha e diga que você não está de enxerimentos com a magrelinha e que não vai se distrair do seu serviço.

– Não tenho nada com a Nandini. Eu não vou me distrair, vó.

            Se olharam por um momento. Esmeraldina conhecia Daniel como a palma de sua mão. Ela sabia que havia uma mentira ali, em algum grau. Apenas queria se certificar de assustá-lo o suficiente para que focasse na tarefa e se distraísse o mínimo possível.

            Daniel, por outro lado, não mentira de todo. Não tinha nada acontecendo entre ele e Nandini, e isso era absolutamente verdade. Mas ele sabia, no seu íntimo, que desde o ritual no Morro do Careca passara a pensar cada vez mais nela. Era sutil, íntimo, e, de certa forma desvinculado dos seus impulsos comuns em relação às outras colegas, ou garotas, ou mulheres, ou qualquer coisa remotamente feminina que cruzasse seu caminho. Em relação a ela, desde o morro, mais que um desejo de tocar, crescia em seu interior um desejo de proteger.

            Só não imaginava que estivesse dando tanto na vista a ponto de sua avó perceber.

            – Quando você voltar, eu prometo que te faço uma infusão de raiz-brava que vai te transformar em um touro. – A avó lhe disse, sapeca. – Você vai poder fazer um estrago nas menininhas com ele. Mas agora, dê atenção ao serviço.

            – Vó!!! – Daniel exclamou, só constrangimento, piorado à enésima potência quando ouviu a voz debochada de Nandini pelas suas costas:

            – Ei... hum... destruidor de virgens, você vem? A gente já pôs tudo no carro. 

***

            De um lado da estrada os campos de cana-de-açúcar se estendiam até onde a vista alcançava, com as serras ao fundo deslizando preguiçosas em contraste com os postes das cercas de madeira quase indistinguíveis dada a velocidade com que ficavam para trás ao passar do carro em alta velocidade. Do outro lado, algumas fazendas de plantio variado, algumas vacas preguiçosas e eventualmente carroças ou indivíduos a cavalo também eram deixados para trás, sob a atenção entediada de Nandini.

            O carro já viajava havia quase quatro horas, com duas breves pausas para banheiro e circulação do sangue nas pernas. Lena ia no banco do carona, lendo sua tradução francesa de O Crepúsculo dos Ídolos, imperturbável por detrás de seus óculos de sol. Daniel fazia o mesmo – lia – um manual de necromancia que comprara de Ninlil e que, segundo ela, havia sido traduzido e manuscrito detalhadamente a partir do original, chamado Grimório de Ras Ibrahim. Laura mordiscava a ponta de um lápis de madeira enquanto resolvia equações matriciais e Nandini ouvia um cantor de punk rock gritar, em inglês americano e ao som de acordes de guitarra violentos, que estava muito bêbado para foder. Os três viajavam no banco de trás do carro, trocando palavras apenas eventualmente agora que se aproximavam do destino.

            – Ei, descabaçador. – Nandini chamou a atenção de Daniel. – Psiu. Ei, psiu.

            Daniel desviou os olhos de relance da leitura.

            – O que é? – Perguntou, indiferente.

            – Com exceção de seus planos para causar estragos na gente, o que mais você tem em mente para quando chegarmos na pousada?

            – Que história é essa de nos estragar, Nandini? – Laura perguntou, guardando o caderno e o livro de matemática na mochila.

            – A sua avó, aquela degenerada, quer que Daniel deflore todas nós durante a viagem. – Nandini respondeu. – Até prometeu a ele uma poção levantadora de...

            – A vó tem dessas coisas, às vezes. – Laura comentou. – É piada, para constranger. Ela fazia muito disso perto das meninas que Daniel gost...

            – Nós fazemos todas as proteções que pudermos antes de entrar. – Daniel interrompeu Laura. – Se estivermos lidando com um obsessor, precisaremos ficar muito atentos. Ele não vai nos atacar de frente. Vai nos observar e descobrir o que puder sobre nós, e então seduzir um de cada vez.

            – Em primeiro lugar, não devemos nos separar. – Daniel recomendou. – A gente dorme no mesmo quarto, e faz as buscas em duplas, no mínimo. Recomendo que sempre haja uma de vocês, Nandini e Lena, comigo ou com Laura. O corpo fechado dela vai dificultar influência externa, e a minha sensibilidade vai detectar a aproximação de qualquer coisa estranha. – E se dirigiu à prima: – Você comprou daquele pó que te faz ver a aura, Laura?

            – Comprei duas caixas. – Laura respondeu, revirando o conteúdo da mochila. – Deve dar para umas...

            – Ei, o que é isso? – Nandini perguntou, catando algo de dentro da mochila de Laura. – Ih, Daniel, parece que você está com sorte. Ela veio preparada.

            Nandini sacudia a cartela de contraceptivos diante dos olhos dos demais.

            – Me dá isso, retardada. – Laura tomou de volta com um safanão, rindo.

            – Espera, que sorrisinho é esse? – Nandini continuou. – Agora eu entendi! Lena, eu acho que nós duas vamos sobrar esse fim de semana. Somos só a distração...

– Para de falar besteira, eu tomo para as competições. – Laura explicou, de bom humor. – Regulando o ciclo, evito que aqueles dias caiam durante as lutas. É mais fácil sair de um mata-leão quando não se está toda inchada e morrendo de cólicas.

            – E com a vantagem de já estar prontinha para quando o cremoso pular a janela do seu quarto. – Nandini acrescentou.

            – Meu pai me mata se eu invento uma coisa dessas. – Laura respondeu. – Por ele, só casada que eu encosto em um...

            – A gente não estava falando de proteções e feitiços? – Daniel perguntou, ríspido. – Tivemos a metade do dia para falar bobagem e só começamos agora, em cima da hora de chegar?

            – Olha como ele está sério, Laura. – Nandini fez biquinho, de troça. – Parece um homenzinho. Tão responsável. Qual a chance dele nos dar uns tapas no bumbum se a gente não se comportar?

– Daniel tem razão. – Lena interferiu. – Estamos muito perto de chegar. Se vamos fazer algum rito de proteção ou feitiço, devemos começar antes de entrarmos, longe das vistas de qualquer ameaça possível.

            – Aí é que tá. – Nandini retrucou. – Metade dos meus feitiços envolve algum sangue humano e a outra metade envolve algum tipo de troca com vagantes menores ou coisas assim. Eu capturei uns dois que peguei passando, e trouxe algum sangue em frascos, mas ambos os recursos são escassos. Para mim faz mais sentido esperar a merda acontecer e só então reagir.

            – Laura? – Daniel perguntou.

            – Meus ritos de proteção estão todos em dia. – Ela informou. – Minha magia envolve alinhamento planetário e cristais energizados. Essas coisas demoram muito para caducar. Eu tive um aborrecimento com meu pai hoje mais cedo, mas não acho que isso vá ferrar minhas proteções.

            – Você tem certeza? – Daniel insistiu.

– Mais ou menos. – Ela respondeu. – Mas acho que se eu tivesse de ficar em estado de santidade absoluta o tempo todo, melhor virar logo católica que nem meu pai.

            – Lena? – Daniel perguntou.

            – Meus feitiços envolvem invocações instantâneas ou sustentáveis. – Ela respondeu. – Há feiticeiros que conseguem conjurar um Olímpico Maior e mantê-lo sob seu serviço continuamente por um longo período, mas eu duvido que consiga algo do tipo tão cedo.

            – Então é como Nandini. – Ele concluiu.

            – De certa forma. – Ela confirmou.

            – Certo, gente. – Daniel continuou. – A maior parte das minhas habilidades exigem alguma concentração e paz de espírito.

            – Cuidado pessoal, palavras machucam. – Nandini zombou.

            – É sério, Nandini. – Daniel enfatizou. – Se eu não estiver suficientemente tranquilo e concentrado, posso deixar passar alguma coisa. E se eu deixar passar, pode acabar alcançando vocês. Eu estou preocupado com esse trabalho. A vó não queria deixar eu ir no lugar dela, e não queria que vocês fossem junto. Ela está com medo de que a gente não leve a sério e acabe se complicando. A gente vai estar em um lugar longe, sem nenhum outro feiticeiro de qualquer cabala que seja perto para nos socorrer. Se alguma coisa der errado, estaremos sozinhos.

            Todos se entreolharam, em silêncio, por alguns instantes.

            – Tá, floquinho de neve. – Nandini finalmente se manifestou, séria. – Eu vou maneirar na zoeira. A gente termina o serviço logo e passa o resto do feriado falando de pirocas e fogo no rabo.

            – É. – Daniel aquiesceu. – Vamos terminar logo com isso.

            Era quase cinco e meia da tarde quando chegaram à praia das Emanuelas. O mar revolto brilhava dourado sob o sol laranja e inchado no horizonte, tremeluzente no exato ponto em que tocava a superfície do mar. A pedido de Laura, estacionaram o carro em uma rua próxima e a deixaram pôr o biquíni sozinha dentro do carro, para depois mergulhar carregando um de seus cristais entre as mãos e ficar alguns minutos sentada à beira da praia em lótus com a pedra equilibrada no topo da cabeça. Nandini, cumprindo sua promessa, se limitou a ouvir música deitada no capô do carro, sem tecer qualquer comentário, e Lena seguia lendo em silêncio no banco do carona.

            Igor, o motorista de Lena, único adulto do grupo e condutor do carro, esperava encostado em uma mureta de pedra a meia distância do carro e da praia. Daniel o acompanhava em silêncio, enquanto ele acendia um cigarro tirado do paletó.

            – Nunca o vi fumando antes. – Daniel comentou.

            – Lena detesta fumaça de cigarro. – Ele respondeu. – Você sabe, por ser cancerígeno.

            – Você a conhece melhor que todos nós.

– Não que isso queira dizer muito. Sirvo à família dela desde moço, mas só me tornei o motorista faz uns três anos. Ela... ela não é do tipo falante, acho que percebeu.

            – É, não é mesmo. – Daniel riu.

            Era muito estranho trocar ideias com Igor à beira da praia, mas haviam passado as últimas quatro horas juntos, então supôs que o motivo era que mesmo alguém treinado na fleuma e na indiferença como ele não conseguia ficar tanto tempo sem interação com outras pessoas. Passar tanto tempo com Lena devia ser angustiante.

            – Eu nem fumo muito, para falar a verdade. – Ele continuou. – Só quando estou nervoso. Ajuda a relaxar. Não sei exatamente o que há, mas faz algum tempo que eu comecei a me sentir estranho. Você está notando algo esquisito?

            Daniel tentou sentir o que quer que pudesse, mas nada lhe ocorria. Apesar de o amuleto estar com Laura, ele costumava ser capaz de sentir presenças espirituais sem ele.

            – Deixa a Laura voltar. – Disse. – Com o amuleto fica mais fácil.

            – Ela está vindo.

            E então, enquanto Laura caminhava em sua direção pingando água salgada e com os cabelos ao vento, Igor disse algo realmente estranho:

            – Eu não sei como você consegue se concentrar no que quer que seja com uma prima gostosa dessas desfilando pra cima e pra baixo de biquininho. Na sua idade, eu não perdoava.

            A primeira reação de Daniel, involuntária, foi fazer algo que estava evitando a todo custo desde que Laura saíra do carro, que era reparar nela. O fez apenas por tempo o suficiente para que a silhueta recortada contra o sol e o dourado da pele bronzeada fixassem em sua memória, antes de desviar o olhar para Igor com espanto. Ele seguia apoiado no muro, e apagava o cigarro nele.

            – A gente se vê no carro. – Ele disse, livrando-se da ponta e se afastando.

            Antes que Daniel pudesse dizer qualquer coisa, Laura já o alcançara.

            – Obrigada. – Ela disse, lhe entregando o Merkabah. O cristal em sua mão, que saíra do carro translúcido, estava rajado de cinzento e preto. – Eu realmente precisava descarregar excesso de energia negativa. Aquela história com meu pai. Que bom que você perguntou sobre isso no caminho.

            – Ótimo. – Ele respondeu, fazendo o que podia para olhá-la nos olhos. Mas mesmo a textura macia de suas maçãs do rosto parecia tão... tão... suculenta que o estava fazendo ter vontade de lambê-la. Em nenhum momento durante toda a viagem havia se sentido daquele jeito. Mesmo quando ela descera para a beira do mar antes de mergulhar e ele espiara só um pouquinho, com bastante culpa e a lembrança da promessa que fizera à avó a atormentá-lo, não havia sentido tanto desejo. Não era normal. Precisava tirar aquilo da cabeça. – Vai indo. – Disse, sem rodeios. – Eu chego já.

            Ela seguiu para o carro, e foi com outro esforço tremendo que ele não aproveitou para segui-la pelas costas com os olhos, apesar da imaginação já estar trabalhando contra a sua vontade com muita força. Mais para ter o que fazer que por qualquer outro motivo, pôs o amuleto.

            Foi como acordar depois de ter sido espancado por todos os lados com um cabo de vassoura.

            O corpo inteiro travou, como se ele estivesse sofrendo um choque elétrico. Apoiou-se na mureta e vomitou nos próprios pés. Ouviu Nandini gritar alguma coisa e conseguiu ver que Laura também caíra de joelhos na areia. Igor, já próximo ao carro, apenas olhava de longe, sem saber o que fazer.

            Nandini se aproximou de Laura e depois recuou. Olhou na direção de Daniel e fez um sinal inequívoco de que ele deveria tirar o amuleto, e foi obedecida.

            Imediatamente a sensação cessou, mas logo foi substituída pelo pavor.

            O que infernos havia sido aquilo?

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