Ela

Hospital geral de Bergen, Haukeland, Noruega. Nina estava terminando um procedimento de cateterização em uma paciente (uma senhora de idade avançada que não media palavrões e xingamentos). As estudantes de enfermagem, pelas quais Nina era responsável durante o estágio, não paravam de rir do que a senhorinha dizia. Finalmente elas terminaram e foram para a sala de reunião, onde discutiam o resumo do que havia sido feito no plantão daquele dia.

 Nina era enfermeira chefe de seu setor, uma mulher de 1,63 cm de altura, decidida, pulso firme quando se tratava de assuntos de trabalho, ao mesmo tempo em que, os funcionários a tratavam com carinho e brincadeiras o tempo todo. Seus cabelos viviam presos num coque, seus olhos verdes amarelados eram vibrantes, e ela nunca se acostumava com as pessoas comentando a cor deles. Ela estava exausta, contando os minutos para que aquele dia de trabalho terminasse logo, pois enfrentaria um trânsito enorme até chegar à sua casa.

Nina se despediu de todos, apressou-se até o vestuário, tomou um banho, trocou de roupa e se foi. Ao retirar o telefone do modo-avião, recebeu a mensagem de Dave por Hangouts do g***l. Ela encarou o telefone por alguns segundos e foi até o estacionamento buscar seu carro, pôs suas músicas de forró romântico e enfrentou o estacionamento intenso que se formava todos os dias por volta de três da tarde em direção ao lado oeste de Bergen. Entrar em seu carro era como voltar ao passado dos anos 80, sua lista de reprodução fazia qualquer um jurar que ela estava apaixonada, mas não, isso nunca acontecera.

Nina tentou trocar a lista que tocava, parada em frente a mais um túnel, foi então que chegou mais uma mensagem em sua tela do celular:

— Sou eu, Richard. Mantínhamos contato há muito tempo atrás, mas nos perdemos um do outro.

*mensagem visualizada

*Digitando...

— Olá, Richard. Desculpe, mas não lembro de você.

— Nos comunicávamos nas redes sociais, pelo o que eu entendi, mas aí você me enviou um e-mail dizendo que havia excluído suas páginas online.

20 minutos se passaram...

Nina chegou em casa, tirou os sapatos, pendurou as chaves, e subiu para o seu quarto no segundo andar.

— Ah, tá! Verdade. Exclui todas há muito tempo.

— Como você está?

Nina andava de um lado para outro arrumando sua residência, as músicas tocando, foi até a cozinha e começou a fazer o seu jantar.

David ficava impaciente pelo tempo que Nina levava para responder. Não parava de olhar a tela do seu telefone, então digita:

— Espero não estar lhe incomodando.

— Eu estou bem, obrigada. Você não está me incomodando, mas é estranho falar com alguém sem um rosto no perfil.

— Sim, é estranho. Posso enviar-lhe várias fotos depois de nos conhecermos melhor.

Nina ficou pensativa... Ela achava que era um trote de seus amigos. Resolveu ver até onde eles iriam. Uma hora ela ia pegar eles na mentira!

— Você ainda está no hospital? Lembro que você era enfermeira.

— Sim, ainda sou.

— O que está fazendo agora?

— Estou escutando músicas no Spotyfi, cozinhando, limpando a casa, e ao mesmo tempo tentando colar unhas postiças. E você?

— Estou me despedindo do meu apartamento, nesse minuto. Fazendo as malas.

— Vai viajar?

— Sim. Estou me mudando.

— De Bergen?

— Não. Norte da Europa.

— E vai me dizer para onde está se mudando?

— Estou voltando para casa.

— e também vai me dizer onde é essa casa?

— Rindo... Sim.

Depois de um bom tempo em silêncio, Dave resolveu não revelar muito sobre sua identidade. Não queria mentir ao conhecê-la, mas em sua situação, era difícil falar abertamente. Tudo o que Nina tinha dele era algumas mensagens do G****e Hangouts, sincronizadas com o G-mail. É sabido que muitos impostores e quadrilhas organizadas usam esse aplicativo, assim como usam W******p para aplicar golpes em homens e mulheres na internet.

Nina olha impaciente para a tela de seu aparelho móvel e sente-se ligeiramente irritada com aquele diálogo vago, lento, onde o outro lado da linha não completava as falas.

— Estou esperando... — escreveu ela.

— Acabei de terminar um trabalho de muitos meses, onde morei em vários países, agora estou voltando para Londres, pelo menos por algum tempo, até começar a trabalhar novamente.

Nina clicou no perfil do aplicativo de mensagens: Apenas Richard, era o que estava escrito lá. Sem foto de perfil, apenas um ícone de uma filmadora do lado do nome de usuário. Vasculhou a conta dele inteira, o G-mail estava lá, opção calendário, mensagem e chamada de telefone ou videochamada. Então entrou em seu e-mail, mas o histórico tinha sido apagado por ela.

— Olha, desculpe pela franqueza, ou sou eu que sou muito esquisita ou, não é normal ficar conversando com estranhos online. Principalmente com alguém sem foto, sem precedentes de amizade comigo, você não está em meus contatos, me adiciona do nada num aplicativo novo e quer que eu te conte meu dia a dia? Você não me conhece!

Na verdade, o G****e Hangouts existe desde 2013, mas essa ferramenta ganhou mais relevância em 2020, devido ao cenário em que a comunicação virtual se fez mais necessária e presente.

—   Sim, eu conhecia. Também não lembro muito de como nos conhecemos, ou por que terminamos. Quero dizer, perdemos a comunicação, mas eu tenho inúmeras conversações entre nós. O que me fez tentar retomar essa aproximação.

— Não achei nenhum e-mail. Nada! Por que você reapareceu agora?

— Bom, foi por acaso. Eu estava deletando essa conta e tudo o que estava sincronizado a ela, então vi nossos diálogos. Eu estou solteiro, de férias... Foi isso.

— Hum! Férias... sei. Fala logo que foi um de meus amigos que passou o meu contato para você. A verdade é sempre bem-vinda! Qual deles? Kara ou Lyon?

— Não conheço nenhum dos dois.

David sabia tudo da vida de Nina, devido a sua vasta biblioteca de fotos online, e ao fato de seu telefone ser sincronizado ao G****e em tempo real.

— Escuta aqui, Rich! Vou bloquear você agora.

— Não. Por favor, não faça isso!

— Adeus!

— Não perco o meu tempo falando com estranhos. Ou você me convence agora do porquê eu não deveria te deletar, ou eu não aviso de novo.

— Espera! Eu vou contar tudo, mas você não vai acreditar. Talvez piore ainda mais...

— Tente!

— Eu sou um ator muito famoso, você deve ter percebido pelo nome de usuário do e-mail, Richard é um pseudônimo. Pelo que eu entendi, você falava com alguém na internet que se passava por mim, então alguém lhe deu o meu endereço de e-mail, e você passou a m****r mensagens para mim, e eu as respondi por um longo período, até você sumir.

Nina parou, pensou, levou um tempo juntando os fragmentos em sua cabeça, relembrando o tempo em que denunciou vários charlatões e estelionatários na internet, que quase sempre se passavam por alguém famoso, atores, cantores, modelos ou militares.

— Então, você é David Nichols?

— Sim.

— Devo desmaiar agora?

Nina enviou várias mensagens o ironizando. Ela tinha certeza de que aquela pessoa, ou era um dos charlatões das internets, ou algum tipo de brincadeira.

— Se fosse em outra época, eu continuaria falando com você até conseguir prova o suficiente para te denunciar, mas hoje em dia, não tenho mais tempo.

— Nina. Sou eu, de verdade. Sou David. No início pensei que você soubesse, já que mantinha contato me chamando pelo meu nome no G-mail, mas depois sabia que você poderia não acreditar.

— Famoso ou não, nem reconheceria seu nome em e-mail, não sigo redes sociais de famosos, não faço parte da cultura pop. Você sabe com quantos David Nichols eu devo ter falado? No mínimo uns 300. Denunciei todos. Eu trabalhava com isso querido. Era meu Passa-Tempo predileto!

— Então foi assim que você chegou até a mim?

— Deve ter sido. Faz mais de dez anos... fases da vida.

— Você acredita em mim, agora?

— Ah, claro que eu acredito! É super comum hoje em dia, um ator superfamoso de Hollywood entrar em contato com desconhecidas na internet...

— Eu sei que isso tudo é muito surreal. Você deve ter ouvido isso de milhares de impostores, mas sou eu! O que eu posso fazer para provar?

— É sério isso? Nossa, que cansativo! Vai mesmo insistir? Só de pensar que existem milhares de mulheres que caem em golpes financeiros todos os dias através de psicopatas sem escrúpulos, como você, é uma pena! Vocês se aproveitam do momento frágil de uma pessoa solitária, e brinca com seus sentimentos, lhes prometem amor e retira todo o dinheiro que pode dessas pessoas... Sinto muito por elas! Se entrar em contato comigo novamente, vou lhe expor publicamente! Espero que você seja preso, e que queime no fogo do inferno para sempre!

David impulsivamente clicou no ícone de chamada de vídeo, e paralisou diante da tela quando leu a notificação dizendo que ele estava bloqueado! Ele sentiu toda a sensação de impotência correr em suas veias naquele instante. Não conseguiu nem tentar provar que não estava mentindo! Ele continuou olhando para a tela do telefone, irritado, inconformado, e decidiu esquecer essa história. Apagou tudo o que existia em seu computador, e desconectou sua conta do G****e de tudo que existia naquela máquina.

Nina, do outro lado, estava indignada com esses mafiosos, que a cada dia se espalhavam mais rapidamente nas redes sociais, ela mais do que ninguém, odiava mentiras.

David fez as malas, alcançou seu voo para Londres, e sentado a bordo da aeronave, ele não deixava de pensar na atitude de Nina. Uma inquietação invadia seu peito, atiçando a curiosidade, por um instante se pegou torcendo para que ela não o desconectasse do acesso à sua biblioteca. Abriu o G****e fotos no seu telefone, fez o login para conferir e se pegou aliviado, suspirando alto, quando viu que tudo ainda estava lá. Sorriu, e continuou sua espionagem.

Tirou alguns prints das fotos que ele julgou interessantes, pois, tinha medo de fazer downloads, não sabia se ela receberia notificações. David revirara álbum por álbum, desde a primeira foto que ela havia salvado na plataforma até o avião pousar. Olhar a vida daquela estranha tinha se tornado seu hobby preferido. Perdido entre sorrisos, olhando para algumas selfies dela, pensou:

“Como uma pessoa registra tanto sua própria vida sem postar em lugar algum? Para que tantas fotos, então”?  Pensou ele.

Em seguida se questionou como era possível que ainda existisse pessoas assim, que conseguiam viver suas vidas sem querer exibi-las para uma rede de “amigos”, ou seguidores. Imagens de seus avós passaram em sua mente, o fez lembrar que as pessoas registravam sim suas vidas, só que de uma outra forma, em um outro tempo, e as mantinham em fotografias, álbuns físicos, grandes e pesados, alguns todos enfeitados, nas quais as pessoas mostravam para toda visita que chegava em suas casas.

O fato de Nina não querer ter sua vida exposta, não significava que ela não queria registrar todas as memórias, para que quando quisesse, as revivesse. Foi o que David concluiu.

A semana de David havia passado como uma ventania sem tempo para parar. Nina não havia mais pensado no desconhecido do G****e Hangouts, e David já havia tido tempo o suficiente para descobrir o número de telefone de Nina, devido as conversas de W******p, o local onde trabalhava, o setor, o cargo, o endereço, e tudo devido aos milhares de prints que ela tirava de tudo diariamente.

Na semana seguinte Nina havia terminado mais um dia de trabalho no hospital, e se apressava para ir ao encontro de seus parceiros de viagem, Lyon e Kara. Viajar com seu primo e sua melhor amiga, era algo que Nina ansiava, pois, os três não tiravam férias há muito tempo. Eles estavam muito animados com essa aventura, e inclusive já estavam do lado de fora a esperando no estacionamento, para dirigir até o aeroporto.

Kara era fisioterapeuta, apesar de sua melhor amiga dizer-lhe o tempo todo, que ela deveria montar sua própria empresa de eventos, turismo ou assessoria. Ela, assim como Nina, trabalhava muito o ano inteiro, e quando tinha a oportunidade de se reunir com seus melhores amigos, ela fazia questão de planejar passo a passo, cada detalhe, garantindo que eles trouxessem na volta as melhores recordações. Eles tinham bilhetes VIPs das melhores discotecas, tinham mesa reservada nos locais mais requisitados, restaurantes badalados, e tudo mais que Kara houvesse planejado. Nina sabia que com aquela viagem, ela não faria diferente. Graças a Kara, ela sabia que eles teriam tudo do bom e do melhor.

Lyon era homossexual, alto, forte, não saia da academia de musculação. Ele tinha cabelos pretos, olhos pretos, pele bronzeada e se vestia como elegantemente moderno. A mulherada enlouquecia quando o via, até lamentarem ao saber que ele era mais um concorrente contra elas, quando se tratava de homens bonitos. Como Nina costumava dizer: Mais um na “fila do pão”, ou seja, ele também estava ali para filar os “boys magia”, dizia ela.

Então, os três se encontraram...

Quando Nina entrou no carro, Lyon foi logo pegando o celular dela e pondo uma música para ouvirem no caminho até o aeroporto. Na ida eles mexiam no celular de Nina enquanto escolhiam as músicas de reggaeton, músicas da cantora Anitta do Brasil e vários outros latinos. 

Lyon e Kara conversavam, riam e piscavam um para o outro. Nina desconfiava que eles estavam sempre aprontando. O que Nina não sabia era que eles haviam instalado um aplicativo de namoro no seu celular. Como ela havia desativado todas as notificações do telefone, não via quando os possíveis pretendentes na Itália a respondiam no aplicativo de relacionamentos. E assim os dois amigos se divertiam à custa de Nina, sem que ela soubesse do que se tratava, durante todo o percurso do avião até chegarem no seu destino: Roma.

Nina não era de amores, talvez nas letras de músicas, filmes e livros, mas nem um pouco na vida real. Era receosa, teimosa, decidida e muito reservada. Ela não era tímida, mas não gostava de multidões, não gostava de andar em grupos e não tinha paciência para debates. Ela também tinha uma cisma com relação a viagens. Conhecia de perto muitas histórias nebulosas sobre desaparecimentos de mulheres ao redor do mundo, pois havia trabalhado muitos anos sendo militar, e servindo à cruz vermelha, estando envolvida em vários projetos voluntários, voltados a famílias e mulheres vítimas de violência, sequestro e descaso da sociedade, tanto no Brasil como na Noruega.

Havia sempre alguém que conhecia alguém que foi envolvido em algo assim, e que lhe contava histórias do que se ouve ao longo dos anos morando no Brasil, ou viajando ao redor do mundo. Devido ao seu engajamento em trabalhos sociais que visavam proteger o direito das mulheres, Nina estava sempre atenta para não correr perigo.

Sabendo disso, dessa cisma da amiga, que era super desconfiada em relações aos homens, principalmente os que se achavam poderosos, um tanto quanto um pouco mais exagerada do que as demais, Lyon e Kara decidiram “ajudá-la” a encontrar paqueras “online”, mesmo sabendo que ela jamais concordaria se soubesse, ainda mais com o aplicativo ajustado para captar italianos em Roma. Por esse motivo, o primo e a amiga, não lhe contaram suas armações.

Lyon e Kara sempre informavam aos “matches” onde e quando Nina estaria com eles — numa possível balada ou restaurante quando ainda estavam na Noruega, por exemplo — mas nunca marcavam um encontro, com medo de serem descobertos por Nina. O intuito era atrair esses pretendentes até ela, fazendo parecer esporádico. Tiveram sorte até o momento, pois muitos homens desse aplicativo já haviam se aproximado de Nina em algumas dessas festas anteriormente, e agiram estranhamente, como se já a conhecesse.

Ela nunca sabia o porquê de eles demonstrarem tanto interesse, mas desconfiava de Lyon e Kara, pois, eles estavam sempre tentando arrumar-lhe um namorado. Nina acabava virando o rosto e indo embora para bem longe desses pretendentes. Ela sempre tivera esse jeito agressivo com os homens, inexplicavelmente chata e temerosa em relação a permitir que um estranho se aproximasse dela, ainda mais se este estivesse tentando lhe prestar algum tipo de favor. Para ela era difícil até mesmo aceitar uma bebida de um desconhecido. Apoiava tudo que tivesse a ver com empoderamento feminino e evolução do papel das mulheres na sociedade. Não conseguia aceitar uma vida onde tivesse que se submeter aos caprichos de um homem.

Ao chegar no hotel, os três desfizeram as malas e brindaram com taças de vinho e champagne. Entre uma taça e outra, Kara dava um “like” na foto de algum italiano sensual, guiada de vez em quando por Lyon. E no meio de tantas curtidas, um perfil sem fotos foi adicionado ao de Nina. O nome do perfil era “".

David havia visto os prints do perfil de Nina num aplicativo de namoro. Kara e Lyon encaminhava as fotos para si próprios, e deletava do celular dela, mas mesmo deletando do aparelho, as fotos subiam para o G****e fotos. Então, ele fez um perfil pago, onde poderia escolher em qual cidade, e região ele queria sincronizar com os outros usuários. Não sossegou até encontrar o perfil dela online!

Nina voltou-se para eles.

— O que vocês estão fazendo?

Um Lyon e uma Kara embriagados pelo efeito do álcool se entreolharam. Não haviam parado de beber champagne desde a hora que entraram no avião de Bergen para Roma.

Tarde demais. Nina se aproximou de repente deles e viu as mensagens sendo trocadas em seu celular.

— Mas o quê... — Nina tomou o celular das mãos de Kara. — Mas o que vocês estão fazendo!?

Uma discussão se iniciou.

 Os dois amigos não conseguiam levar aquela discussão a sério, enquanto Nina estava surtando com o que eles fizeram. Os dois riam e não paravam de se justificar, usando argumentos que afirmavam que só assim ela ia desencalhar, já que estava sozinha há muito tempo e não dava chance a ninguém. Eles já sabiam que ela teria essa reação, e estavam dispostos a aceitar as broncas.

 A sorte era que eles realmente eram muito amigos, amigos queridos de infância. Caso contrário, a briga teria sido séria, apesar de ter se ouvido gritos e histeria de todas as partes.

Nina começou a ler as mensagens em voz alta e a deletar metade dos matches do telefone. Os amigos tentavam tomar o aparelho da mão dela e se desesperavam pedindo para que não excluísse o aplicativo. Eles riam e brigavam, tornavam a rir novamente e aquilo tudo virou uma loucura! 

Nina continuou lendo as mensagens mais recentes em voz alta e descobriu que metade da cidade já sabia o local da festa onde ela estaria com Kara e Lyon. Mas o choque maior foi quando viu as mensagens de um perfil sem foto: “A festa do ano!” Como ele descreveu. “Não perderia por nada nesse mundo”.

Nina leu em voz alta a resposta de Lyon e Kara:

— Espero ver você na festa, estranho. Estaremos numa tenda perto da pista de dança e do bar, é claro! Espero que você seja alto, bonito e muito sexy! Ficarei 14 dias aqui e espero encontrar algo especial.

Ela mal pôde acreditar que estava lendo aquelas mensagens. Ela deu sermões sobre o quanto era perigoso ir a um encontro às escuras, ainda mais em outro país. Não parava de tagarelar sobre como o resto do mundo não era igual a Noruega. No final de tudo, sentou-se na cama com o celular na mão, à beira de ter uma crise de choro, quando os amigos se sentaram ao seu lado e a foram consolar.

— Amiga! Está na moda esse negócio de ser sequestrada e se apaixonar por um chefão da máfia! — Disse Lyon com um certo cinismo no rosto.

— Não é você que vive no mundo dos livros? Participa de todos os grupos de literatura? Então você sabe que o que está em alta é ser a namorada do dono do morro! — Gargalhou Kara sem parar.

— Sério, gente. Isso não tem graça. Não acho bonitinho sair por aí encontrando sei lá quem que pode estar por trás de uma tela de telefone, ou romantizar relacionamentos abusivos. Não é minha praia e pronto! Sou esquisita? Sou! Sou chata? Sou! E ponto final.

O clima entre eles já estava acalmando. Eles conversavam e tentavam se acertar, como bons amigos que eram. Os três latinos saíram de Bergen duas horas da tarde e levaram quase cinco horas para chegarem em Roma. Estavam muito exaustos e influenciados pelos “drinks” que tomaram no avião e no hotel.

Nina avisou a seus amigos que não iria sair aquela noite, iria excluir todos os vestígios daquela página de namoro e depois descansar. Mas Lyon e Kara imploraram, pediram desculpas, tentaram se explicar mais uma vez e Nina acabou cedendo. Sua raiva nunca demorara mais que cinco minutos, e os dois sabiam disso e usava isso nitidamente contra ela. Sendo assim eles foram terminar de se arrumar para sair.

Nina, Lyon e Kara entraram num táxi e partiram para o local de festa.

De repente chegou uma mensagem de “Estranho", o estranho sem foto do aplicativo:

 — Oi, estranha. Já são quase meia-noite... A estreia praticamente já acabou e você não deu sinal. Agora todos irão se deslocar para a boate que ficará lotada em poucos segundos. Será impossível nos encontrarmos se você não me responder… 

Os três amigos ficaram se encarando por alguns segundos. Nina hesitou um pouco e respondeu no aplicativo:

 — Serei a de vestido preto. A mais bonita da festa, pode apostar! 

Os três riram da resposta, pois a festa era a caráter. Todas as mulheres estariam de preto. E em seguida Nina excluiu o aplicativo para sempre. Os amigos riam, mesmo sentindo uma dor ao ver que ela excluiu permanentemente aquela conta, com tantos homens lindos marcando encontros interessantes.

— Aonde estamos indo senhora VIP? — perguntou Nina.

— Estamos indo a uma estreia de verdade — respondeu Kara, omitindo o fato de que já haviam cortesias prontas para eles na recepção do hotel, mandadas por Estranho, do aplicativo.

— Pelo preço do bilhete que foi mais caro do que toda a nossa viagem programada para o show da Anitta no Rock in Rio Lisboa, deve ser coisa boa, eu espero — disse Nina.

— Sim, é coisa boa, tapete vermelho, dançarinas acrobáticas penduradas em cordas elásticas, cuspidores de fogo, piscina, tendas, uma banda fina tocando ao vivo. Ah, e até um DJ internacional! Nosso nome está no topo da lista. A noite será perfeita, amiga! — disse Kara, eufórica, olhando desconfiada para Lyon, que era seu cúmplice!

 Lyon concordava com tudo que as duas diziam. Tudo estava de bom grado para ele, contanto que aproveitassem bastante as noites na Itália durante duas semanas. Ele não conseguia largar o telefone, também usava o mesmo aplicativo de namoro que fizera para Nina.

          O local da festa era incrível: tendas ao ar livre, uma piscina, assentos confortáveis e luxuosos; Muito neon.

 — Afinal de contas, é estreia do que mesmo? — perguntou Nina — Não é como na TV, onde uma multidão fica acampada do lado de fora gritando enlouquecidamente?

— É uma festa VIP — explicou Lyon —, comemorada depois que os atores dão suas entrevistas e atendem ao público.

— E como você conseguiu lugar para nós?

Kara mentiu:

 — Comprando, né, amiga. Agora vamos fazer um brinde à nossa noite de latinas pobres, porém brincando de ser ricos na Itália!

Eles brindaram. Quando Nina terminou sua bebida azul neon, puxou seus dois amigos para a pista de dança.

 — Eu adoro essas músicas!

E os três ébrios foram dançar.

Nina era professora de dança nas suas horas vagas do hospital, sem contar que era latina. Quando ela dançava, chamava a atenção de todos na festa, pelo menos dos que estivessem prestando atenção. Os homens começaram a se chegar até Nina, que os parava com um gesto firme e claro com a mão. Homens altos, muito elegantes, bem vestidos, e de beleza notável.

Seus amigos davam uma bronca discreta ao pé do ouvido dela:

 — Amiga, tu tá louca? — brigou Kara.

— Pois é! — concordou Lyon. — Deixa, amiga; deixa eles chegarem. Aí a gente se muda para a mesa deles que deve ser mais cara do que a nossa; olha a roupa dos boys!

— Não, amiga, eu tenho muito medo — Disse Nina, em meio a música alta. — Já ouvi milhares de histórias da máfia italiana que sequestram mulheres. Não vou dar trela pra ninguém aqui. E estou muito cismada desde que viajamos. 

Kara revirou os olhos.

—  Lá vem ela com as histórias de sequestro! Relaxa, mulher!

As músicas preferidas de Nina tocavam uma após a outra e ela não parava de dançar. Parecia que o DJ havia tido acesso a sua lista de reprodução do Spotify. Em meio à tantas danças sensuais, Nina para um pouco, ofegando, passa a mão no cabelo o jogando para trás, tentando secar o suor em seu rosto, então ela abre os olhos, levanta os olhos, e o vê!

            David Nichols estava na festa. Ele a observava do andar mais elevado enquanto os convidados lá embaixo dançavam muito. Não estava ali só a trabalho, embora estivesse oficialmente de férias após sua última aparição em público.

Nina não o reconheceu de cara, mas permaneceu olhando-o, parecia ser o homem mais bonito e elegante da festa! Então ele também a encarou, a viu dançando junto de duas pessoas no meio da pista, seus amigos.

David puxou o celular do bolso, só para se certificar de que aquela mulher dançando na pista era a mesma com quem conversara no aplicativo horas atrás. Estranhamente, o perfil dela havia sido apagado, e as conversas entre eles também. Ele sorriu, e pensou que não era de se esperar menos dela.

Ele continuou a olhá-la, intrigado com aquela dança.

      Nina ainda estava na pista de dança quando um branco de olhos azuis se aproximou dela. O rapaz se apresentou como Giosi, e a convidou para dançar. Nina recusou gentilmente o convite e tentou se afastar dele, mas o rapaz insistiu, e ela já começou a se sentir incomodada.

O rapaz italiano insistiu tanto que Lyon e Kara foram obrigados a intervir. Tiraram Nina da pista de dança e a levaram de volta para a mesa.

Um segurança preto, alto, de beleza inigualável se aproximou do trio, que tinha saído da pista de dança devido à persistência do rapaz italiano, e voltado para a mesa. Ele calmamente explicou que havia observado que eles estavam sendo incomodados, e os ofereceu para subir à área privada do local como cortesia da casa.

Nina ficou sem uma gota de sangue no rosto. Ela não deixou o segurança terminar de falar e com a voz trêmula disse que eles já estavam bem acomodados, e agradeceu. O rapaz então sorriu e foi embora.

Seus amigos enlouqueceram com a atitude dela, e ela explicava que tudo aquilo era muito esquisito, que estava sendo tudo muito fácil, que havia algo errado. Ela estava muito cismada. Na verdade, ela sempre foi, quando se tratava desses assuntos. Os amigos a xingavam, falavam que ela estava assistindo muitos filmes e séries. Culpavam os livros! Pediam para ela aterrissar. Ela dizia que ela era a única ali que estava com os dois pés no chão. 

— Amiga, por que você é sempre assim? Sempre faz isso! Nós vamos perder as fotos! Podemos ficar ali junto do DJ se a gente quiser. Amiga, por que tu não aceitou? A gente vai perder “drinks” caríssimos de graça e uma área privada só pra gente. — Lyon reclamava de braços cruzados, batendo os pés como uma criança.

— Então vão vocês. Eu não vou. E se a gente for sequestrado? Milhares de turistas somem todo ano e nunca mais são encontrados. Quem vai procurar a gente? — Indagou Nina. 

— A Noruega, ora! Somos cidadãos noruegueses que saíram de férias para a Itália, somos turistas, meu amor! Retrucou Lyon. — E a notícia também repercutiria no Brasil.

— Como se isso importasse! — respondeu Nina fazendo caretas.

 — Realmente, se alguém quisesse nos sequestrar, sequestrava e pronto, eu hein! Mas não vamos embora agora, que eu tenho que aproveitar o golpe que eu dei no meu cartão só hoje! — E todos riam de Kara, que nunca levava nada a sério, nem mesmo as discussões entre eles.

Kara era alta, magra, cabelos longos, lisos e pretos até o meio das costas definidas. Usava roupas exuberantes. Parecia que tinha saído se uma revista de modelos. Passava horas se maquiando e se produzindo. Os amigos a chamava de “porra lôca”! De tão eufórica que ficava nas festas...

Enquanto os três voltaram para a pista de dança, o segurança voltou até David, que continuou a observar o trio lá de cima, e em meio ao som alto da discoteca, o informou sobre a recusa de Nina. David falou algo para ele e o fez voltar até eles. O segurança retornou à mesa de Nina e seus amigos, e explicou que a cortesia era da parte de David Nichols, o principal ator daquela estreia. Ele os informou que o próprio em pessoa o havia instruído para fazer-lhes o convite em seu nome. Kara não se aguentou e começou a rir de nervosa, fazendo gracinhas com o apoio de Lyon. 

— Nossa amiga, se você recusar dessa vez quem vai te sequestrar e te matar sou eu! — E os dois riram.

— É mesmo? David Nichols? Convidando a gente para a área privada da festa? E por que raios d’água ele faria isso? Por favor, não me leve a mal, mas a gente só quer aproveitar as nossas férias aqui na Itália, desfrutar a nossa noite, não estamos fazendo mal a ninguém. A Noruega tem todos os nossos dados, de onde estamos, aonde vamos, nosso celular tem GPS, tudo o que acontecer conosco, vai implicar o nome desta estreia e o nome dessa disco. Por favor, nos deixem em paz! Nós não fizemos nada de errado. — Até mesmo o segurança fez uma expressão de surpresa com a atitude dela, “geralmente ninguém recusa um convite desses”, ele pensava.

Kara e Lyon não se aguentaram quando ouviram Nina falar aquilo. David ouvia tudo do outro lado do rádio de comunicação entre ele e seu segurança particular. Então os dois se ofereceram para ir em vez dela:

 — Oi! Prazer, moço. Eu sou Kara, esse é meu amigo Lyon. A gente aceita sim o convite para ir conhecer David Nichols, ou o convite era só para essa moça fina, Nina Dahl? 

O segurança recebeu permissão pelo fone de ouvido, os mostrou o caminho e os acompanhou enquanto os advertiram de que não era permitido tirar fotos de David e dos outros convidados naquela área. Nina permaneceu sentada onde estava no andar de baixo, sozinha, os observando sumir na multidão. Kara comentava para Lyon que ela viria atrás deles depois quando visse que estava tudo bem. Se não viesse, pelo menos ia morrer de inveja das fotos que eles iam tirar sem ela, por conta de sua desconfiança.

Enquanto os amigos se dirigiam até a área “vip” da estreia, o mesmo filhinho de papai italiano que outrora perturbava Nina na pista de dança, bêbado e insistente, se sentou ao lado dela em sua mesa. Aproveitando a situação quando a viu sozinha. David os olhava atentamente com um olhar firme.

Os amigos desse mesmo rapaz sentaram-se ao lado dele e trouxeram bebidas. Nina se levantou, ficou em desespero, estava quase entrando em pânico. Estava amedrontada ao lembrar que seus amigos haviam marcado encontros entre ela e a metade da cidade. Os rapazes eram educados, formais, mas assim mesmo, inconvenientes. Um deles a segurou pela mão a tentando impedir de abandonar a mesa, eles diziam:

 — Por favor, não vá, bella ragazza, não tenha medo, somos bons moços. Só queremos conversar, apreciar a noite, fique per favore

Nina tentou se soltar enquanto o rapaz a segurava pela mão, gentilmente, sem força bruta, e na tentativa de convencê-la, dizia: — per favore!

Foi então que de repente David apareceu com vários seguranças ao seu redor e falou: 

— Largue a mão da moça! 

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