Isabelle
O tilintar de uma campainha na boqueta chamou minha atenção, eu caminhei até lá, pegando a nova comanda que havia sido entregue por um dos garçons. Retornei para a bancada central da cozinha que eu comandava em um restaurante na área nobre de Miami.
— Atenção, marchando. Mesa dezessete, Uma vieira, Um lagostin, Duas lagostas com molho Champagne — eu li a comanda em voz alta.
— Sim, chef — a resposta foi unânime.
Com um pequeno sorriso eu peguei um prato que tinha acabado de ser deixado sobre o balcão esperando minha aprovação, eu o finalizei com o molho de laranja, limpando qualquer resíduo antes de colocá-lo na boqueta, tocando a campainha em seguida.
Aquela era minha rotina pelos últimos dois anos, quando me tornei Chef do Le Petit Cuisine, um restaurante em Miami.
Eu adorava minha profissão mas não podia dizer que era uma vida fácil. Eu passava cerca de dez horas em pé em um ambiente quente e abafado, muitas vezes abria mão de minhas folgas e mal tinha uma vida social, toda aquela rotina estava me esgotando em um nível mentalmente perigoso, foi por esse motivo que meu terapeuta recomendou que eu tirasse no mínimo um mês de férias antes que eu acabasse tendo um colapso nervoso aos vinte e sete anos.
Mais uma vez o tilintar, fui até lá, peguei a comanda, marchei mais uma série de pratos sob o barulho constante de panelas.
— Penélope, caso você não tenha percebido, seu filet mignon está pegando fogo, acabaram as raspas de limão, quem foi que fez o mise en place hoje?
— Sinto muito, Izzy. Eu vou conseguir mais raspas — Hugo, meu sub chef avisou.
Aquela noite estava tranquila, e eu pensava que continuaria assim, mas a entrada de Cora Mitchell, a gerente do restaurante, na cozinha carregando um prato devolvido me mostrou que eu estava errada.
— Ainda estou esperando o Ceviche da mesa cinco — Eu declarei antes de me virar para a mulher, analisando um salmão perfeitamente preparado e quase intocado. — Qual o problema?
— A cliente deseja falar com você e explicar pessoalmente o que ela deseja — ela me deu um sorriso enigmático.
— Falar comigo? Cora, eu tenho muito o que fazer!
— Hugo fica no seu lugar por enquanto — ela acenou para o rapaz, praticamente me arrastando para fora da cozinha, apenas me dando tempo de retirar o avental.
Eu odiava quando aquilo acontecia, bem, não me importava tanto quando se tratava de elogios, mas esse tipo de cliente que deseja me ensinar a cozinhar é a pior parte do trabalho.
— Lembre-se de ser educada, Izzy.
— Eu sempre sou educada, Cora.
Nossa pequena discussão foi impedida de avançar quando chegamos à mesa de um típico casal de classe média alta. Aquilo não teria me incomodado tanto, se não fosse a forma como a mulher me mediu.
Eu também não pude deixar de analisá-la, seus cabelos loiros cacheados e as maçãs do rosto bem destacadas lhe concediam um ar jovial, e, adicionado a expressão debochada em seu rosto, transformaram o conjunto em algo odioso.
— Você é a chef? — Ela perguntou descrente.
— Sim, Isabella Dempsey, nossa chef há dois anos — Cora afirmou com orgulho enquanto eu aguardava pacientemente que ela me dissesse logo o que desejava.
— Mesmo? Eu jurava que o chef desse lugar seria um velho gordo, baixinho e de bigode.
— Lindsay! — o rapaz que a acompanhava murmurou parecendo constrangido.
— Bom, eu duvido muito que tenha um velho gordo baixinho e bigodudo por aí chamado Isabella Dempsey, então sim, eu sou a chef!
Eu notei o rapaz esconder um pequeno sorriso ao abaixar o rosto, enquanto Lindsay continuava com aquela mesma expressão, me encarando.
— O que eu posso fazer pela senhorita? — eu decidi terminar de uma vez com aquilo.
— Ahh sim, o meu prato estava com um gosto muito acentuado de peixe — ela declarou com uma expressão séria.
Eu permaneci encarando a mulher pelo o que pareceu uma pequena eternidade, antes de olhar em volta à procura de alguma câmera escondida.
Isso tem que ser uma pegadinha!
— Lindsay, certo?
Ela balançou a cabeça em concordância, aguardando por uma resposta, enquanto seu namorado me lançava um olhar de desculpas.
— Bom, Lindsay, você pediu salmão ao molho de limão Siciliano.
— Sim, foi o que eu pedi — Ela confirmou com um sorriso.
Eu olhei para Cora, que permanecia com aquela expressão conciliadora em seu rosto.
— Salmão é um peixe.
— Sim, mas dependendo do método de cocção ele não fica com gosto de peixe, e…
— Lindsay, o método de cocção não mudará a proteína final, eu poderia cozinhar a posta de mil maneiras diferentes e ela ainda teria sabor de peixe, porque é um peixe! — eu estava me esforçando para fazê-la compreender o quão absurdo era seu desejo.
Ela respirou fundo como se eu estivesse me recusando a cumprir um pedido simples.
— Tudo bem, Isabella Dempsey, hoje é uma noite especial para Carter e eu, e eu realmente queria que tudo saísse perfeito, então você pode me trazer outro prato que não tenha um gosto tão forte de peixe?
— Eu posso te trazer um medalhão de filet mignon com molho de vinho tinto, e te garanto que não terá nenhum gosto de peixe. Agora se me dão licença, eu preciso voltar ao trabalho — eu não dei a ela a chance de responder, me limitei a dar a costas e retornar para a cozinha, Cora me seguiu de perto após se desculpar com o casal.
Cora me alcançou assim que eu entrei na cozinha, parecendo insatisfeita com minha resposta anterior.
— Isabella, você está mesmo indo a terapia?
— Duas vezes por semana, como você exigiu — eu murmurei indo até a pia para higienizar minhas mãos após colocar mais uma vez o avental em minha cintura, alisando até que ficasse perfeitamente alinhado com o dólmã que eu vestia.
Eu senti a atenção de toda a equipe de cozinha sobre nós, mas escolhi ignorá-los.
— E você não pode dar uma resposta mais educada?
Eu me virei para a mulher com um olhar descrente. O que ela esperava que eu falasse para aquela mulher!?
— Cora, ela me pediu para tirar o gosto de peixe do Salmão! Minha resposta foi educada até demais.
Ouvi algumas risadas sufocadas pela cozinha, mas as ignorei.
— Eu juro que se você não tivesse feito meu restaurante ficar entre os melhores nos últimos anos, eu já teria te demitido — Ela murmurou.
Ela teria me demitido, essa é boa!
— Bom, o seu restaurante me levou à terapia, então o maior risco é que eu me demita! Mas para sua sorte, eu saio de férias em três dias e espero que algumas semanas no Alasca me ajude a esfriar a cabeça para conseguir lidar com pedidos estúpidos de pessoas estúpidas — eu declarei com um sorriso no rosto, recebendo em troca um revirar de olhos.
E eu estava contando as horas para poder rever Gwen, Zach e principalmente o pequeno Daniel, que no auge de seus quatro anos era a criança mais ativa e inteligente que eu conhecia. Não que eu tivesse contato com tantas crianças.
O fato é que eles eram o mais próximo que eu tinha de uma família, e ainda que a vida tenha nos levado para lados opostos do continente, nós mantínhamos contato e éramos bastante próximos.
E eu não via a hora de revê-los.
Isabelle Chequei o horário mais uma vez para garantir que não me atrasaria. Eu precisava sair de casa em vinte minutos se não quisesse perder o meu voo até Fairbanks, onde Gwen e Zachary estavam vivendo no Alasca pelos últimos anos. Há três anos, quando meus amigos decidiram deixar Missoula, onde vivíamos na época, eu considerei seriamente pedir um teste de sanidade, mas ao ouvir o quanto eles, principalmente Danny, tinham se adaptado bem à nova vida, eu senti que eles tinham tomado a decisão correta. Eu sempre falava com eles e com Danny por chamada de vídeo, mas não era a mesma coisa de tê-los ao meu lado. A última vez que os vi foi há quase dois anos, quando eles decidiram vir até Miami ao saber da minha mudança, e apesar de sempre me convidarem para visitá-los, essa era a primeira vez que conseguia uma folga para isso. Eu fechei a última mala, tendo a certeza que não tinha roupas de frio o suficiente para aguentar o inverno no Alasca, eu teria que comprar algumas peças lá. Com
Isabella — Obrigada. Em alguns minutos nós dois estávamos na estrada, eu não queria perder tempo para tentar conhecê-lo melhor, então, assim que deixamos a área do aeroporto, eu puxei assunto. — Então, Gustaf… Você conhece os Monaghan há muito tempo? — Eu os conheci logo que se mudaram — ele me lançou um rápido olhar. — Bom, eu poderia dizer que ouvi falar muito sobre você, mas estaria mentindo. Meus amigos nunca citaram seu nome, e acho que isso foi um erro imperdoável — eu lhe ofereci meu melhor sorriso. — Eu ouvi falar muito sobre você. — Mesmo? Eu acho difícil acreditar. — Isabella Dempsey, Izzy para os íntimos, vinte e oito anos, chef de cozinha em um restaurante francês chique e faz a melhor codorna do mundo — ele começou — ahh, e é a melhor tia do universo depois de comprar uma bateria para o pequeno Danny no último aniversário. Uau, eles falam tanto assim de mim? Por que nunca me falaram sobre ele? — Tudo bem, essa sou eu, mas não muda o fato de que eu não sei nada so
Isabelle— Eu não vou conseguir — Eu balbuciei observando a lista de tarefas que Gwen tinha deixado comigo antes de sair para o aeroporto. Eu estava na cozinha da pousada, tomando café da manhã enquanto o céu permanecia escuro do lado de fora, apesar de já passar das oito horas.Stefan, o primo de Gustaf, tinha levado Danny para fazer uma festa do pijama com o filho, que tinha a mesma idade do meu sobrinho, assim, ele sentiria menos a ausência dos pais. Zachary estava bastante consternado quando partiu, e eu esperava que ele,conseguisse resolver seus assuntos familiares sem grandes danos, apesar de saber que aquilo era praticamente impossível com todos os envolvidos.— Ela quer mesmo que eu corte uma árvore? — Eu continuei lendo a lista.— Você está falando com um pedaço de papel? — Eu me sobressaltei com a voz de Gustaf vinda da entrada.Eu me virei em sua direção, vendo o homem caminhar despreocupado pela cozinha, abrindo os armários e geladeira.— Não, eu estou falando sozinha
IsabellaTudo bem, Isabella, você ainda tem três semanas para ficar aqui, não precisa atacar o cara assim de uma hora pra outra, por maior que seja a tentação, até porque nesses três dias estaremos bastante ocupados.Com aquele pensamento em mente eu fui até Gustaf no saguão, ele estava carregando todas as caixas para longe da lareira, separando algumas.Eu me mantive em silêncio, encostada em uma coluna de madeira, observando a forma como os músculos de seus braços se destacavam com o esforço, mesmo ele vestindo uma camiseta de manga comprida.— Você vai me ajudar ou só vai ficar me olhando? — ele perguntou ao se abaixar para pegar mais uma caixa, me dando uma visão privilegiada.Eu poderia me sentir envergonhada por ter sido pega espionando, mas eu não me importei muito.— Eu estou tentada a continuar olhando — eu o provoquei, recebendo uma risada em troca.— Essas caixas aqui são da decoração da lareira, pensei em decorar tudo, e no fim, só colocar as poltronas no lugar — ele apont
Isabelle Quando Gustaf e eu finalmente voltamos para a pousada já passava da hora do almoço, eu fiz um sanduíche rápido para nós dois antes de voltar a decorar a lareira.— E como você conheceu meus amigos? — eu perguntei para o rapaz enquanto separava as meias para pendurar na lareira.— Fazia pouco mais de dois meses que eu tinha chegado no Alasca, eu estava ocupando o sofá do meu primo, já que não conseguia uma casa para alugar — Gustaf começou a narrar, pegando uma das meias da minha mão.Eu senti um arrepio percorrer meu corpo quando sua pele encostou na minha, me recriminando por aquela reação. Eu preciso começar a me controlar perto dele!— Um dia, eu estava voltando de uma casa que tinha ido visitar e eu vi essa garota magra com um menino literalmente amarrado nas costas ajudando um rapaz a carregar uma caixa grande para dentro da casa — não pude evitar de sorrir ao lembrar o quanto Gwen era dependente do Sling no primeiro ano de Danny.Aquilo parecia que tinha acontecido há
Isabelle— Hey, você não deveria dar atenção para a melhor tia do mundo? — eu chamei atenção do meu sobrinho, que veio correndo em minha direção.Gustaf se levantou, voltando sua atenção para o nosso trabalho anterior enquanto eu dava atenção para Danny.Eu sentia tanta falta daquele garotinho e só de pensar que eu teria poucas semanas ao seu lado antes de voltar para Miami, fazia meu coração se apertar.— Então, acho que agora vocês dois vão me deixar trabalhar sozinho? — Gustaf reclamou enquanto eu andava com Danny no colo, e ele me contava todos os detalhes da sua noite.Eu e meu sobrinhos trocamos um olhar cúmplice.— O que você acha, Danny? Vamos deixar ele arrumar tudo sozinho? — eu perguntei para o menino, que logo olhou para o tio com uma expressão pensativa.— Sim!— Eu também acho que ele está fazendo um bom trabalho — eu sorri para Gustaf.Voltei a caminhar com o menino no colo, já me cansando por conta do seu peso, quando senti a presença de Gustaf atrás de mim, para confi
Isabelle Quando terminei já tinha passado da hora que Gustaf me avisou que Danny deveria dormir e eu me sentia exausta.Me preparando para mais uma batalha, eu fui até a sala onde o menino pulava no sofá.— TIA, NÃO! — O que? — eu me assustei com sua reação repentina.— Venha rápido, você vai se queimar! — ele acenou para que eu subisse no sofá.Meu primeiro instinto foi seguir sua instrução, subindo no sofá.— Do que você está falando, Danny? — A lava é muito quente, vai te queimar — Ele pulou para o outro sofá.— Lava? — Sim, o chão está coberto de lava, você não está vendo? Lava. Minha mente levou alguns segundos para processar o que estava acontecendo.— Danny, já passou da sua hora de dormir, você pode brincar amanhã — eu ponderei.— Agora! — ele gargalhou fugindo de mim.Como fazer uma criança hiperativa dormir? Eles não deveriam ter me deixado sozinha com ele, eu não sei o que fazer!— Um trato, se eu te pegar, você vai para a cama sem reclamar — decidi tentar.— Não vale
Gustaf O pequeno sorriso que surgiu no rosto de Isabella foi o bastante para iluminar o ambiente. Desde a primeira vez que os Monaghan me mostraram uma foto dela, eu a considerei uma bela mulher, mas não esperava que pessoalmente ela fosse ainda mais bonita, além de engraçada e interessante.Eu me interessei por ela assim que a vi na área de desembarque, e para minha surpresa, ela parecia corresponder. A tensão que nos envolvia sempre que estávamos sozinhos era quase palpável, e ontem, antes do Danny chegar eu estava prestes a calar a voz da minha consciência que gritava que me envolver com ela seria uma péssima ideia.Zachary e Gwen sempre falaram o quanto consideravam a jovem chef como uma verdadeira irmã, apesar de não terem nenhum laço sanguíneo, e depois do que aconteceu com Katherine há quase dois anos, eu aprendi a lição. Eu não poderia colocar nossa amizade em risco mais uma vez.Mas confesso que aquela convicção se esvaia cada vez que olhava para ela.— Então, qual foi o pro