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Capítulo 04 - Brincando com fogo

A vida conseguia ser uma tremenda vadia de duas caras. Naquele momento, eu tinha me flagrado pensando no motivo pelo qual tudo isso estava acontecendo comigo? Por que ferrar tanto assim? Eu já não estava quebrada o suficiente?

Abaixei o olhar, completamente intimidada e virei meu rosto para o outro lado, assim que o homem pressionou a lâmina afiada da faca na minha bochecha com mais força. Eu podia sentir a minha pele começando a ceder à pressão do objeto afiado.

Seus olhos obscuros me encaravam diretamente. Engoli a seco, quando percebi que ele relutava entre abaixar a faca e me tirar da cela. Ele não precisava fazer isso, porque eu não tinha como fugir. Estava entre a cruz e a espada. Mas talvez ele sentisse prazer em me torturar ou simplesmente estava pensando seriamente em adiantar o trabalho e acabar comigo de uma vez por todas. “Pouparia uma grande dor na bunda” — cogitei com as pernas bambas ao relembrar as palavras de Ernest.

— Veja bem... — Estalou ele, e sua voz grave e rouca invadiu os meus tímpanos outra vez, soando baixa e ameaçadora como uma víbora venenosa e convidativa, afastando e abaixando a faca.

Vacilei sobre as pernas, apavorada, me tornando refém do medo e dele. Seu rosto se aproximou excessivamente do meu, penetrando por entre os meus cabelos desgrenhados e caídos pelos os ombros. Asco inflamou em meu estômago ao sentir as lufadas ruidosas de ar quente perto da minha orelha, junto ao toque do seu nariz por minha bochecha.

Recusei-me a encará-lo, e ele soltou o meu pulso devagar, guardando a faca em algum lugar da sua roupa.

— Quando eu estiver falando com você, quero que olhe para mim. — disse, levando a mão ao meu queixo e puxando-o, mesmo com a minha resistência, em sua direção, sendo obrigada a encará-lo outra vez. ─ Eu sei que nada disso é muito bonito, mas eu tenho um trabalho a fazer. — Esclareceu num tom menos ameaçador. — Por isso, seja boazinha, tente cooperar e eu vou garantir que nada de muito ruim vai acontecer. — Concluiu, muito próximo novamente, deslizando o dedo pela minha bochecha.

Arrastei o meu corpo para o lado, tentando desvencilhar do seu toque e soltei o ar que não havia reparado que prendia nos pulmões, voltando a encará-lo.

— Os braços... Ponha-os para frente. — Ordenou, com um gesto contido de cabeça. Sua voz soou tão fria quanto o clima ao redor.

Engoli em seco, amedrontada, hesitante em cumpri o seu pedido. O homem arqueou a sobrancelha em resposta e eu balancei a cabeça em negativa.

— Por favor. — Implorei num sussurro amedrontado.

— Você precisa aprender a obedecer. — Decretou, puxando os meus braços para frente com brusquidão, enquanto lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto.

Ele puxou do bolso de trás da calça um item branco e fino, e envolveu os meus pulsos com eles, prendendo-os juntos na frente do meu corpo.

Isso é realmente necessário? — questionava-me silenciosamente, enquanto ele fechava as algemas plásticas. Se já não havia alguma possibilidade de fuga com os braços livres, imagine algemados.

— Ernest, quando acabarmos, mande alguém limpar essa porcaria! — Exclamou, com repulsa, referindo-se a poça de vomito mais ao canto da cela.

Mordi a minha língua, esforçando-me muito para manter a boca fechada e não perguntar o que aconteceria agora. Qual era o objetivo nisso?

Não demonstrei resistência, quando as suas mãos seguraram firmemente em meus braços para conduzir-me para fora da cela. Apenas tentei ao máximo trabalhar a minha memória para que lembrasse como era o local. O ambiente frio e úmido. As paredes brancas e grossas. O piso escuro e maciço. Fui conduzida pelo corredor com vista para a cela onde estava, seguido pela porta metálica, com uma cobertura de tinta acinzentada.

A porta foi impulsionada e aberta por Ernest, fazendo um calafrio percorrer minha espinha com o rangido metálico que ouvira mais cedo, agora a minha frente.

Comecei a me questionar internamente por quanto tempo estava presa ali, e se lá fora era noite ou dia. Procurei respostas ao redor, mas não havia nada que pudesse indicar. Nenhuma porta, nenhuma janela.

Nada. Nenhuma rota de fuga.

Talvez estivéssemos em algum subsolo. O meu estômago se revirou, quando comecei a considerar com relutância a ideia. Como diabos, escaparia de um subsolo?

— Onde estamos? — Ousei perguntar, e por mais que soubesse que não obteria nenhuma resposta, ainda assim, não poderia deixar de tentar, mesmo que isso me trouxesse mais problemas.

Atravessei à porta a frente, quando senti um brusco empurrão me empurrar para frente.

Covardes! Talvez os seus culhões só se fizessem presentes, quando uma arma estivesse em sua cintura.

— Isso não é da sua conta, querida. — Contestou Ernest atrás de mim, e eu podia jurar que ele estava rindo.

Depois, fui conduzida a entrar em um elevador. Tentei manter meus olhos fixos no painel de controle do elevador, mas o corpo grande de Ernest tomou conta do meu campo de visão e sequer consegui ver para qual andar estava sendo levada.

Meu sequestrador tinha se posicionado estrategicamente atrás de mim. Sua mão segurava os meus dois braços, acima dos cotovelos. Ele parecia saber muito bem o que estava fazendo, porque seu olhar queimava as minhas costas a cada observação que fazia.

Talvez ele pudesse imaginar que estava tentando achar uma forma de escapar.

É claro que eu tentaria fugir. Talvez, não fosse a primeira a estar nessa situação, e ele soubesse perfeitamente como agir. Ernest estava um pouco mais ao lado, com postura ereta, feito uma sentinela a postos.

Relutante e sem mover o rosto, analisei furtivamente ao redor, mas não havia nada de relevante que pudesse me ajudar a escapar desse inferno.

Droga! No momento em que o tilintar do elevador soou, a mão do homem trás de mim se fechou mais, apertando bruscamente a pele do meu braço. O fôlego me faltou, quando as portas de metal escovado se abriram diante de nós.

O medo se propagou frio pelo meu sistema. Meus músculos se contraíram, o estômago se revirou. Senti uma fricção em meus olhos, e mais lágrimas começaram a brotar, fazendo com que a minha visão ficasse anuviada.

— O-o q-que vocês pensam em fazer comigo? — Balbuciei ao sentir o desespero tomar conta de mim.

Desejei me agarrar a qualquer coisa que pudesse me manter dentro do elevador, ou até mesmo, presa dentro daquela cela.

— Deveríamos ter colocado um saco na cabeça dela. — Ironizou Ernest. — Nos filmes costuma funcionar... — Ele deu de ombros.

— Merda! — Rosnou o sequestrador impacientemente, arrastando-me à força para fora do compartimento metálico.

Deixei um grito desesperado cortar a garganta. O meu coração quase pulou boca afora, porque o homem jogou o meu corpo sobre seu ombro, carregando-me como um grande saco de merda.

— Coloque-me no chão. — Ordenei no grito, com os braços algemados tentando acertar golpes em suas costas, mas nada parecia abalá-lo, já que ele continuava a caminhar em direção a algum lugar naquele maldito corredor que me causava fobia.

Até que fui jogada sobre uma cadeira. Ofegante e desesperada, forcei minhas pupilas a trabalharem para se adaptarem ao ambiente escuro e hostil a qual fora submetida.

— Por favor, me tirem daqui! — Apelei. Minha voz soando entalada na garganta em meio a uma escuridão que tomava os quatro cantos.

Ouvi o soar de interruptores serem acionados, e luzes se acenderam. Encarei a pequena mesa metálica, disposta a minha frente.

— Vejam só... — ouvi uma voz firme, carregada de orgulho ecoar em meus ouvidos.

Pulei para trás, sobre a cadeira, ao encontrar a figura engravatada diante de mim. O homem deveria estar na casa dos quarenta e poucos anos. Os cabelos eram castanho-claro, pretensiosamente penteados para cima, em um topete grisalho perfeito. Carregava entre o vinco dos seus olhos negros uma expressão dura e rígida. Algo me dizia que este não seria o salvador da pátria.

— Finalmente... — disse ele, quebrando a distância que havia entre nós. Limitando-se a ficar do outro lado da mesa. Sua voz soava pavorosamente fria e ardilosa. — Você sabe quem eu sou? — Indagou, me encarando fixamente e aproximando-se mais da mesa.

Respondi que não com um gesto frenético de cabeça, e em resposta, ele me encarou de lado por algum tempo, me avaliando de cenho franzido.

— Você está brincando comigo? — Questionou em resposta, um pouco mais ríspido.

Eu balancei a cabeça em negativa novamente. As palavras não pareciam fluir pela minha boca.

— Como você se chama? — Refutou, com um ar de desagrado notório em sua expressão.

— Eu não sei quem são vocês, ou o que vocês fazem. Deixem-me ir embora... — O meu peito subia e descia, eu podia ouvir a minha pulsação acelerada. — Eu juro que não conto nada a ninguém.

— Já basta. — Decretou. — Você não vai sair daqui. Então limite-se a responder apenas as minhas perguntas. — Instruiu deliberadamente, fazendo-me sobressaltar, apertando os olhos com força quando um violento tapa foi desferida contra o tampo da mesa.

— Ro-rose. — Precipitei em responder, encolhendo-me entre os ombros, encurralada. — Eu me chamo Rose.

O homem parou por alguns instantes, pensativo. As sobrancelhas erguidas com expressão contrariada que se formou em seu rosto.

— Travis, você só pode estar de brincadeira com a minha cara... — Ralhou o homem, incrédulo, direcionando o seu olhar furioso para o que havia atrás de mim, a porta, deduzi ao olhar as paredes brancas e maciças ao redor.

— Eu não sou quem vocês estão procurando... — me atrevi a observar, minha voz soando fraca e amedrontada.

Com certeza não era. Veja só: eu não fazia ideia de quem eles eram, tampouco já tinha visto a cara de algum desses homens na minha vida.

Oh merda!

Será que eles foram responsáveis pelo disparo que ocasionou minha perda total de memória? Estremeci, entrando em colapso. Meu coração errou uma batida dentro do peito.

Eu não sabia de nada. Não me lembrava de absolutamente nada. Se a minha vida dependesse disso, estaria ferrada.

— Cala a merda da boca!

Paralisei imediatamente. Meus olhos quase pularam para fora de mim. O homem parecia um cão raivoso, sedento por sangue. O meu corpo estremecei quando a voz preencheu o ambiente como um trovão, alto e grosseiro. Era Travis e mesmo que não o tivesse a minha frente, eu conhecera pela voz.

— Ernest! Fique de olho nela. — determinou Travis, autoritariamente, sem demonstrar emoção.

O sequestrador fez um gesto de cabeça para o outro homem, que embora o olhasse desconfiadamente, acabou acompanhando-o. Ouvi o barulho de porta se fechando atrás de mim, e Ernest entrou em meu campo de visão, lançando um riso maldoso em minha direção, mas ele não era capaz de me assustar tanto quanto gostaria. Estava acostumada a lidar com homens desse tipo, poderosos e inabaláveis, enquanto tem algo que pudessem usar em sua defesa.

Rangi os dentes, furiosa ao me lembrar de quando o bastardo simplesmente me deu as costas, enquanto o encavara fixamente de olhos estreitados. O homem puxou a cadeira disposta do outro lado da mesa e se sentou, ficando de frente para mim. E me encarou de forma superior.

Odiei-o mais ainda quando percebi que só o meu pescoço estava em jogo, mas dei de ombros e simplesmente voltei a me afogar em suposições. A porta atrás de mim foi aberta outra vez, despertando-me de meus pensamentos.

Ernest levantou-se de seu assento e sumiu das minhas vistas.

O homem engravatado voltou a preencher o cômodo com sua presença intimidante. Os olhos castanho-escuros fixos nos meus.

— Querida... — voltou a dizer em um tom macio e diabólico, enquanto ele se inclinava e abria uma imperceptível gaveta compactada por baixo da mesa e tirou de lá uma pasta de papel pardo. — Pelo visto, existem coisas que você não sabe. — Concluiu, abrindo a pasta.

Ajustei-me na cadeira e inclinei o corpo para frente. Ergui o olhar a fim de analisar o conteúdo exposto a mim.

— Essa daqui... — Indicou ele para a fotografia com o dedo indicador. Perdi o fôlego naquele instante, incapaz de acreditar no que estava diante de mim. — Você! — Ele quis ser mais específico — Se chama Amy Murray.  Já faz uns dois anos que essa agente da CIA foi dada como morta, e você nem faz ideia da parte mais interessante da história. — os seus lábios se torceram em um riso fascinado. — O seu corpo nunca foi encontrado.

Alternei ceticamente o olhar entre a fotografia e o homem diante de mim, que carregava uma expressão atenta e a mandíbula contraída.

— O que você está querendo dizer com isso? — Rebati, analisando mais uma vez a mulher retratada.

Eu não poderia estar ficando louca. Aquela era, inegavelmente, eu. Contive a vontade de chacoalhar a cabeça em uma tentativa de dispersar as hipóteses descabidas, e comecei a reparar nos longos cabelos escuros acastanhados, presos em um rabo de cavalo, que lhe rendia uma aparência mais séria e profissional. Os olhos castanho-escuros, que olhavam para algum lugar que não era a lente da câmera que fizera a captura da imagem.

— Estou dizendo que essa mulher está diante de mim. — Explicou ele, desta vez sem rodeios.

Naquele momento, meu peito se encheu de sentimentos contraditórios. Desespero. Medo. Angústia. Ele não está me contando isso porque era bonzinho, e isso era notório no seu sorriso ardiloso. Deveria estar feliz por finalmente saber quem eu era? Ou apavorada, por saber que estava de mãos atadas, em poder de um grupo criminoso e que essa informação não me serviria de absolutamente nada se não saísse daqui com vida.

— E porque você está me contando isso? — Indaguei, tentando processar tudo o que podia.

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