De todas as coisas que já precisei superar nos últimos dois anos, essa sem dúvida era a mais crítica e maluca de todas.
Tentei por diversas vezes, na maioria, frustradas, respirar fundo e oxigenar meu cérebro para manter a calma. Estava difícil processar aquilo. Isso se for possível manter a calma com tantos criminosos ao redor.
Não sabia o que fazer, na verdade, não havia nada o que fazer. Eu estava presa e em poder de pessoas que não pareciam dar a mínima se precisasse tirar uma vida a troco de nada.
Respirei fundo outra vez, contendo a vontade que sentia de abaixar o olhar e os mantive firme em direção ao homem que estava diante de mim.
Ele espreitou a mesa, deslizando o polegar pela quinta.
O homem era cheio de si, vestia uma confiança imponente e intimidante. Seus olhos eram como cofres invioláveis e obscuros, sua postura era como a de uma águia no topo da cadeia alimentar. Ele irradiava poder e parecia calcular tudo o que fazia.
Ele sorriu de lado, de forma prepotente e se sentou na cadeira vazia do outro lado da mesa como se tentasse calcular as minhas atitudes.
— Agora que você já sabe de tudo... — disse, recostando-se mais para trás da cadeira, cruzando as pernas. — A situação aqui é... — Ponderou, virando a cabeça e me encarou um pouco mais — bastante simples. — Completou, repousando as mãos juntas sobre a pasta aberta em cima da mesa. — Eu tenho um trabalho para você...
Pausei por um instante.
Isso não fazia o menor sentido.
Engoli em seco e ergui uma sobrancelha, ainda sem conseguir compreender o seu objetivo. Mantive-me encolhida e silenciosa, esperando que ele falasse mais a respeito.
Eu não sabia o que fazer, mas eu sabia que o que fizesse ou dissesse poderia pôr a minha vida em risco.
— O que eu estou dizendo é... — Começou a explorar o assunto, parecendo selecionar as melhores palavras para a ocasião, inclinando seu corpo um pouco para frente, sobre a mesa. Recuei sobre o assento quando um arrepio trilhou minha espinha ao mirar os seus olhos castanhos brilharem denotando interesse. — Você era ótima em matar pessoas, fazia o serviço pesado como ninguém. Não pensava duas vezes e eu preciso de pessoas assim à minha disposição. Nada me parece melhor do que um fantasma do Governo.
O meu estômago embrulhou. Aquelas palavras perfuraram agressivamente os meus tímpanos como pontas de agulhas afiadas.
Desespero irradiou por todo o meu corpo. Nada do que ele dizia parecia ser real. Abaixei o olhar e fitei os meus pulsos arroxeados, atados por algemas apertadas.
— Eu não sou uma assassina... — Rebati amarga, fazendo questão de ressaltar lentamente, encarando-o de esguelha. Minha voz saiu apertada da garganta quando o medo cedeu lugar para a raiva.
— Isso com certeza está dentro de você... — analisou, distante, ignorando completamente o que eu dizia.
Cerrei a mandíbula e balancei a cabeça em negativa.
— Você pirou? — Questionei — eu não vou trabalhar para você! — Rebati com firmeza na voz e me inclinei um pouco mais para frente, encarando-o duramente.
Sua atenção voltou a mim quando a minha negativa alcançou os seus ouvidos e ele recostou-se descontraidamente no espaldar da cadeira, tamborilando os dedos sobre a pasta. A expressão fascinada pregada em seu rosto retorceu-se em nítido desagrado.
— Escute, querida, você não tem muitas opções no momento. — Retrucou, e os seus lábios se retorceram em um riso muito satisfeito. — E dadas às circunstâncias, eu até me atreveria a dizer que NENHUMA. — Ele fez questão sibilar a última palavra.
A sua calma estava começando a desestabilizar o meu estado, pois desejei xingar o maldito de todas as formas possíveis, mas me contive em fazer isso em pensamento.
— Essa é a parte que você aponta uma arma para minha? — Rebati sem filtro, e me arrependi no momento seguinte.
Ele inclinou a cabeça para me encarar.
— Não, minha cara! — disse de forma calculista, levantando-se de seu assento como um lobo astuto a espreita. — Essa é a parte em que você fala o que eu quero ouvir ou mando os meus homens matarem qualquer um que já tenha passado pela sua vida. As prostitutas... Seu pai... — ele pausou por um momento. — Aquela ratinha lésbica que você chama de amiga...
Meus pensamentos moveram-se velozes até assimilar a palavra “pai”. Durante todo esse tempo, não se passava um dia sem que me perguntasse se haveria alguém procurando por mim e eu mal podia me dar ao luxo de sentir felicidade por isso.
Oh minha nossa!
— Eu não vou deixar um de pé para contar história! — Sobressaltei com sua voz dura e observei seu corpo esguio e forte diante de mim. Não houve vestígio de hesitação nem dúvida de sua parte.
Agora sim o brilho sádico em seus olhos combinava perfeitamente com a expressão insana de seu rosto. Senti meu peito estremecer e o coração bater acelerando. Agradeci internamente por ter meu corpo sustentado pela cadeira.
Virei meu rosto na direção da parede oposta e comprimi meu corpo com os braços, de modo que ele não presenciasse o medo em minhas reações. Ele ergueu bruscamente a cabeça e mudou sua rota, surgindo feroz diante de mim.
— Vamos! — Grunhiu ele, agarrando com sua mão maciça o meu maxilar, me forçando a manter contato visual consigo. Minha respiração se acelerou com tamanha proximidade. — Você deixar um monte de gente morrer por causa desse papo furado?
Senti minha garganta deglutir dolorosamente com sua mão apertando violentamente o meu pescoço. Meus músculos se contraiam tensos de medo e apavoro.
Naquele momento, senti-me pequena e fraca, impotente, presa a um pesadelo que parecia não ter fim. Por uma fração de segundos desejei ser Amy Murray novamente, a agente da CIA. Com certeza ela era forte e não se permitiria estar onde eu estava agora. Sua mão se afrouxou em torno de meu pescoço e ele se virou de costa com um felino traiçoeiro.
— Isso só pode ser um engano! — Aleguei — Eu não sou quem você procura... — contive o medo que me dominava e tentei argumentar. — Deixe-me ir, por favor. Juro que não contar absolutamente nada sobre isso a ninguém.
O homem se virou novamente para mim, com um brilho feroz nos olhos e me ignorou, puxando um pouco a manga de seu paletó, expondo a pele clara de seu pulso e o relógio dourado, e em seguidas arqueou as sobrancelhas.
— Já chega! O seu tempo acabou. — Declarou e seus lábios torceram em riso perverso. — Levem-na de volta!
Não tive tempo para pensar. O vazio a minha frente foi preenchido pelo rosto frio do cretino que me trouxera para cá. O amaldiçoei em pensamento, enquanto relutava contra suas mãos firmes que tentavam tomar meus braços, puxando-me para fora da cadeira.
O que seria pior? Ficar aqui e ouvir esse sádico me ameaçar das piores formas possíveis ou seguir de volta para aquele buraco vazio e gelado?
— Ah! — Citou ele, erguendo o dedo indicador. — E a cada hora do silêncio dela, pode matar um... Talvez isso faça com que ela chegue logo a uma conclusão. — disse, sem mudar o tom de voz, direcionando-se a Travis. — Comece pela prostituta lésbica, ela vai ser um excelente incentivo.
Sobressaltei, encarando Travis primeiro e depois encarei o outro com urgência.
— Por favor! Não faça isso, por favor! — Implorei com urgência, antes que o raptor me tirasse dali. — Não façam nada com ela... — Minha voz oscilou com boas notas de desespero.
Eu não seria capaz de me perdoar se algo acontecesse a Stayce. Ela fora a única pessoa a me acolher quando mais precisei e agora a vida dela dependia de uma decisão minha.
— Vai ser mais fácil se você falar logo... — Travis disse, baixo o suficiente para que só eu pudesse escutar a vibração da sua voz.
O homem suspirou, cruzando os braços diante de seu peito e avançou dois passos cautelosos em minha direção.
— Você sabe o que tem que fazer. — replicou o homem, guiando o seu olhar em minha direção, dando de ombros em seguida.
O sentimento afiado de culpa perfurou meu coração. Senti o peso das lágrimas se formando por trás dos meus olhos, tentando emergir por minhas glândulas.
— Está bem, está bem... — Gritei, contra a minha vontade. — Eu faço o que for preciso, mas não machuque ninguém.
Desejei acordar...Desejei desesperadamente acordar daquele pesadelo e fugir desse lugar maldito.No fundo, eu sabia que nunca mais seria o que era antes. O passado, as marcas, as cicatrizes, o treinamento. O que forma quem uma pessoa é são as situações impostas a ela ao longo da vida. Definitivamente eu não tinha isso, não havia lembranças.Não carregava nada daquilo em mim, mas Amy Murray sim. Contudo, ela morreu junto com todas as minhas memórias.Passei dois anos em busca de algo que eu mesma não sabia o que era, e sequer chegara perto de encontrar, e por mais que no fundo sentisse que tudo que estava fazendo passava longe de me trazer de volta, ainda assim, era com um único propósito: a sobrevivência.Precisava sobreviver, e é mais difícil sobreviver no submundo do Brooklin do que se imagina.Eu me interessava pela minha histór
Senti minhas pernas travarem no chão. Percebi nesse momento que, o sentimento de coragem, nada mais é do que a ausência de lucidez da mente humana. É o otimismo e a esperança de que tudo o que fizer, vai dar certo. Mas o universo conspira contra você o tempo inteiro. O destino joga, e se diverte com a sua destraça, porque sua vida não passa de uma partida fodida num jogo de azar. E embora não me sentisse pronta para morrer, consegui ver a minha vida passar como um filme nos olhos de vidro dede. Travis estava bravo. Na verdade, ele estava muito mais do que isso. Ele estava puto da vida comigo. O meu olhar oscilou das mãos ainda erguidas empunhando a arma e seu rosto sombrio, enquanto esgueirava no ambiente escuro até estar diante de mim. A arma apontada diretamente em minha direção me fazia vacilar ao imaginar que a qualquer momento ele poderia descarregá-la em mim.Alguns feixes de
— Amy Murray foi uma das poucas mulheres que conheci que nunca se fava ao luxo de errar... — comentou Travis, destravando e abrindo uma grande maleta metálica prateada disposta sobre a mesa à nossa frente. — Ela tinha fama de se dedicar exclusivamente ao seu trabalho, a vadia era realmente muito boa — disse, enquanto encarava o conteúdo dentro da maleta. Suas retinas refletindo o brilho prateado do objeto a sua frente.Intrigada eu observava todos os seus movimentos, com os braços cruzados diante do peio, tentando ignorar a onda de ódio que ele conseguia despertar em mim ao falar daquela forma a respeito de mim.O lugar para onde Travis tinha me trazido era como um grande galpão vazio. Carregava um clima pesado e frio e mesmo com as luzes acesas, ainda sentia algo sombrio sobrecarregar o ambiente. O espaço não era tão largo, mas em compensação era bastante comprido.
Senti minha garganta seca arranhar.Relutei em abri meus olhos, paralisada e catatônica quando o único barulho que os meus ouvidos capturaram foi pequeno estalido de simples engrenagens girando.Santa Mãe dos Desesperados...Era possível sentir o meu mundo se desfazer lentamente em mil pedaços atrás de mim.Se fugir não me custou à vida, tentar mata-lo certamente vai me custar.Morta. Eu já podia me ver morta!Encarei a pistola de prata em minhas mãos trêmulas e pressionei o gatilho mais duas vezes, louca, furiosa, agarrando-me a um único fio de esperança de que a arma estivesse apenas com um mal funcionamento e mergulhando em uma espécie de colapso de nervoso e desespero quando nada aconteceu.— Não. Não. Não. Não... — Eu repetia, tentando fazer a arma funcionar.Dava para sentir meu
Quando ouvi a porta metálica que isolava o andar se arrastar, comecei a retirar as roupas de dentro da bolsa, analisando-as da forma que podia em meio à ausência de luz. Havia ali uma jaqueta de couro preta, semelhante a que eu vestia quando fui trazida contra minha vontade para este lugar. Encontrei também um par de botas de cano curto, calça jeans e uma regata preta.Algo me dizia que já estava sozinha, mas ainda assim vasculhei ao redor com os olhos, buscando encontrar Travis em algum canto escuro, mas quando isso não aconteceu, suspirei e me apressei em começar a substituir as peças de roupa, de modo que não ficasse completamente nua de uma só vez. Eu tentava evitar deixar o meu corpo o máximo exposto possível.Vesti a última peça que faltava, a jaqueta de couro envelhecido que tinha servido como uma luva e puxei os fios de cabelo para fora da gola da peça
Paralisei quando um nó começou a se formar em minha garganta. As palavras de Travis tinham se tornado um grande bolo impossível de deglutir.Atirar— suas palavras reverberavam, como se eu fosse capaz de realmente atirar em alguém.Como ele esperava que eu lidasse com isso?Voltei o olhar para o corpo inconsciente a poucos metros de mim e comecei a me desesperar outra vez.Cada minuto de Travis lá fora parecia uma eternidade dentro dessa sala, e a minha mente começou a trabalhar em situações que envolviam Seth acordar e eu precisar imobilizá-lo. Um soco não mataria alguém — a minha cabeça desejava desesperadamente que aquele homem não acordasse enquanto Travis não retornasse, porque não seria eu a fazer qualquer coisa contra ele, e não era uma boa hora para ir contra as ordens que Travis havia me dado.Enfiei as
— Um... — mordi o lábio e desferi um soco contra o saco de areia a minha frente.— Dois... — soco.O ritmo frenético do meu coração batendo podia ser ouvido nas minhas orelhas, a cada vez que minha mente lembrava os dos tiros no corpo de Seth.— Três... — outro soco forte e impreciso que fez ecoar um estrondo seco pelo salão de treinamento.A contagem dos meus golpes soava tão baixa quanto um sussurro entrecortado pela respiração ofegante, que poderia ser facilmente confundido com um pensamento. Nada seria capaz de apagar da minha mente o momento em que a cabeça de Seth pendeu para frente, sem firmeza. Sem um pingo de vida, ou sangue vertendo pelas perfurações dos projéteis em seu corpo.Morto...— Quatro... — dessa vez foi um chute.Droga! Não dava para lidar com esse sentimento.Esta
Travis estacionou o carro na rua, em frente a um grande e luxuoso prédio no Queen’s.— Você entendeu? — Perguntou Travis pela quarta vez, logo depois de desligar o motor do carro.Assenti impacientemente com a cabeça em resposta, e ele arqueou as sobrancelhas, parecendo não dar credibilidade a minha resposta.— Então, repasse o plano! — Ele se ajeitou na poltrona.De forma impaciente, me remexi na poltrona do carro, mudando a posição, de forma que, ficasse de frente para ele.— É sério? — rebati franzindo as sobrancelhas.Travis retorceu o rosto numa expressão que demonstrava desaprovação e suspirou, impacientemente.— Infelizmente, eu sou obrigado a lidar com uma maluca impulsiva, que, aliás, não sabe receber ordens. Então sim! Repasse o plano.— Eu não pedi para e