Capítulo X.

Clara Herrera.

Eu tenho pensado muito sobre como nossos dias são imprevisíveis. Acordamos todas as manhãs e nunca nos perguntamos se algo novo pode acontecer, se alguma coisa pode mudar, se vamos passar por alguma situação diferente do nosso cotidiano. Para mim, sempre foi  mais fácil me manter em uma rotina fixa, sem fazer muitas coisas diferentes do meu habitual, sem ao menos parar para pensar que, sair da minha zona de conforto, poderia se tornar um presente.

Digo isso, porque eu mesma há muito tempo estive presa em uma rotina, todos os dias fazendo praticamente as mesmas coisas. Não digo isso reclamando, porque tenho tudo o que poderia pedir e querer. Trabalho no que gosto, tenho uma boa casa, um filho maravilhoso e uma família linda que sempre me apoiou em tudo. Mas não havia parado para refletir que, as coisas sempre podem mudar, e claro, sempre podem melhorar e muito.

E um belo dia, de repente, tudo pareceu querer mudar pra mim. Eu, que sempre fui tão focada no meu trabalho, nunca havia realmente prestado atenção no anjo loiro no qual convivia praticamente todos os dias da semana, há pouco mais de dois anos. É incrível a sutileza com que Milena vem entrando em meus dias, o quanto ela vem se aproximando aos pouquinhos, com tanta paciência e cuidado. Primeiro, me acalmou daquela maneira quando Juan Carlos foi atrás de mim na porta do colégio, depois começou a trabalhar na livraria do meu pai e acabou cativando com extrema facilidade os dois homens mais importantes da minha vida.

Tudo tem acontecido de maneira tão natural, sem esforço nenhum Milena Bianco também tem me cativado. Duas semanas se passaram desde o aniversário de Heitor, quando aconteceu o nosso primeiro beijo. E desde então, temos nos aproximado um pouquinho mais a cada dia, seja em nossas conversas triviais quando nos esbarramos, ou mesmo por nossas trocas de mensagens até tarde da noite.

Mas ao mesmo tempo, quando tudo parece estar muito bom, eu sinto bastante medo. Eu sei muito bem quais são as possíveis consequências caso alguém descubra algo. Ok, eu contei para Kelly e Jéssica, mas eu confio de olhos fechados nessas duas e sei que elas não fariam nada que me prejudicasse. E eu tento não me apavorar com o fato de saber que Milena também contou de nós para seu grupo de amigos, mas quando penso sobre o assunto, meus neurônios parecem pegar fogo. Eu sei que ela também confia muito neles, mas só de imaginar esse assunto vazando, eu já me apavoro com as possíveis consequências que podem vir para mim.

E além de tudo, semana passada Juan Carlos apareceu de novo, dessa vez, lá no pub e arranjou a maior algazarra. Idiota. E eu só queria entender o porquê disso tudo, já que está claro que a relação que tínhamos não tem mais volta. Mesmo quando estávamos juntos, nos últimos anos de união, estava sendo cada um para um lado. Homem com o ego ferido é, realmente, um saco.

   — Mamãe, por que você não tá falando comigo? — ouço a voz de Heitor, me retirando de meus devaneios.

   — Desculpa, meu amor. — me viro para o garotinho, que me encara fazendo bico. — O que estava falando?

   — Faz um tempão que eu não vejo a tia Milena, mamãe. — exagerado. — A gente podia chamar ela para vir aqui.

   — Um tempão, Heitor? Você foi na livraria ontem mesmo. Acha que eu não sei que sua tia te levou lá? — estreito os olhos para o menino que apenas dá de ombros. — Mas, sim. Nós podemos chamar a Milena para vir aqui.

   — Ebaaaa! — o garotinho se levanta e começa a pular enquanto bate palmas. — Deixa eu ligar pra ela?

   — Eu deixo, desde que você sente aqui, e venha terminar o seu café da manhã. — em segundos ele está de volta a mesa, comendo seu cereal. — Mais tarde ligamos para ela, ok?

Olho no celular, no relógio marca pouco mais de nove da manhã. Meu plano para essa manhã de sábado era ficar na cama até pelo menos às dez, mas pouco depois das oito, Heitor já batia na porta de meu quarto. Até tentei persuadir a pequena criatura a dormir mais um pouco. Mas Heitor é um Herrera, teimoso até o último fio de cabelo.

Enquanto Heitor termina de comer seus cereais, me contento apenas com uma fumegante xícara de café. Fico ouvindo o menino me contar sobre sua semana na escolinha, e mesmo que já tenha ouvido as mesmas história outras dezenas de vezes, me sinto feliz em ouvir e ver o quanto meu filho tem crescido e se desenvolvido bem.

Uso boa parte da manhã para dar uma ajeitada na casa, que durante a semana, mesmo que eu arrume algo ali ou aqui e Jéssica também me ajude muito, ainda parece estar de cabeça pra baixo. Só quem tem um furacãozinho dentro de casa entende, correndo para lá e para cá, entende. Depois de terminar o trabalho nos quartos e banheiros, separo todas as roupas sujas e coloco na máquina. Quase uma hora depois, após terminar de organizar a sala e a cozinha, me jogo no sofá e fico apenas curtindo o clima clean instalado na casa.

Fecho os olhos, até ouvir um Heitor ofegante entrando pela porta da sala, o pequeno já estava há quase uma hora brincando no jardim.

   — Mamãe, agora a gente pode ligar pra tia Mi? — olho suas mãos sujas, e o repreendo. — Espero que tenha limpado esses pézinhos antes de entrar. Vá lavar as mãos primeiro, que depois a gente liga.

Pego meu celular na mesa de centro da sala e fico a espera de Heitor que logo aparece, sacudindo as mãos para tirar o excesso de água.

   — Não vai pegar no meu celular com essa mão molhada, honey. — digo e ele corre novamente até o banheiro.

   — Pronto, mamãe. — se senta ao meu lado, alguns segundos depois. — Agora pode? — pergunta, já se demonstrando meio impaciente.

Procuro o contato de Milena, coloco para chamar e em seguida no viva voz.

   — Oi, tia Mi! — ele diz assim que ela atende. — É o Heitor.

Seguro uma risada pela euforia do menino.

   — Olá, Heitor! Tudo bom, garoto?

   — Tudo. — ele me olha. — Milena, eu queria chamar você pra vir aqui em casa hoje.

— Hum, é mesmo? — ela parece ponderar por alguns segundos. — E a senhorita sua mãe, está de acordo com esse convite?

   — Sim, ela tá aqui comigo... mãe, fala com a tia Mi. — diz e eu ouço a leve risada do outro lado da linha. — Ela deixou eu ligar pra você, eu juro. Não é, mamãe?

   — Ei, Milena! Tudo certo?

   — Tudo sim, meu bem e com você?

   — Estou ótima, e ficaria melhor se aceitasse passar a tarde aqui em casa com a gente hoje. — digo e Heitor me olha ansioso. — Um convite meu e de Heitor.

   — Lógico que eu aceito! — fala e meu filho começa a pular com o aparelho nas mãos.

    — Heitor volta aqui com esse telefone! — digo e, do outro lado da linha, a garota ri.  — Então, te esperamos aqui. Às duas. Pode ser?

   — Claro, me manda o endereço certinho por mensagem. — um grande sorriso se abre em meus lábios.

   — Tá bom, eu já te passo tudo. Até mais, Milena.

   — Até mais, Clarinha.. Até mais, Heitor.

   — Tchau, tia Mi. Chega logo! — diz, antes de sair correndo pela casa.

Após uma pequena risada, Milena encerra a chamada e eu coloco o celular ao meu lado no sofá, enquanto jogo minha cabeça para trás e uso um dos meus braços para cobrir os olhos, e mesmo sem entender muito bem o porquê, um sorriso bem bobo fica estampado em meus lábios. Me levanto e vou atrás de Heitor, afim de ver o que a pequena criatura está aprontando e depois, começo a preparar o nosso almoço.

   — Mamãe, mamãe, mamãe! — depois de alguns minutos, Heitor aparece correndo na cozinha. — Faz aquela torta de maçã pra tia Mi...

   — Pra tia Mi, ou pra você, espertinho? — toco seu nariz, o fazendo rir. — Vou pensar no seu caso.

Termino o almoço e tomo um banho rápido. Coloco um vestido de alças finas e estampado com flores, mas não é como se eu realmente estivesse me arrumando porque Milena vai vir aqui. Longe disso. Deixo meus cabelos secarem naturalmente e antes de deixar meu quarto, passo o meu perfume preferido, com aroma de maçã.

Passo pela sala e chamo Heitor para almoçarmos juntos. Bom, a minha vontade era esperar Jéssica, mas a mesma saiu logo cedo e sumiu até agora. Sirvo meu garoto e em seguida me sirvo também.

(. . .)

Eu e Heitor já havíamos terminado de almoçar quando ouço a porta da sala se abrir e logo depois vejo Jéssica aparecer, acompanhada de Kelly.

   — Vocês duas estão andando muito grudadas. Não estou gostando muito disso e estou começando a sentir ciúmes disso já. — me sento no sofá, cruzando meus braços contra o peito, enquanto olho a cara lavada das duas.

   — Que linda, ela tem ciúmes! — Kelly se joga no sofá e se deita com a cabeça no meu colo. — A gente foi no shopping e depois fomos almoçar... e por falar nisso, o que é aquela amiga da Milena que trabalha naquele restaurante e estuda no colégio também, em?! Que garota linda! — a olho de cenho franzido.

    — Que amiga?

    — Ela é sua aluna também, Clara... mas eu não sei o nome. — seus olhos azuis me encaram. — Morena, umas mechas vermelhas no cabelo e um corpinho de deusa. — faz um violão com as mãos. — Sem contar que tem um sorrisinho, que conseguiu me desmanchar toda hoje...

   — Ah, é a Alexia. — dou um tapa em sua testa. — A melhor amiga da Milena. — mais um tapa. — Nem se atreva em, Kelly Herrera.

   — Ué, é assim? Você pode, tranquilamente, dar uns pegas na Milena e eu tenho que ficar sobrando? — se senta e dá de ombros,

   — Me respeite, Kelly!— lhe jogo uma almofada. — Toma cuidado em, sua ruiva safada.

   — A troca de amor de vocês é emocionante. — Jéssica coloca a mão sobre o peito, num falsa expressão fofa. — Nossa Clara, pra que esse perfume todo? — a loira pergunta ao se sentar ao meu lado, recebendo um leve tapa meu ao deixar . — Aliás, pra que essa produção toda?

    — Que produção? Eu só tomei banho... por causa do calor... vocês não estão com calor? — falo e vejo Heitor aparecer, vindo de seu quarto.

   — Oi! — corre para o colo de Jéssica, que abre os braços quando o vê. — Oi tia Kelly! — se estica para dar um beijo no rosto da ruiva.

   — Ei, meu príncipe. — minha irmã puxa, fazendo com que ele passe por nós, para se sentar em seu colo. — Aprontando o que, em?

   — Eu estava arrumando meus bonecos de super-heróis. — sorri largo. — A tia Mi vai vir aqui e vai conhecer eles, sabia? — Kelly é Jéssica me encaram com os olhos semicerrados.

   — Tomou banho só por causa do calor né, Clara?! — Jéssica pergunta, próximo ao meu ouvido.

   — A Milena vai vir aqui? — Kelly pergunta olhando mais pra mim, do que para o próprio Heitor.

   — Sim, a mamãe convidou ela. — o garoto concorda e eu sinto meu rosto corar.

   — E-eu vou fazer a torta de maçã. — me levanto rapidamente, dando um jeito de deixar o cômodo.

Saio rumo à cozinha e ainda assim posso ouvir as risadas de Kelly e Jéssica. Vou até a geladeira e pego os ingredientes necessários para começar a preparar a torta, que é uma das minhas especialidades, aliás, só perde para a lasanha que eu faço. Logo me vejo tão entretida com o que estou fazendo, que não vejo e nem ouço Kelly chegar na cozinha e se aproximar.

   — Vai Clarinha, abre o jogo comigo. — cruza seus braços e se escora ao meu lado no balcão.

   — Que susto, Kelly! — levo a mão ao peito e a encaro assustada. — Abrir o jogo com o quê?

   — Não se faça de boba. Você sabe muito bem do que eu estou falando, Clara Herrera! — rola os olhos, impaciente. — Milena Bianco.

   — O que tem Milena? — encaro minha irmã por alguns  segundos, mas logo depois, volto à cortar as maçãs sobre a tábua.

   — Clara, está mais que na cara que você está caidinha por aquela garota! Ou até mais que isso, apaixonada... — quando Kelly fala isso, eu sinto a lâmina da faca em meu dedo e em seguida uma dor aguda.

   — Ai droga! — olho para algumas gotas de sangue no balcão. — Merda!

Minha irmã corre até o banheiro e segundos depois volta com minha pequena maleta de primeiros socorros. Lavo a mão e olho o corte, não tão pequeno no meu indicador. Não disfarço a careta de dor quando Kelly joga o remédio em spray.

   — Fresca! — Kellu diz, enquanto termina de colocar um esparadrapo no ferimento. — Não adianta, não é cortando o dedo que a senhorita vai fugir desse assunto. — pega a maleta e se afasta, fazendo um gesto indicando que está de olho em mim.

   — Idiota. — sussurro, voltando ao que estava fazendo.

Alguns minutos depois, coloco a torta no forno e volto para a sala, onde Heitor, Kelly e Jéssica assistem  desenho na TV. Olho as horas no celular, faltam apenas quinze minutos para as duas. Meu coração bate forte e a ansiedade se multiplica. Vou até meu quarto dar uma última checada no espelho. Ok, porque toda essa preocupação com a minha aparência? Ainda fico sentada em minha cama por um tempo, tentando entender todos esses efeitos que uma simples visita de Milena estão causando em mim.

Ouço o som da campainha e meu coração dispara. Que merda! Por que toda vez agora eu sinto isso? Passo a mão por meus cabelos, respiro fundo e sigo para a sala. Paro próxima à divisão da cozinha com a sala, quando vejo a cabeleira dourada de Milena, Kelly já havia aberto a porta. Me apresso antes que a ruiva solte alguma pérola e acabe constrangendo a garota.

Chego na sala e vejo Heitor praticamente pendurado no pescoço de Milena. Preciso dizer que acho incrível a conexão que esses dois criaram desde que se conheceram. Após alguns segundos, ela o coloca no chão, deixando um beijo em seus cabelos, já havia cumprimentado Kelly e então, com Heitor ao seu encalço, vai até Jéssica e, após um aperto de mãos e um beijo no rosto, enfim a garota se aproxima de mim.

   — Essa produção toda é pela minha presença? — diz me fazendo rolar os olhos, mas logo em seguida rir de sua expressão divertida. — Você está linda!

   — Além de boba é muito convencida. — deixo um leve tapa em seu braço. — Obrigada. — deposito um beijo em sua bochecha.

Um pigarrear vindo de Jéssica desfaz a minha bolha, rolo os olhos e faço careta para minha amiga. Ela sorri cinicamente e se levanta.

   — Eu vou tomar um banho e tentar falar com meu pequeno. — passa por mim, deixando alguns tapinhas em meu ombro. — Juízo em, girls!

   — Jéssica!— a repreendo e ouço sua risada.

   — Eu vou ficar é de vela mesmo. — Kelly, que está sentada no sofá, cruza as pernas e me encara.

   — Vem tia No, vem ver os meus super-heróis! — vejo Heitor puxar a garota pela mão. — Depois a gente vai lá na casa da árvore.

Em segundos eles somem pelo corredor que dá aos quartos. Encaro Kelly de olhos semicerrados e me seguro para não agredi-la por causa desse seu sorrisinho cínico.

   — Quem precisa de inimigo com uma irmã como Kelly Herrera? — balanço a cabeça negativamente. — Idiota.

   — Idiota é você se deixar uma loira daquelas escapar. — arqueia as sobrancelhas.

   — Olha que eu conto que você se interessou pela amiga dela, em? — digo e ela dá de ombros.

   — Pensa que eu vou achar ruim? Uma ajudinha a mais. — que ruiva sem vergonha, oh céus!

   — Cara de pau. — me viro e sigo para o quarto de Heitor.

Paro próxima a porta do quarto de Heitor com uma cena que inevitavelmente faz meu coração bater mais forte e um sorriso enorme brotar em meus lábios. Heitor e Milena sentados no chão, meu pequeno sentado entre as pernas da loira, mostrando seus tão adorados bonecos. Uma pequena risada me escapa quando Milena começa a imitar uma voz para cada um deles. Ela me olha, sorri e continua brincando com Heitor.

   — Vem mãe, senta aqui com a gente! — Heitor bate no chão, ao seu lado.

Me aproximo e sento sobre o grande tapete, ao lado dos dois. Não sei exatamente quanto tempo ficamos ali, submersos no mundo de Heitor. É visível que ele está adorando a atenção e os mimos de Milena. Vez ou outra, eu e a loira trocamos olhares e sorrisos e por alguns segundos, eu acabo me perdendo naquele rosto que desconfio ser, realmente, de um anjo.

Deixo os dois no quarto e vou para a cozinha, passando pela sala, vejo Kelly deitada desajeitadamente no sofá. Ao chegar mais perto, vejo que a mesma está de olhos fechados, pego meu celular e quando estou prestes a tirar uma foto, a mão de Kelly rapidamente tira o aparelho da minha mão.

   — Muito lenta, Clarinha! Vai ter que ser mais rápida da próxima vez, maninha. — me bate com uma almofada.

   — Como você é chata! — mostro língua e ela devolve a provocação.

Nossa troca de carinhos é interrompida por Heitor novamente puxando Milena pela casa.

   — Heitor, está bom né? Vai cansar a Milena, puxando ela assim de um lado para o outro. — chamo a atenção do garoto que já estava próximo a porta. — Que tal um filme? Vocês escolhem e eu faço pipoca.

   — Eba! — o menino pula em comemoração. — Eu quero assistir "O Rei Leão"

   — Entrem em um acordo e eu volto já.

Sigo rumo a cozinha e pego o que preciso. Poucos minutos depois ouço alguns passos e logo sinto o perfume conhecido e que eu tanto tenho apreciado ultimamente. Duas mãos me segurando pela cintura e uma trilha de beijos pelo ombro, me fazem ter certeza de quem é.

   — Já estava me contentando com sua atenção toda pra Heitor. — brinco, me virando.

   — Tem Milena para todo mundo. — diz convencida, me arrancando uma risada. — Quer dizer, nem todo mundo... só para pessoas específicas. — me dá um selinho.

   — Hum, específicas... — entendo. — a encaro de olhos semicerrados.

  — Específica. — dá ênfase a palavra. — Já te disse que você está linda?

   — Já sim, mas se quiser falar de novo. — digo dando de ombros e ela sorri, segurando meu rosto.

   — Gata, linda, perfeita, pedacinho de mal caminho. — mais uma risada minha e dessa vez, quem dá de ombros é ela. — Assume que eu sou ótima com elogios... — sorri, convencida.

   — Ah, mas é lógico... você é, realmente, ótima. — passo meus braços por sua nuca, falando próximo ao seu ouvido. — Mas nesse momento, se possível, preferiria que parasse de falar e me beijasse...

   — Você quem manda! — ela sorri e me puxa pra mais perto.

E de novo tenho a sensação de estar nas nuvens. É isso que tenho sentido a cada beijo que trocamos. A mão de Milena desce do meu rosto até minha nuca aprofundando o beijo. Nossas línguas travam uma batalha, como se ambas quisessem o domínio da boca uma da outra. Quando o ar se faz necessário para as duas, quebramos o beijo com alguns selinhos, e uma leve mordida de Milena em meu lábio inferior.

   — Não querendo atrapalhar, mas já atrapalhando... — eu juro que mato Kelly, meu Deus. Estou prestes a fazer uma besteira e me tornar filha única! — Eu vim atrás da pipoca, já temos uma criança inquieta lá na sala.

   — Você veio foi bisbilhotar, isso sim... — vou até o micro-ondas e pego a pipoca. — Aliás, Milena... quantos anos a Alexia tem?

   — É da minha idade, tem dezoito, por quê? — a loirinha me encara confusa.

   — Bom, já que é pra perguntar. — Kelly se aproxima com a expressão mais tranquila do mundo. — Ela é solteira?

   — Sim. — se estivéssemos em um desenho animado, vários pontos de interrogação estariam sobre a cabeça de Milena — Por que, gente?

   — Nada demais. Só proteja sua amiga das garras dessa ruiva safada. — digo e Kelly me mostra o dedo do meio.

Milena ri e parece entender o recado. Seguimos para a sala e nos ajeitamos, Kelly e Jéssica em um dos sofás e Heitor, Milena e eu no outro. Bom, nem sempre fui fã de filmes infantis, mas desde que Heitor acabou tomando gosto pelos mesmos, sempre assistimos e por isso já sei quase todos de cor e salteado. Mas como era de se esperar, a euforia de Heitor não deixa que ele assista nem metade do filme. Logo volta a correr pela casa.

   — Mi, vamos lá na casa da árvore? — chama a garota que rapidamente levanta a cabeça que estava deitada em meu ombro.

   — Sim, vamos! — se levanta e dá a mão para o menino que novamente sai a puxando.

Ficamos na sala apenas eu, minha irmã e minha amiga. Me levanto e em seguida me jogo entre elas. Por mais que esteja gostando muito de tudo, estou tão confusa. Tão perdida entre meus sentimentos. Com tanto medo.

   — O que foi? — Jéssica me olha.

   — Quero colinho. — faço bico e as duas começam a rir. — Eu tô confusa, com medo, perdida... — suspiro.

   — Olha, por mais que eu também tenha medo por você. — Kelly começa. — Está tão visível que Milena está mexendo com você... e bom, está mais que na cara ainda que ela é super afim da senhorita, né?

   — Mas por que tem que ser mais difícil? Por que não podia ser diferente, ou não poderíamos ter nos conhecido em outra situação? Eu me sinto tão errada fazendo isso. — sinto Jéssica acariciar meus cabelos.

   — Tem situações que não dá pra agir totalmente pelo correto, Clarinha. Te conheço há anos, sei que você sempre quer ter o controle de tudo, mas às vezes, simplesmente não dá.  Aproveita esse momento em que vocês estão se conhecendo melhor, curte essa loira maravilhosa que você ganhou de presente e pensa positivo, é o último ano dela no colégio.

   — É, mas o ano mal começou. — digo. — Quer dizer, eu nem sei se vamos prosseguir com isso por algum tempo...

   — Então é isso, ninguém tem controle sobre o futuro, maninha. Aproveita o agora enquanto é tempo. — a ruiva diz e eu fecho os olhos, concordando.

Ficamos em silêncio por alguns minutos. Continuo deitada apenas recebendo carinho de minhas irmãs. Abro os olhos novamente, dou um sorriso em agradecimento pelos conselhos e me levanto. Sigo para a área externa de casa e me encaminho para a casa na árvore. Como Heitor havia dito, foi uma ideia de Juan Carlos e, sinceramente, acho que é uma das únicas coisas decentes que ele fez para o menino.

Heitor e Milena estão sentados no chão ela com um livro infantil em mãos, lendo a história para o menino que ouve tudo atentamente e quando eu digo isso, ele realmente está bem atento, seus olhinhos nem piscam. Quando me vê, a loira sorri e com o olhar me chama para o seu lado. E assim eu o faço, me sento e fico também a ouvir a voz doce da garota. Fecho os olhos e tiro a certeza que poderia ouvir essa voz todos os dias da minha vida, falando qualquer coisa, qualquer besteira. Clara Herrera, que está acontecendo com você?

Ao fim da história, Heitor bate palmas animado. Sorrimos olhando a empolgação do menino. O puxo para um abraço e o aperto em meus braços, ele faz uma careta, mas logo se aconchega.

Fico meio boba ao ver o sorriso de Milena nos olhando. Passamos mais um tempo na casa da árvore, até o momento em que Heitor se lembra da torta de maçã. Abençoada torta. Voltamos para dentro de casa e seguimos direto para a cozinha, acompanhados de Kelly e Jéssica.

Nos servimos e engatamos em uma conversa agradável, já que Heitor realmente se vê empenhado em sua tarefa de comer a torta. Tudo lindo até Kelly, a rainha das indecências começar a contar histórias minhas que deveriam ficar lá no passado. Essa criatura ama me passar vergonha, pelo amor de Deus. Que ódio!

Ainda não entendi que tipo de conexão aconteceu quando Heitor e Milena se conheceram, só sei que é algo inexplicável. Num certo momento, o garotinho se senta no colo de Milena a abraçando pelo pescoço. Seu sorriso se abre, ela me olha e eu vejo suas orbes verdes ganharem um brilho que me encanta. Ela acaricia o rosto e os cabelos de Heitor, que encosta a cabeça sobre seu colo.

Meu Deus, eu vou explodir! Quanto carinho entre esses dois.

Como era de se esperar, Heitor pega no sono. Também pudera, né?! Correu para lá e pra cá a tarde inteira. Não consigo parar de sorrir com a cena. Me levanto e Milena me acompanha até o quarto do menino. Com muito cuidado ela o coloca em sua cama, e acaricia seus cabelos, sorrindo. Ele vira e se aconchega na cama, dormindo tranquila e serenamente.

Abraço Milena que está de costas e deixo um beijo em seu ombro, sinto sua mão apertando a minha por alguns segundos.

   — Obrigada por ser assim com ele... — agradeço sincera. — Heitor gosta muito de você. — a garota se vira, sorrindo.

   — Eu também gosto muito dele, é uma criança muito especial. — diz e eu concordo, lhe dando um selinho. — Assim como a mãe dele, que é uma mulher incrível... — fala, me arrancando mais um sorriso.

A noite logo cai, e Milena e eu temos que nos despedir, depois que eu a levo para casa. E na volta, eu só consigo pensar no que Kelly disse. Sim, talvez eu esteja mesmo me apaixonando por Milena Bianco.

   

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