Uma arma é letal, e uma bala é capaz de mudar tudo. Pensar nisso me leva a concluir uma coisa: a vida é uma corda bamba, e suas ações determinam o ritmo que ela balança. Se você não estiver pronto para abrir os braços e buscar se reequilibrar, você cai, e isso vai custar a coisa mais importante que existe para um ser humano. A vida. O fato de você estar vivo, já é o bastante para morrer.
Todos nós somos o resultado das escolhas que fazemos ao longo das nossas vidas. Isso quer dizer que, suas escolhas definem você e moldam o seu caráter. Decisões são tomadas a cada instante, por todo o mundo, e para cada uma boa, existe uma ruim.
Eu gostava de pensar que estava trabalhando para um propósito maior e esperava que estivesse mudando pelo menos, uma pequena parcela do mundo.
Antes de tanto sofrimento, eu podia jurar de pés juntos que lidar com a morte não seria um problema para mim, mas estava enganada. Ninguém quer morrer, mesmo que você não tenha nada a perder.
Eu gostava da minha vida, embora o trabalho me tomasse a maior parte do tempo, e não me permitisse ter muitos amigos. Por outro lado, a dor parecia insuportável, agora. O meu corpo estava fraco, frio e trêmulo. Talvez, uma segunda chance, naquelas circunstâncias, não fosse tão doce e atraente quanto pensei que seria. Muito pelo contrário, era doloroso e apavorante. Mas, apesar da solidão, da dor e do medo, eu costumava me enxergar como uma pessoa determinada e forte. O meu treinamento me ensinou a ser forte e ter garra, me preparou para tudo na vida, inclusive, a como lidar com imprevistos e mudanças de planos.
Estava disposta a enfrentar isso e lutar contra toda a dor. A minha vida dependia disso, e foi assim, que com muita relutância abri os olhos, mas fechei-os de súbito, em seguida.
Claridade crua e nociva.
Foi à única coisa que o meu cérebro registrou, no momento em que meus olhos se abriram. A luz agredia dolorosamente as minhas retinas e me causavam a dolorosa sensação de ouvir marteladas vindas direto do inferno para dentro da minha cabeça.
O bipe eletrônico frequente e constante emaranhou na minha mente, e se transformou em uma desordem desarranjada, abri os olhos e girei a cabeça, um monitor cardíaco registrava batimentos que oscilavam entre 110 e 120. Ergui as mãos confusamente e as levei aos olhos, esfregando-os e tentando ajudá-los a se adaptarem ao ambiente.
— Ela acordou! — alguém disse, e os bipes se tornaram mais intensos e rápidos.
Não sabia onde estava. Apenas sentia algo macio por baixo do meu corpo. Baixei as mãos e me apavorei ao encontrar agulhas ficadas sob minha pele. Rolei os olhos, catatônica, e analisei as paredes uniformes e perfeitamente brancas. Murmurei assustada ao elevar às mãos, espalmando a textura macia e desconhecida que envolvia a altura das minhas têmporas até o topo de minha cabeça e senti uma pontada dolorosa suceder o toque.
Percebi um tumulto ao meu redor, e um homem esguio de jaleco branco e cabelos escuros, com pequenos tufos grisalhos aleatórios espalhados por sua cabeça, atravessou a porta e parou ao meu lado.
— O que... — minha voz falhou, e eu retorci a expressão, sentindo uma dor causticante ao ouvir a minha própria voz reverberar como se a minha cabeça fosse um cômodo vazio. — O... que... aconteceu? — consegui finalmente perguntar. Minha voz soou fraca depois de me esforçar bastante para ignorar a dor que a minha própria voz estava me causando.
— É normal estar se sentindo confusa agora, mas tente não fazer movimentos bruscos. Você sofreu traumas graves na cabeça e no corpo. Está passando por um processo delicado de recuperação. — Comentou, e a voz do homem se fez ecoar grave e torturante em minha cabeça. — Teve muita sorte por ter sobrevivido. — O homem enfiou as mãos nos bolsos do seu jaleco branco, e me analisou por alguns instantes.
— Trauma grave... — repeti, tentando digerir confusamente, as suas palavras. Eu não sabia o que dizer e um nó se formou na minha garganta.
Levei as mãos à cabeça, tateando e analisando a textura do que agora eu supunha serem ataduras.
— Diagnosticamos um traumatismo por perfuração através da tomografia, e pelos raios X que fizemos quando você deu entrada ao centro de cirurgia, encontramos luxação de leves a graves no tornozelo direito e costelas fraturadas também. — Atestou. — Alguém estava com muita raiva de você... — comentou, com um riso sem graça.
Soltei um gemido engasgado ao tentar ajustar a minha postura sobre o leito, mas fui atacada por uma dor aguda que fisgou sob a altura das minhas costelas.
Franzindo o cenho ao encontrar uma silhueta feminina parada próxima à porta. A mulher avançou para mais próximo de onde estávamos e não pude deixar de reparar os seus traços singulares, destacando-se a pele dourada e os cabelos de um liso pesado, castanho-escuros.
O desespero começou a tomar conta do meu sistema e então, me remexi aturdida, por fim, tentando forçar o meu corpo a se erguer de onde estava.
Eu não sabia como tinha chegado ali, ou o que estava fazendo. Quem eram aquelas pessoas? Por que eu estava tão machucada? Tantas perguntas estavam me deixando louca.
— Você precisa manter a calma. — Nós já extraímos o projétil — informou, puxando a prancheta com o prontuário — Você tem mesmo muita vontade de viver e isso é muito bom... — comentou, erguendo o olhar do prontuário para mim — Eu sou o Doutor Simon e essa é a Senhorita Watson — apresentou o médico, chamando minha atenção para ele e depois para a mulher diminuta que se fazia presente ao seu lado. — A enfermeira que estará a sua disposição no que precisar.
Avancei com a mão, para remover as agulhas fincadas em meu braço.
— Não... Não... Nem pense em fazer isso. — Precipitou o médico, colocando a palma de sua mão diante de meu ombro, limitando-me a ficar onde estava. Interceptei os meus movimentos, focando o meu olhar no seu. — Você precisa manter repouso. É normal que esteja com medo. Passou por uma cirurgia delicada, a recuperação não é simples. — Orientou, pacientemente.
Discretamente a Senhorita Watson retirou-se da sala, retornando logo em seguida.
— A polícia está lá fora... — Informou a mulher, quase sussurrando ao se aproximar do médico. Apurei atentamente os meus ouvidos para ouvi-la.
Polícia?
O que? Por quê?
Desesperei-me ao tentar buscar no fundo das minhas memórias o que poderia ter acontecido comigo, mas não me vinha absolutamente nada. Era como se tivessem passado uma borracha sobre as minhas lembranças, apagando-as completamente.
— Diga que agora não! — Interviu o médico. — A paciente acabou de acordar. Não tem a menor condição de falar com ninguém no estado em que se encontra.
A mulher assentiu discretamente com a cabeça e deixou a sala, tão silenciosa quanto sua presença.
O médico suspirou quando a porta foi fechada.
— Muito bem. — disse, tirando as mãos dos bolsos do jaleco. — Preciso que olhe para mim agora. — Pediu ele de repente, aproximando-se mais de mim. E então tirou do bolso de seu jaleco uma pequena lanterna e direcionou a luz forte e ofuscante aos meus olhos, examinando-os.
— Farei algumas perguntas rotineiras, mas não há problema nenhum se por acaso não conseguir se lembrar. Tudo bem?
Mesmo com toda a sensação de deslocamento e estranheza, assenti com a cabeça.
— Então, como você se chama?
Concentrei-me em sua pergunta. Esforcei-me tentando acessar qualquer fragmento de memória possível, qualquer cena perdida que pudesse me lembrar. Algo que revelasse qualquer laço familiar que eu viesse a ter.
Absolutamente nada. Apenas um enorme espaço vazio em minhas lembranças.
— Sua idade? — ele tentou outra vez, parecendo ignorar a ausência de resposta da pergunta anterior.
Completamente frustrada, apertei os olhos fortemente e neguei veemente com a cabeça, levando às mãos as têmporas, me recusando a ser incapaz de me recordar de coisas simples.
Uma mistura de decepção e vulnerabilidade tomou conta de mim. O esforço fez minha cabeça latejar novamente.
Como uma pessoa consegue sobreviver sem conseguir saber quem é ou quem já foi? Uma vontade de chorar me fez estremecer.
O médico me olhou de cima, com seus olhos castanho-claros, me lançando um olhar de condescendência e suspirou logo em seguida, guardando sua pequena lanterna de volta em seu bolso, afastando-se um pouco.
— Tente descansar, e mantenha a calma. Depois de tudo o que passou, eu não me espantaria com essa ausência de informações. O seu cérebro recebeu um grande impacto, mas não houve comprometimento ou dano físico que possa ter deixado sequelas permanentes. Acredito que com estímulo e paciência, logo, logo você poderá se lembrar de tudo — explicou, espalmando o colchão e inclinando-se um pouco para frente — mas isso é algo para se preocupar no futuro. — finalizou dando-me um pequeno e reconfortante sorriso, para depois sair em seguida, deixando-me sozinha com meus demônios e questionamentos confusos.
2 ANOS DEPOIS. — BROOKLIN, NOVA YORK.— Uma dose de Whisky, por favor. — Pediu um homem ao se aproximar do balcão, apoiando os cotovelos sobre o mogno.A voz dele soou quase inaudível ao misturar-se no ar com o som das batidas frenéticas de uma versão remix da música Black Widow.Por isso, encarei-o por algum tempo em meio à baixa luz. Ele deveria ter cerca de vinte e sete a trinta anos. Alto, teria provavelmente, um metro e oitenta e cinco ou noventa de altura. Sua expressão era séria e beirava o mal humor. Os cabelos iam de um tom loiro escuro para o castanho jogados de uma forma sexy, mas bagunçada eram maiores no topo da cabeça e curto dos lados, fundindo-se à barba cheia que preenchia ao redor da sua boca e maxilar anguloso, uns poucos tons mais escuros que os cabelos. Olhos verdes expressivos, num tom quase acinzentado, destacav
Senti os primeiros lampejos de consciência. Em seguida, uma dor abrasadora se espalhou por cada parte da minha cabeça. Meus lábios estavam rachados e ressecados. A língua colava no céu da boca, junto à sensação horrível de ter poeira por todas as minhas vias. Minha mente estava em torpor. Grogue e submersa em uma mistura de dor física e sono incontrolavelmente pesado.Minhas pálpebras tremiam relutantes em obedecer aos comandos emitidos pelo meu cérebro. Com muito esforço, abri os olhos, mas tive de fechá-los, no mesmo instante. Não parecia ser possível controlar o peso da sonolência que insistiam em mantê-los assim, afogados da inércia de um pesadelo. Os músculos que compunham minha estrutura corporal pareciam moles demais para sustentar todo o meu peso. Podia senti-los dormentes sob a pele.Que merda é essa? O que es
A vida conseguia ser uma tremenda vadia de duas caras. Naquele momento, eu tinha me flagrado pensando no motivo pelo qual tudo isso estava acontecendo comigo? Por que ferrar tanto assim? Eu já não estava quebrada o suficiente?Abaixei o olhar, completamente intimidada e virei meu rosto para o outro lado, assim que o homem pressionou a lâmina afiada da faca na minha bochecha com mais força. Eu podia sentir a minha pele começando a ceder à pressão do objeto afiado.Seus olhos obscuros me encaravam diretamente. Engoli a seco, quando percebi que ele relutava entre abaixar a faca e me tirar da cela. Ele não precisava fazer isso, porque eu não tinha como fugir. Estava entre a cruz e a espada. Mas talvez ele sentisse prazer em me torturar ou simplesmente estava pensando seriamente em adiantar o trabalho e acabar comigo de uma vez por todas. “Pouparia uma grande dor na bunda” — cogitei com as perna
De todas as coisas que já precisei superar nos últimos dois anos, essa sem dúvida era a mais crítica e maluca de todas.Tentei por diversas vezes, na maioria, frustradas, respirar fundo e oxigenar meu cérebro para manter a calma. Estava difícil processar aquilo. Isso se for possível manter a calma com tantos criminosos ao redor.Não sabia o que fazer, na verdade, não havia nada o que fazer. Eu estava presa e em poder de pessoas que não pareciam dar a mínima se precisasse tirar uma vida a troco de nada.Respirei fundo outra vez, contendo a vontade que sentia de abaixar o olhar e os mantive firme em direção ao homem que estava diante de mim.Ele espreitou a mesa, deslizando o polegar pela quinta.O homem era cheio de si, vestia uma confiança imponente e intimidante. Seus olhos eram como cofres invioláveis e obscuros, sua postura era como a de uma
Desejei acordar...Desejei desesperadamente acordar daquele pesadelo e fugir desse lugar maldito.No fundo, eu sabia que nunca mais seria o que era antes. O passado, as marcas, as cicatrizes, o treinamento. O que forma quem uma pessoa é são as situações impostas a ela ao longo da vida. Definitivamente eu não tinha isso, não havia lembranças.Não carregava nada daquilo em mim, mas Amy Murray sim. Contudo, ela morreu junto com todas as minhas memórias.Passei dois anos em busca de algo que eu mesma não sabia o que era, e sequer chegara perto de encontrar, e por mais que no fundo sentisse que tudo que estava fazendo passava longe de me trazer de volta, ainda assim, era com um único propósito: a sobrevivência.Precisava sobreviver, e é mais difícil sobreviver no submundo do Brooklin do que se imagina.Eu me interessava pela minha histór
Senti minhas pernas travarem no chão. Percebi nesse momento que, o sentimento de coragem, nada mais é do que a ausência de lucidez da mente humana. É o otimismo e a esperança de que tudo o que fizer, vai dar certo. Mas o universo conspira contra você o tempo inteiro. O destino joga, e se diverte com a sua destraça, porque sua vida não passa de uma partida fodida num jogo de azar. E embora não me sentisse pronta para morrer, consegui ver a minha vida passar como um filme nos olhos de vidro dede. Travis estava bravo. Na verdade, ele estava muito mais do que isso. Ele estava puto da vida comigo. O meu olhar oscilou das mãos ainda erguidas empunhando a arma e seu rosto sombrio, enquanto esgueirava no ambiente escuro até estar diante de mim. A arma apontada diretamente em minha direção me fazia vacilar ao imaginar que a qualquer momento ele poderia descarregá-la em mim.Alguns feixes de
— Amy Murray foi uma das poucas mulheres que conheci que nunca se fava ao luxo de errar... — comentou Travis, destravando e abrindo uma grande maleta metálica prateada disposta sobre a mesa à nossa frente. — Ela tinha fama de se dedicar exclusivamente ao seu trabalho, a vadia era realmente muito boa — disse, enquanto encarava o conteúdo dentro da maleta. Suas retinas refletindo o brilho prateado do objeto a sua frente.Intrigada eu observava todos os seus movimentos, com os braços cruzados diante do peio, tentando ignorar a onda de ódio que ele conseguia despertar em mim ao falar daquela forma a respeito de mim.O lugar para onde Travis tinha me trazido era como um grande galpão vazio. Carregava um clima pesado e frio e mesmo com as luzes acesas, ainda sentia algo sombrio sobrecarregar o ambiente. O espaço não era tão largo, mas em compensação era bastante comprido.
Senti minha garganta seca arranhar.Relutei em abri meus olhos, paralisada e catatônica quando o único barulho que os meus ouvidos capturaram foi pequeno estalido de simples engrenagens girando.Santa Mãe dos Desesperados...Era possível sentir o meu mundo se desfazer lentamente em mil pedaços atrás de mim.Se fugir não me custou à vida, tentar mata-lo certamente vai me custar.Morta. Eu já podia me ver morta!Encarei a pistola de prata em minhas mãos trêmulas e pressionei o gatilho mais duas vezes, louca, furiosa, agarrando-me a um único fio de esperança de que a arma estivesse apenas com um mal funcionamento e mergulhando em uma espécie de colapso de nervoso e desespero quando nada aconteceu.— Não. Não. Não. Não... — Eu repetia, tentando fazer a arma funcionar.Dava para sentir meu