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Capítulo 01 - Desconhecida

Uma arma é letal, e uma bala é capaz de mudar tudo. Pensar nisso me leva a concluir uma coisa: a vida é uma corda bamba, e suas ações determinam o ritmo que ela balança. Se você não estiver pronto para abrir os braços e buscar se reequilibrar, você cai, e isso vai custar a coisa mais importante que existe para um ser humano. A vida. O fato de você estar vivo, já é o bastante para morrer.

Todos nós somos o resultado das escolhas que fazemos ao longo das nossas vidas. Isso quer dizer que, suas escolhas definem você e moldam o seu caráter. Decisões são tomadas a cada instante, por todo o mundo, e para cada uma boa, existe uma ruim.

Eu gostava de pensar que estava trabalhando para um propósito maior e esperava que estivesse mudando pelo menos, uma pequena parcela do mundo.

Antes de tanto sofrimento, eu podia jurar de pés juntos que lidar com a morte não seria um problema para mim, mas estava enganada. Ninguém quer morrer, mesmo que você não tenha nada a perder.

Eu gostava da minha vida, embora o trabalho me tomasse a maior parte do tempo, e não me permitisse ter muitos amigos. Por outro lado, a dor parecia insuportável, agora. O meu corpo estava fraco, frio e trêmulo. Talvez, uma segunda chance, naquelas circunstâncias, não fosse tão doce e atraente quanto pensei que seria. Muito pelo contrário, era doloroso e apavorante. Mas, apesar da solidão, da dor e do medo, eu costumava me enxergar como uma pessoa determinada e forte. O meu treinamento me ensinou a ser forte e ter garra, me preparou para tudo na vida, inclusive, a como lidar com imprevistos e mudanças de planos.

Estava disposta a enfrentar isso e lutar contra toda a dor. A minha vida dependia disso, e foi assim, que com muita relutância abri os olhos, mas fechei-os de súbito, em seguida.

Claridade crua e nociva.

Foi à única coisa que o meu cérebro registrou, no momento em que meus olhos se abriram. A luz agredia dolorosamente as minhas retinas e me causavam a dolorosa sensação de ouvir marteladas vindas direto do inferno para dentro da minha cabeça.

O bipe eletrônico frequente e constante emaranhou na minha mente, e se transformou em uma desordem desarranjada, abri os olhos e girei a cabeça, um monitor cardíaco registrava batimentos que oscilavam entre 110 e 120. Ergui as mãos confusamente e as levei aos olhos, esfregando-os e tentando ajudá-los a se adaptarem ao ambiente.

— Ela acordou! — alguém disse, e os bipes se tornaram mais intensos e rápidos.

Não sabia onde estava. Apenas sentia algo macio por baixo do meu corpo. Baixei as mãos e me apavorei ao encontrar agulhas ficadas sob minha pele. Rolei os olhos, catatônica, e analisei as paredes uniformes e perfeitamente brancas. Murmurei assustada ao elevar às mãos, espalmando a textura macia e desconhecida que envolvia a altura das minhas têmporas até o topo de minha cabeça e senti uma pontada dolorosa suceder o toque.

Percebi um tumulto ao meu redor, e um homem esguio de jaleco branco e cabelos escuros, com pequenos tufos grisalhos aleatórios espalhados por sua cabeça, atravessou a porta e parou ao meu lado.

— O que... — minha voz falhou, e eu retorci a expressão, sentindo uma dor causticante ao ouvir a minha própria voz reverberar como se a minha cabeça fosse um cômodo vazio. — O... que... aconteceu? — consegui finalmente perguntar. Minha voz soou fraca depois de me esforçar bastante para ignorar a dor que a minha própria voz estava me causando.

— É normal estar se sentindo confusa agora, mas tente não fazer movimentos bruscos. Você sofreu traumas graves na cabeça e no corpo. Está passando por um processo delicado de recuperação. — Comentou, e a voz do homem se fez ecoar grave e torturante em minha cabeça. — Teve muita sorte por ter sobrevivido. — O homem enfiou as mãos nos bolsos do seu jaleco branco, e me analisou por alguns instantes.

— Trauma grave... — repeti, tentando digerir confusamente, as suas palavras. Eu não sabia o que dizer e um nó se formou na minha garganta.

Levei as mãos à cabeça, tateando e analisando a textura do que agora eu supunha serem ataduras.

— Diagnosticamos um traumatismo por perfuração através da tomografia, e pelos raios X que fizemos quando você deu entrada ao centro de cirurgia, encontramos luxação de leves a graves no tornozelo direito e costelas fraturadas também. — Atestou. — Alguém estava com muita raiva de você... — comentou, com um riso sem graça.

Soltei um gemido engasgado ao tentar ajustar a minha postura sobre o leito, mas fui atacada por uma dor aguda que fisgou sob a altura das minhas costelas.

Franzindo o cenho ao encontrar uma silhueta feminina parada próxima à porta. A mulher avançou para mais próximo de onde estávamos e não pude deixar de reparar os seus traços singulares, destacando-se a pele dourada e os cabelos de um liso pesado, castanho-escuros.

O desespero começou a tomar conta do meu sistema e então, me remexi aturdida, por fim, tentando forçar o meu corpo a se erguer de onde estava.

Eu não sabia como tinha chegado ali, ou o que estava fazendo. Quem eram aquelas pessoas? Por que eu estava tão machucada? Tantas perguntas estavam me deixando louca.

— Você precisa manter a calma. — Nós já extraímos o projétil — informou, puxando a prancheta com o prontuário —  Você tem mesmo muita vontade de viver e isso é muito bom... — comentou, erguendo o olhar do prontuário para mim — Eu sou o Doutor Simon e essa é a Senhorita Watson — apresentou o médico, chamando minha atenção para ele e depois para a mulher diminuta que se fazia presente ao seu lado. — A enfermeira que estará a sua disposição no que precisar.

Avancei com a mão, para remover as agulhas fincadas em meu braço.

— Não... Não... Nem pense em fazer isso. — Precipitou o médico, colocando a palma de sua mão diante de meu ombro, limitando-me a ficar onde estava. Interceptei os meus movimentos, focando o meu olhar no seu. — Você precisa manter repouso. É normal que esteja com medo. Passou por uma cirurgia delicada, a recuperação não é simples. — Orientou, pacientemente.

Discretamente a Senhorita Watson retirou-se da sala, retornando logo em seguida.

— A polícia está lá fora... — Informou a mulher, quase sussurrando ao se aproximar do médico. Apurei atentamente os meus ouvidos para ouvi-la.

Polícia?

O que? Por quê?

Desesperei-me ao tentar buscar no fundo das minhas memórias o que poderia ter acontecido comigo, mas não me vinha absolutamente nada. Era como se tivessem passado uma borracha sobre as minhas lembranças, apagando-as completamente.

— Diga que agora não! — Interviu o médico. — A paciente acabou de acordar. Não tem a menor condição de falar com ninguém no estado em que se encontra.

A mulher assentiu discretamente com a cabeça e deixou a sala, tão silenciosa quanto sua presença.

O médico suspirou quando a porta foi fechada.

— Muito bem. — disse, tirando as mãos dos bolsos do jaleco. — Preciso que olhe para mim agora. — Pediu ele de repente, aproximando-se mais de mim. E então tirou do bolso de seu jaleco uma pequena lanterna e direcionou a luz forte e ofuscante aos meus olhos, examinando-os.

— Farei algumas perguntas rotineiras, mas não há problema nenhum se por acaso não conseguir se lembrar. Tudo bem?

Mesmo com toda a sensação de deslocamento e estranheza, assenti com a cabeça.

— Então, como você se chama?

Concentrei-me em sua pergunta. Esforcei-me tentando acessar qualquer fragmento de memória possível, qualquer cena perdida que pudesse me lembrar. Algo que revelasse qualquer laço familiar que eu viesse a ter.

Absolutamente nada. Apenas um enorme espaço vazio em minhas lembranças.

— Sua idade? — ele tentou outra vez, parecendo ignorar a ausência de resposta da pergunta anterior.

Completamente frustrada, apertei os olhos fortemente e neguei veemente com a cabeça, levando às mãos as têmporas, me recusando a ser incapaz de me recordar de coisas simples.

Uma mistura de decepção e vulnerabilidade tomou conta de mim. O esforço fez minha cabeça latejar novamente.

Como uma pessoa consegue sobreviver sem conseguir saber quem é ou quem já foi? Uma vontade de chorar me fez estremecer.

O médico me olhou de cima, com seus olhos castanho-claros, me lançando um olhar de condescendência e suspirou logo em seguida, guardando sua pequena lanterna de volta em seu bolso, afastando-se um pouco.

— Tente descansar, e mantenha a calma. Depois de tudo o que passou, eu não me espantaria com essa ausência de informações. O seu cérebro recebeu um grande impacto, mas não houve comprometimento ou dano físico que possa ter deixado sequelas permanentes. Acredito que com estímulo e paciência, logo, logo você poderá se lembrar de tudo — explicou, espalmando o colchão e inclinando-se um pouco para frente — mas isso é algo para se preocupar no futuro. — finalizou dando-me um pequeno e reconfortante sorriso, para depois sair em seguida, deixando-me sozinha com meus demônios e questionamentos confusos.

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