Milena Bianco.
Domingo. O dia mais preguiçoso da semana e que eu, realmente, aproveito cada pedacinho da minha cama, por quase toda a manhã. Essa noite tive um sono dos deuses, boa parte da minha noite uma certa morena habitou meus sonhos, e agora comigo acordada se faz presente em meus pensamentos, me fazendo sorrir feito uma verdadeira idiota. Flashes do dia anterior me causam dezenas de suspiros, enquanto meus olhos permanecem perdidos no teto branco do meu quarto. Sem dúvidas, a tarde ao lado de Clara e Heitor me fizeram ter uma certeza, não é só um crush pela professora mais linda daquele colégio, eu posso dizer que estou completamente apaixonada por Clara Herrera.
Depois de mais de meia hora viajando em meus pensamentos, enfim me levanto. Sem muita preocupação, apenas escovo os dentes e prendo o cabelo em um rabo de cavalo, arrumo minha cama e saio do quarto. Na cozinha, encontro meu pai, cozinhando animado, ao som de Bon Jovi.
— Bom dia, pai. — digo um pouco mais alto, para que ele me escute. — Responsável pelo almoço hoje?
— Sim. — ele se aproxima, e me deixa um beijo na testa. — Bom dia, princesa.
Meu estômago parece fazer questão de ser ouvido. Enquanto converso algumas coisas com meu pai, preparo algumas torradas e depois pego uma xícara de café. Alguns minutos depois, Estella Bianco, entra na cozinha, com Phellipe engatinhando logo atrás dela. Assim que ele se aproxima, o pego no colo, enchendo o pequeno de beijos.
— Onde você estava em, rapaz? — o coloco de pé em minhas pernas, segurando suas mãozinhas.
Após colocar algumas sacolas no balcão, mamãe se aproxima e deixa um beijo em meus cabelos.
— Milena, quem é essa tal amiga que você anda saindo direto agora, em? — minha mãe me pergunta, me fazendo engasgar com meu café.
— Milena, que isso minha filha? — meu pai se aproxima preocupado, dando alguns tapas em minhas costas. — Levante os braços! Calma, respira! Sua mãe só fez uma pergunta...
— Acho que já entendi. — de olhos semicerrados, Estella Bianco faz uma cara que seria cômica e fofa, se eu não estivesse me tremendo inteira. — Você está namorando e não me contou, Milena Bianco?
— Não, mãe! — a olho incrédula. — É só uma amiga mesmo, eu juro! — dou de ombros, meu pai sai da cozinha rindo. — Mãe, ela é minha professora e filha do meu chefe. Somos amigas. Friends. Apenas isso, entendeu?
— Hum, entendi. — eu agradeceria se a parasse de me olhar com essa cara desconfiada, não tá ajudando. — E chegou em casa ontem, com aquele sorriso de orelha a orelha, por estar na casa dessa amiga?
— Vamos, dona Estella Bianco... — a encaro do mesmo jeito, cruzando meus braços. — Onde a senhora quer chegar? Interrogatório a essa hora do dia?
— Eu estou de olho em você! — aponta os dedos para os próprios olhos e em seguida para mim. — Primeiro, o passeio no parque. — começa a contar nos dedos. — Depois o aniversário da tal criança, e agora, ontem ficou a tarde inteira na casa dela e ainda voltou parecendo uma borboleta saltitante. — rolo os olhos, junto de uma risada. — Podem apenas ser amigas, afinal, ela é sua professora, mas eu conheço a filha que tenho e sei que há algo estranho nisso tudo.
— Meu Deus! — me levanto, com Phellipe no colo. — Com todo respeito do mundo, mamãe, mas a senhora está viajando. — coloco a mão em seu ombro. — Aliás, a única coisa estranha aqui, está vindo da fralda desse pirralho aqui. — faço cócegas em Phellipe , que dá gargalhadas. — Pode deixar que eu troco ele.
— Essa conversa não acabou, ok?. — grita a medida que me afasto.
Suspiro e sinto meu coração bater tão forte a ponto de poder ser ouvido por qualquer um que se aproxime. Como assim, minha mãe desconfia que eu gosto de Clara? Meu pai do céu, será que eu dou tão na cara assim? Oh céus, se minha mãe que nunca chegou a me ver com Clara, está com toda essa desconfiança. Imagina o que o Sr. Heitor não pensa de mim? Meu Deus, que vergonha!
— Mi... — dou um leve pulo ao ouvir meu apelido, olho para Phellipe sobre a cama. — Mi... — ele diz mais uma vez e eu sinto meus olhos se arregalarem mais ainda.
— É sério isso? — o encaro assustada. — Phellipe, repete isso... você falou? — termino de colocar sua fralda. — Mãe, corre aqui! — grito. — Pai, vem cá! — pego meu irmão no colo. — Você falou, garoto! — o aperto nos braços.
— Por que está gritando, Milena? — minha mãe chega correndo e meu pai logo atrás.
— Gente, o Phellipe falou! — digo, animada. — E adivinhem só o que ele falou?!
— Mamãe. — minha mãe diz.
— Papai. — meu pai fala, ao mesmo tempo.
— Não. — comemoro. — Ele disse “Mi"! Eu ouvi em alto e bom som, ele disse “Mi".
Ficamos comemorando a primeira palavra de Phellipe que, lógico me trouxe um grande orgulho, ainda mais por ter sido meu apelido. Do quarto, sentimos um forte cheiro de comida queimada, e em seguida, meu pai sai correndo pela casa.
Passamos o domingo em família, animados, da melhor maneira possível. E lógico, com meus pais não dando sossego para Phellipe, na tentativa de que ele fale de novo. Acho que a empolgação deles foi tanta, que meu irmãozinho acabou ficando tímido.
(. . .Quando o despertador toca na segunda, me levanto sem reclamar, e ok, até eu me espantei com essa. Arrumo minha cama e em seguida pego minha mochila, colocando os materiais do dia e o uniforme da livraria, já que hoje, eu e meus amigos vamos almoçar todos juntos no restaurante da vovó.
Depois de pronta, sigo até a cozinha, onde minha mãe prepara o café da manhã. Ficamos conversando aleatoriedades e por esses minutos, agradeço por ela ter esquecido o assunto dia anterior. Ou melhor, eu pensava que ela tinha esquecido.
— Tem aula com sua amiga hoje? Como é mesmo o nome dela? — me levanto, pegando minha mochila e meu copo térmico para colocar café.
— Tchauzinho mãe, te amo. Nos vemos a noite. — dou um beijo em sua bochecha.
— De olho em você, não se esqueça. Também te amo e juízo.
Sigo andando até a casa de Alexia e não sei porque milagre, quando chego a mesma já me espera na porta de casa. Vai cair um meteoro, só pode. Cumprimento minha amiga com um abraço e um beijo no rosto. E é lógico que, em nosso caminho ela me faz contar aos mínimos detalhes a visita a casa de Clara. E no meio desses detalhes, conto sobre o pequeno momento de alfinetadas entre Clara e Kelly.
— Realmente, ela foi lá no restaurante... e digamos que, trocamos alguns olhares meio significativos. — sorri. — Que genética maravilhosa, né?!
— Nossa, com certeza. — bebo um gole de café. — As duas são lindas, mas aos pés de Clara Herrera, ninguém chega.
Nosso percurso até o colégio dura pouco mais que quinze minutos. Assim que chegamos, avistamos Henrique, Anna e Valentina debaixo da "nossa" árvore no estacionamento. Nos aproximamos e após os cumprimentos, engatamos conversas triviais até o som do sinal. Para variar, Cecília chega correndo.
Os primeiros três horários se arrastam entre português, física e filosofia. Como uma inesperada e forte chuva começou e cair, fazendo assim o pátio coberto ficar lotado e Alexia e Cecília haviam levado algumas besteiras para comermos, optamos por ficar na sala durante o intervalo. Começamos a conversar trivialidades sobre o fim de semana, ou qualquer outra coisa. Eu sempre gosto desses momentos de conversas banais com meus amigos. E uma das coisas que mais amo neles, brincamos e tudo, mas quando necessitamos, sabemos ter uma bela conversa séria e profunda.
Em certo momento, após alguns minutos de conversa, o inconfundível perfume de Clara se faz presente na sala. E então, em segundos sinto sua presença em minhas costas, ela pousa as mãos delicadamente em meu ombro.
— Olá. — Clara nos cumprimenta, ao passo que me levanto. — Não foram para o intervalo?
— Aqui dentro está mais quentinho. — olho a mulher que sorria, parecia tímida. — Como você está?
— Ótima. — brinca com uma mecha do meu cabelo. — E você?
Antes que eu responda, Alexia inicia uma falsa crise de tosse. Rolo os olhos e encaro minha amiga que sorri tranquilamente.
— Não quer se sentar com a gente, professora Herrera? Comer algumas besteiras, jogar conversa fora, nos contar nossas notas na sua prova. — a garota pergunta e Clara parece ponderar por alguns segundos, e se senta na cadeira ao lado da que eu estava a alguns segundos.
— Bem esperta, Srta. Lucas. — Clara arqueia a sobrancelha. — Mas infelizmente não tenho as notas aqui. — faz uma falsa expressão de tristeza.
— Oh, que pena, professora Herrera. — Valentina, dramaticamente coloca as duas mãos sobre o peito. — Pensei que iria ver agora, minha primeira nota zero do ano. — a morena ri.
— Que isso, tenha certeza que você foi muito bem, Anna. — volto para minha cadeira.
Me calo e fico apenas olhando a interação de Clara com meus amigos. Não, não é pensando que isso seja ruim. Mas é que parando para pensar, Herrera apesar de às vezes ter seus momentos de descontração em suas aulas, nunca a vi conversando assim com algum aluno ou grupo. Essa morena é uma simpatia só, mas não é sempre que eu vejo ela dar uma abertura desse tipo. E mesmo assim, ela parece confortável, descontraída.
Fico alguns segundos absorta, e nem percebi que tenho os olhos focados em Clara. Saio de meu transe com uma cotovelada de Cecília .
— Milena? — Valentina me chama, praticamente gritando. — Tá voando em, loira? Será por quê? — pergunta e faço uma careta para a ruiva, que ri.
— Então, Em. — Henrique chama minha atenção. — Você estava fora de área, então provavelmente não ouviu. Que tal, irmos no cinema assistir o novo filme da Malévola?
— Ué. — olho confusa para o grupo. — O que eu perdi?
— Ai que menina lerda, pelo amor de Deus, Bianco! — Alexia diz. — Nós estávamos conversando sobre filmes e bom, ninguém de nós viu ainda. E como alunos extremamente simpáticos e extrovertidos... — como pode ter um ego tão inflado assim, gente? — Chamamos a professora Herrera para ir com a gente.
— Ah! — olho para a morena ao meu lado. — Você vai? — um sorriso enorme brota em meus lábios ao ver Clara acenando positivamente.
— Vamos hoje, na sessão das oito. Pode ser? — Anna pergunta, olhando provavelmente os horários das sessões no celular.
Todos concordamos, Clara se levanta e se despede do nosso grupo. Nossos olhos se cruzam por alguns segundos, e meu Deus, eu não me canso desses olhos amendoados me encarando dessa maneira. Após uma troca de sorrisos, me levanto e acompanho minha professora até fora da sala.
— Então, nos vemos mais tarde, Milena? — pergunta, alguns segundos depois olhando seus próprios passos.
— Sim. — sorrio, e ela retribui o gesto. — Você se sente incomodada pelo fato deles saberem... da gente? — pergunto hesitante, em voz baixa.
— Bom, não é bem um incômodo... — ela suspira, se encostando na parede. — só tenho um pouco de medo.
— Apesar de cada um ali parecer ter um parafuso a menos. — digo e ela ri. — Eu tenho certeza que não fariam nada pra me prejudicar, e muito menos você. — a morena afirma, cruzando os braços. — E bom, sabemos os segredos mais secretos um dos outros, e pode ser que algumas ameaças foram feitas. — novamente uma risada. E devo dizer, que é a risada mais gostosa de se ouvir.
— A amizade de vocês é linda, se você confia neles, eu fico mais tranquila. — continuamos andando. — Só, por favor, não comente com mais ninguém. — me lembro de minha mãe, e penso que provavelmente ela teria um surto se soubesse realmente de Clara. Tenho certeza que Estella Bianco estava pegando no meu pé por pura brincadeira, bom é o que eu espero. — Milena?
— Ok. — sorrio. — Então, até mais tarde professora Herrera. — coloco as mãos no bolso da jaqueta.
— Até mais tarde, Em. — me dá um beijo na bochecha e entra pela porta da sala dos professores.
Passo no banheiro e volto para a sala. As quatro aulas restantes se passam num piscar de olhos. Ainda bem. Saio do colégio junto de Alexia e Henrique, e ficamos no estacionamento a espera do resto do grupo. Depois, todos juntos seguimos rumo ao restaurante da ‘vovó’.
(. . .)
Após o maravilhoso almoço da 'vovó' pego um táxi e sigo para a livraria. Pago o simpático motorista e assim que desço do carro, dou de cara com Alice que, sorri abertamente ao me ver.
— Oi Milena. — me dá um beijo no rosto. — Teve um fim de semana legal? — pergunta quando passamos pela porta do estabelecimento.
— Ótimo. — realmente, foi maravilhoso, né? — E você?
— Ah, o de sempre, me entreguei a uma bela maratona de Vis a Vis e comi bastante besteiras. Ainda não conheço muito da cidade. — guardamos nossas mochilas. — Sabe algum lugar legal por aqui?
— Bom, depende do que você gosta.
— Hm, eu gosto muito de música, movimento, ver pessoas. — instantaneamente me lembro do C&K's Bar.
— Tem um lugar bem legal, se chama C&K's Bar. Costuma estar cheio, vai gente de todo tipo e tem sempre algum cantor ou banda local.
— Entendi. — posso perceber Alice levemente mordendo o lábio inferior, e logo me viro de lado escorando o braço no balcão. — Não quer dar um pulo lá hoje mais tarde?
— Nem rola. — me apresso, nem eu entendo porque fiquei tão nervosa. — Tenho um compromisso hoje a noite. — sorrio. — Fica pra uma próxima...
— Está me devendo uma, em?! — sorri e dá uma piscadinha.
Antes que eu abra a boca novamente, Sr. Heitor aparece na porta de sua sala, que estava entreaberta, e sai de lá, acompanhado de uma mulher, bem elegante aliás. É visível o modo imponente que ela tem ao andar. Lembra o mesmo jeito de Clara. E então, me recordo, é a esposa de Sr. Heitor, mãe de Clara e Kelly.
— Olá, meninas. — meu chefe se aproxima, simpático como sempre. — Boa tarde. — a mulher se posiciona ao seu lado. — Como estão aqui há pouco tempo, não foram apresentadas a minha esposa. Essa é Olívia Herrera.
— Prazer, Alice. — a moça rapidamente se levanta, e estende a mão para a mulher.
— O prazer é meu. — o sorriso de Olívia não é lá dos mais felizes, e isso me faz tremer por dentro.
— Prazer, sou Milena Bianco. — suspiro com um pouco de receio e estendo a mão, sorrindo.
— Finalmente estou conhecendo a famosa Milena. — solto o ar, que nem percebi estar prendendo nos pulmões. — Tem dias que meu neto não para de falar em você, no quanto você é legal... o prazer é todo meu, querida. — me abraça.
An? Ok né!?
Olho para Sr. Heitor que sorria largamente. Logo a porta da livraria se abre e dois clientes entram. Peço licença a Cora e Heitor e vou atendê-los. Tento não pensar no fato de ter acabado de conhecer a mãe de Clara. Bom, pelo menos ela gostou de mim. Fico feliz por minha provável futura sogra gostar de mim. Espera? Provável futura sogra? De onde tirou isso, Milena?
— Ei moça! — um dos clientes, um garoto de uns 14 anos, me chama já meio impaciente.
Peço desculpas e continuo o atendimento, saindo a procura do que o garoto me pediu. Encontrando, acabamos ficando por quase vinte minutos conversando sobre o livro. E como era um livro que eu já havia lido e realmente gostado muito, com todos meus elogios acabo os convencendo a levar. Os encaminho ao caixa, e percebo meu chefe me olhando. Disfarço. Ou ao menos tento disfarçar o nervosismo. Ultimamente eu tenho dado tanto na cara, que com certeza, Sr. Heitor tem sérias desconfianças minhas.
Fico organizando algumas estantes por um bom tempo, hora ou outra parando para atender algum cliente. No horário do intervalo vou a cafeteria, na mesma que fui com Clara outro dia, e compro o meu café, o de Sr. Heitor e o de Alice e algumas coisas para comermos. Ao sentir o cheiro do café, meu estômago faz questão de ser ouvido.
Em menos de quatro minutos, faço o caminho de volta até a livraria. E com um tempinho de sobra, olho algumas notificações no meu celular. Sorrio ao ver uma notificação com o nome de Clara.
Clara Herrera 🖤: Ei Mi! Sei que deve estar trabalhando, mas Kelly cismou que quer ir no cinema com a gente. Será que seus amigos se importam? E você, o que acha? (13:29)
Clara Herrera 🖤: E bom, se a Kelly for, não queria deixar a Jéss sozinha. (13:33)
Sorrio com a atenção voltada para o celular e nem vejo a presença de Sr. Heitor do meu lado. O susto foi tão grande, que o gole de café que eu havia dado enquanto lia as mensagens, entrou pelo lugar errado. Me fazendo tossir, tossir e tossir.
— Caramba, Milena! — Alice bate em minhas costas, enquanto Sr. Heitor pede que eu levante os braços. — Respira.
Será que Heitor viu as mensagens de Clara no meu celular? Minha espinha gela só de pensar. Mas por que? Ele sabe que eu e Clara temos uma boa convivência e em nossas mensagens não havia nada demais.
— Tudo bem, menina Milena? — meu chefe pergunta, após alguns segundos em silêncio.
— Sim, tudo bem. — dou meu melhor sorriso. — O café só fez o percurso errado. — pego uma rosquinha.
Ele sorri e sai rumo a sua sala. Dou um longo suspiro e me lembro que ainda não respondi Clara. Desbloqueio o celular novamente.
Milena Bianco: É claro que eles não se importam, Clarinha. Kelly é bem legal. E claro, chame a Jéssica também. Vamos todos juntos. (15:17)
Milena Bianco: E desculpe a demora, meu celular estava na mochila. Aliás, tive a honra de conhecer a Senhora Herrera hoje. Agora entendi todo essa sua elegância, professora. (15:18)
Milena Bianco: Bom, vou voltar para o trabalho. Nos vemos mais tarde. Beijos. Se cuida. (15:19)
O resto da tarde me concentro em atender os clientes e fugir das conversas de Alice. Ela parece ser uma pessoa legal. Mas sei lá, o jeito que ela fala quase em cima de mim é estranho. Enquanto não tem ninguém procurando por algum livro, me ocupo organizando e limpando algumas estantes.
(. . .)
— Ei Milena, já está indo? — novamente Alice me chama quando ultrapasso a porta para sair da livraria.
— Ahm... sim, meu pai vai vir me buscar. — digo, já vendo o carro de Otávio Bianco estacionando próximo à mim. — Tchau, até amanhã.
Vejo Alice, dar um sorriso meio forçado, após um aceno e entro no carro de meu pai. Seguimos em uma conversa animada. Desde pequena, sempre fui grudada com meu pai. Assumo que nos distanciamos um pouco ultimamente, mas sempre que pode, ele me compensa com os melhores momentos juntos, por mais simples que sejam.
— Mãe, vou no cinema com os meninos, posso? — pergunto, assim que passo pela porta da sala.
— Oi Milena, tudo bem? Ah, obrigada, estou ótima. — rola os olhos. — E sim, pode ir sim.
— Ah, desculpa. — sorrio sem graça. — Boa noite, mãe.
Não demoro muito a me arrumar, depois do banho, visto uma calça preta justa, uma regata branca e por cima uma blusa xadrez. E lógico, minhas inseparáveis botas. Deixo meus cabelos soltos para se secarem naturalmente pelo caminho.
— Hm, o que você quer em rapazinho? — pego Phellipe que se segurava em minha cama. — Fazer bagunça, né?! — brinco com seus cabelos.
Olho no celular, sete e meia. Pego Phellipe no colo e saímos de meu quarto. Na cozinha, quase morro de amores ao ver minha mãe e meu pai cozinhando juntos. Sem dúvidas, um dia eu quero ter um casamento assim.
— Mãe, pai. — chamo a atenção dos dois. — Por que amanhã vocês não saem? — me encosto no balcão, e apenas curto a cara de surpresa dos dois. — Tirem um tempo pra vocês. Eu venho direto da livraria pra ficar com o Phellipe .
— Só queria saber que bicho te picou. — minha mãe se aproxima, colocando a mão na minha testa. — Está tudo bem?
— Nossa mãe, assim você me ofende. — faço bico. — Eu sempre gosto de ajudar com o Phellipe , vocês que acham que eu não consigo cuidar dele sozinha.
— Eu confio, Mi. — meu pai se pronuncia. — Tanto que sim, eu e sua mãe vamos sair amanhã. — diz e minha mãe o olha sorrindo. — Como não fazemos há um bom tempo.
— Ótimo. — quase derreto com os olhares apaixonados dos dois. — Agora, eu vou indo. Tchau. — mando um beijo no ar e saio.
(. . .)
Depois de encontrar um táxi e pedir para passarmos na casa de Alexia, o caminho até o cinema é tranquilo. Não contei para minha amiga que Kelly vai, hoje é minha vez de fazer surpresas por aqui. Como já era de se imaginar, pontual como sempre, Clara já havia chegado quando nos aproximamos. E Deus, eu nunca vou me acostumar com a beleza dessa mulher.
Antes de nos aproximarmos, Henrique , Anna, Valentina e Cecília se juntam a nós, também haviam acabado de chegar. Chegando perto de nossa professora, a cumprimentamos e agora, ela parece ainda mais solta que no colégio. Mais solta, mais leve e se possível mais linda. Sou a última a cumprimentar Clara, e com isso, tenho todo o direito do mundo de demorar um pouco mais em nosso abraço. E que abraço. Que perfume. Como eu queria beijar essa mulher aqui mesmo.
— Bom, vamos então? — Henrique pergunta.
— Só um minuto. — Clara olha incansavelmente seu relógio de pulso. — Droga, cadê essas duas?
— Quem? — Alexia olha para nossa professora.
— Kelly e Jéssica vão vir também. — vejo minha amiga mudar sua cor de branca, pra vermelha. Como é bom o gosto da vingança. — Tudo bem, né?
— Lógico que sim. — Cecília responde, enquanto abraça Alexia de lado, dando alguns tapinhas em seu braço. — Aliás, tudo ótimo né, Alê?!
Dois minutos depois, Jéssica e Kelly se aproximam. Clara apresenta as duas ao resto do grupo, e lógico, nem preciso dizer quantos olhares sugestivamente comprometedores Alexia e a ruiva trocaram em menos de três minutos. Começo a rir sozinha ao me lembrar da troca de farpas entre Clara e a irmã.
Henrique, vulgo amor da minha vida havia comprado os ingressos mais cedo, então seguimos direto para a sala do cinema. Não sei porque milagre, o local não estava cheio como eu imaginei que estaria. Nos assentamos, Valentina, Anna, Cecília, Henrique, Alexia, Kelly, eu e Clara. E claro, meu lugar não poderia ser melhor. Lógico que eu vou prestar atenção no filme. No filme, e na beldade ao meu lado.
Eu já havia visto o lado bem carinhoso de Clara com seu filho, com seu pai, com sua irmã. Mas eu ainda não me acostumei com Clara Herrera sendo carinhosa comigo. Lógico, minha fértil imaginação cria situações assim desde que vi Clara no colégio pela primeira vez, há dois anos atrás, mas como eu sempre digo. Nunca pensei que realmente aconteceria.
Meu sorriso se abre de uma forma bem boba quando a mão da morena procura a minha, e assim que encontra, enlaça nossos dedos. Mesmo no escuro da sala, ao me virar posso ver o sorriso de Clara, e bom, eu não sou de ferro, quem conseguiria se segurar com um sorriso desse há poucos centímetros de distância? Me aproximo e dou um selinho na mulher, mas sua mão livre segura levemente meu rosto e inicia um beijo.
Fecho os olhos e sinto a mão de Clara fazer o caminho até minha nuca, deixando alguns leves arranhões. O beijo se torna mais intenso e por questão de segundos me pergunto se o ar condicionado parou de funcionar. Novamente passeando pelo meu corpo, a mão da morena pousa na minha coxa, apertando o local. Me fazendo suspirar de forma pesada.
Sinto Clara dar um leve pulo e em seguida separar o beijo, ela olha para o lado, fuzilando a amiga, que a olha com uma falsa seriedade.
— Vou ter que trocar de lugar com alguma de vocês? — a loira sussurra. — Se comportem, mocinhas.
— E por que não tá prestando atenção no filme, querida amiga? — Clara se ajeita na cadeira. — Chata.
O sorriso sapeca de Clara me faz sorrir também. Mas logo minha expressão muda para atônita ao ver a cena que acontece na cadeira ao lado. Kelly e Alexia aos beijos.
Ok, o que eu perdi aqui?
Ao fim do filme, demoro alguns minutos para me acostumar com a claridade. Saímos da sala empolgados, comentando sobre o filme, que realmente era muito bom.
(. . .)
— Faz assim, eu e Kelly estamos de carro, podemos levar vocês. — Clara diz, após sairmos da lanchonete que havíamos parado para comer e conversar.
— Quem mora perto de quem? — Kelly pergunta.
— Anna, Valentina e Henrique podem ir com a Kelly e eu, Alexia e Cecília vamos com Clara, pode ser? — todos concordam, e assim nos dividimos nos carros.
Após deixar minhas amigas em casa, sigo no carro com Jéssica e Clara. E realmente, a amiga da morena é uma peça. Logo chegamos próximas a minha casa, desço do carro e dou a volta até o lado do motorista.
— Até amanhã... — trocamos um selinho.
— Podem se beijar a vontade, eu não tô olhando. — Jéssica diz, me fazendo rir, ainda mais ao ver o rosto de Clara ficar levemente corado.
Seguro o rosto da morena e dou início à um beijo calmo, podendo sentir ela sorrir durante o ato. Não sei que tipo de feitiço a boca de Clara tem, mas desde o nosso primeiro beijo se tornou e tem sido meu maior vício ultimamente.
Clara Herrera. Uma semana depois. Depois de um dia extremamente cheio, tudo que eu quero e preciso se resume a um belo banho, cama e dormir com meu pacotinho perto de mim. Deixo Heitor na sala, assistindo seus desenhos e sigo para o meu quarto, a cada passo no cômodo, uma peça de roupa é retirada. A água morna em contato com meu corpo me tira um suspiro de satisfação. Nossa, como eu precisava disso! O jantar na companhia do meu pequeno não poderia ser mais agradável, logo depois, nos deitamos em minha cama, e adivinha só? Mais desenho. Ficamos nessa programação até Heitor pegar no sono. Já eu, ainda demoro um pouco para, enfim, conseguir dormir. Fico vagueando pelos canais de TV, passando por diversas séries, filmes, documentários e nada consegue prender a minha atenção. Então, o que me resta é fechar os olhos e esperar o cansaço fazer efeito, enquanto rolo para lá e para cá na cama. (. . .) Assim que o som do celular quebra o silêncio
Milena Bianco.Ainda de olhos fechados, ouço o som do relógio de mesa tocar no móvel do lado de Clara. Já estava acordada há um tempo, mas a satisfatória sensação de paz me fez fechar os olhos e ficar apenas curtindo a sensação de ter Clara assim em meus braços. Conforme o barulho aumenta, ela se meche na cama de forma preguiçosa, dizendo algumas coisas que não entendo. Provavelmente em reclamação pelo som.Estico o braço e desligo o despertador, enquanto ela se encolhe entre o cobertor e meu corpo. — Bom dia. — dou um beijo em seus cabelos. — Bom dia, Mo. — sua voz rouca é ouvida próxima ao meu ouvido. — Dormiu bem? — Maravilhosamente bem. — ela me olha, e meu Deus, esses olhos castanhos me desestabilizam de uma forma. — E você? — Não poderia ter tido um sono melhor. — sorri. — Corrigindo, não poderia ter tido noite melhor.Ok, talvez eu vá repetir muito por aqui que estou sorrindo
"Eu estou apaixonada por você, Milena Bianco." Essas sete palavras estão ecoando na minha cabeça até agora, e posso ouvi-las saindo da boca de Clara como se ela ainda estivesse na minha frente, com aquele sorriso enorme ao dizê-las. Agora eu sei que meus sentimentos por Clara são recíprocos e gente, eu não poderia estar mais feliz. — Loira, agora a gente tem que pensar no próximo passo, né? — Cecília diz, enquanto nos encaminhamos ao restaurante da ‘vovó’ — Que próximo passo? — pergunto de cenho franzido. — O seu pedido de namoro para nossa querida professora Herrera. — Henrique diz, óbvio. — A gente está ficando faz muito pouco tempo, gente. Está tudo tão gostoso que eu não quero correr o risco de estragar nada. — Bianco, acorda! — Valentina me olha indignada. — Uma beldade daquelas se declara apaixonada pela vossa pessoa, e você ainda tem medo de estragar o
Clara Herrera. Quando pequena, eu era uma criança daquelas extremamente sonhadoras. Sempre me envolvia naquelas histórias de contos de fadas e princesas que encontravam seus príncipes e tinha seus famigerados e esperados finais felizes. Mas ao longo dos anos, esse meu lado sonhador foi se esvaindo e dando lugar a consciência que a, nem tão bela, vida real nos traz. Quando eu conheci Juan Carlos, eu assumo, não tinha muita certeza do que sentia. Éramos novos e eu fui deixando o embalo das coisas me levar. Lógico, no início, tudo são flores. Juan Carlos se mostrava cavalheiro, atencioso, tudo de bom que uma mulher espera. Mas acho que o desgaste foi chegando e com o casamento, tudo foi se ruindo. Até ele começar a se mostrar um verdadeiro idiota e o pior de tudo, não só comigo, mas também com Heitor. E isso, além da traição, para mim, passou a ser inaceitável. Agora, parando para pensar, eu tirei a conclusão que, apesar de já ter v
Clara Herrera. — Clara, você pode desarmar um pouco? Eu só quero conversar com você. — pela décima vez na manhã, desde que Juan Carlos chegou, suspiro impaciente. — Juan Carlos, você veio buscar o Heitor e eu tenho que arrumá-lo, e por favor, eu não tenho nada pra falar com você. — Eu mudei. — diz e minha risada sai como se ele tivesse contado a piada mais engraçada do mundo. — É sério, eu mudei Clara. Eu percebi que fiz a maior burrada da minha vida, acabei com nossa família e agora estou arrependido. — Nossa, mesmo Juan Carlos? Só que tem uma coisa, você demorou demais a perceber isso tudo e se arrepender. Vai se foder você e seu arrependimento. Sigo para o quarto de Heitor o ajudando a terminar de se vestir. Mais um fim de semana que meu garotinho vai passar com o pai e eu ainda não me acostumei, nem a ficar tanto tempo longe dele e nem a ter Juan Carlos sob o mesmo teto q
Milena Bianco. Eu nunca lidei muito bem com a morte, sabe? Minha primeira perda, foi o Luck, o primeiro cachorro que tive e morreu quando eu tinha quatro anos. Depois disso, quando eu tinha sete anos meu avô, pai da mamãe se foi e por último, um primo com o qual eu cresci se envolveu em um acidente. E em todas essas situações, eu me reclui, me fechei por um tempo. E agora, sinto que estou fazendo o mesmo. Só que dessa vez, o que mais me entristece é o fato de Elizabeth Bianco ter ido embora ainda com ressentimentos sobre mim. Nós éramos tão, mas tão unidas quando eu era menor, e no fim das contas, sua indiferença em relação à mim esteve presente até o momento de sua morte. — Eu queria muito, muito mesmo estar com você aí, minha linda... bem abraçadinha com você e te dando força, mas acho que seus pais devem saber de nós da forma certa. — Clara diz, em mais uma das nossas vídeo chamadas. — Eu sei, querida. Mas você já está me dando fo
Milena Bianco(. . .)Como era previsto, chegamos em casa de madrugada, e como dormi boa parte da viagem, agora estou sem um pingo de sono. A primeira coisa que fiz ao colocar os pés em casa foi tomar um banho, pois apesar de não estar com sono, meu corpo se sente cansado. Deixo a água morninha cair sobre mim, me dando a satisfatória sensação de relaxamento. E por fim, visto alguma coisa leve e me jogo na cama.Pego meu livro afim de continuar minha leitura. E após uma boa quantidade de páginas, termino por dormir com o livro sobre o rosto. E durante o sono, acabo sonhando com vovó Liza. Mas dessa vez não foi um pesadelo, como os vários da noite retrasada. Foi um sonho leve e que me trouxe ainda mais paz, do que quando soube que a não havia ido embora ainda chateada comigo. No sonho, estávamos em um jardim, como o que tínhamos em nossa antiga casa e vovó adorava cuidar. E assim, estávamos fazendo o mesmo.Como em flashes, em outro
Milena Bianco. — Milena, quando é que a gente vai sair? Sinto que você só tá me enrolando. — Alice me cobra pela décima vez na semana. — Não sei, Alice. — digo, pegando minha mochila.— Agora eu tenho que ir, depois nos falamos, tá bom? — tento não ser grossa, apesar de toda essa sua insistência me deixar um pouco desconfortável.Sigo até a sala de Sr. Heitor afim de me despedir do meu chefe. Ele sai de sua mesa e se aproxima, sorrindo. — Já vou indo, Sr. Heitor . — trocamos um abraço rápido. — Até amanhã. — Até amanhã. Vai ver Clara hoje? — Sim, vamos levar o pequeno no cinema. Contaremos e conversaremos com ele sobre nós. — sorrio.— Desde já, desejo s