Desde que meus pais se foram, eu nunca mais reclamei do gosto amargo dos remédios, porque não tinha mais ninguém para me dar um doce depois.— É bem doce. — George insistiu, encostando o doce nos meus lábios, como se estivesse me tentando.Acabei cedendo e abri a boca, mas assim que o doce tocou minha língua, as lágrimas brotaram nos meus olhos e, de repente, começaram a correr pelo meu rosto.— Por que está chorando agora? — Ele perguntou, suavemente, enquanto sua mão tocava meu rosto, limpando minhas lágrimas.Quanto mais ele falava, mais difícil era segurar o choro. Aquelas palavras tocavam fundo, e eu não conseguia parar as lágrimas que escorriam sem controle.George tentava acompanhar o fluxo incessante, mas logo desistiu. Tirou o copo das minhas mãos e apertou meus dedos levemente.— Se o remédio for tão ruim, não vamos tomá-lo, então. — Disse ele, antes de se levantar.Fiquei ali, com o rosto enterrado nas mãos, e chorei até me sentir aliviada. Foi quando o termômetro debaixo do
Ao me dar conta do que havia acabado de dizer, meu coração apertou. Abri a boca para me desculpar, mas George, que estava ajoelhado ao lado do sofá, levantou-se antes que eu pudesse falar.— A comida está pronta. Venha comer um pouco. — Disse ele, enquanto puxava sua mão da minha.Foi aí que percebi o quanto eu o estava segurando. No sonho, pensei que estava segurando as mãos dos meus pais, mas, na verdade, era George. E eu ainda o xinguei.Soltei sua mão rapidamente, e, ao fazer isso, notei as marcas profundas que minhas unhas haviam deixado no dorso de sua mão.George se virou e saiu da sala. Eu me levantei devagar e percebi que estava suada, provavelmente a febre havia baixado.— Aqui, coloque isso sobre os ombros. Não quero que você fique doente de novo. — George apareceu com uma manta e me entregou.Estendi a mão para pegar, mas meus braços ainda estavam fracos por causa da febre, e acabei deixando a manta cair. George, sem dizer nada, a colocou sobre meus ombros e depois me troux
Depois de terminar de falar, lembrei daquilo que queria perguntar para ele desde ontem:— Ontem, aqueles caras não voltaram a te incomodar, né?Ao dizer isso, olhei automaticamente para as mãos e o rosto dele, aliviada ao ver que não havia machucados.— Não. — George pareceu perceber minha preocupação. — Mesmo que tivessem voltado, eles não são páreo pra mim.Tomei o último gole do caldo verde e perguntei:— E o acidente de carro do seu pai, você descobriu alguma coisa? Encontrou alguém envolvido a ponto de quererem te ameaçar assim?George me encarou e respondeu:— Eles têm medo de que eu descubra a verdade sobre a morte do chefe do meu pai.Ele falava em partes, me obrigando a continuar perguntando:— O chefe do seu pai era algum figurão? A morte dele impactou os interesses de alguém?— Ele morreu há mais de dez anos, então hoje já não existe nenhum interesse direto. Eles têm medo de que o filho do chefe ainda guarde rancor. — A resposta de George fez um aperto surgir em minha gargan
Isso era doença grave de quem falava antes de pensar. Assim que as palavras saíram, percebi o quanto foram inadequadas e fiquei pensando em como contornar a situação. Para minha surpresa, George respondeu simplesmente:— Claro.Ele concordou? Não fez nenhuma cerimônia? Nem uma tentativa de recusar para manter a pose de machão?Mesmo que ele não rejeitasse a ideia de se “entregar” como garantia, pelo menos recusaria o empréstimo, certo? Mas dessa vez, George não fez isso.Pelo visto, ele precisava mesmo do dinheiro. E queria realmente ajudar a irmã. Esse pensamento me fez sentir uma pontada de compaixão por ele, um homem tão forte e orgulhoso.Essa sensação me pegou desprevenida, e logo tentei disfarçar com uma tosse leve.— Sua irmã já foi a um médico? Se tiver os exames, me mande uma cópia. Talvez eu possa encontrar alguém para ajudar a analisar o caso.— Pode deixar. — Ele concordou, sem hesitar.Sem mais o que dizer, me levantei.— Obrigada por hoje. Eu vou indo.Ele me encarou.—
Ainda estava escuro quando acordei de novo. Tomei um banho rápido e vi a mensagem do George, me lembrando de pegar o café da manhã na porta. Ele não perguntou por que eu não comi o café que ele havia preparado antes e, mesmo assim, continuava a fazer isso para mim. Para não desprezar sua gentileza, comi o café da manhã e fui para a empresa.Cheguei cedo, antes de todos. Aproveitei para organizar o plano do dia e revisar o desempenho recente de cada um da equipe. Quando terminei, ainda faltava um tempo para o expediente começar.Decidi então pegar o celular e dar uma olhada no Instagram. Embora fosse uma maneira de matar o tempo, eu só seguia poucos amigos, e vendo as atualizações deles, podia saber como estavam, mesmo sem ligar ou falar diretamente.Pedro postou uma foto anunciando que participaria de um campeonato de sinuca. Já a Luana, que trabalhava como obstetra, postou uma imagem do bebê que acabara de ajudar a trazer ao mundo. Ela registrava cada nascimento que conduzia, e hoje
Assim que enviei a mensagem, o telefone de Pedro tocou quase instantaneamente.— O que foi? Está tentando te seduzir? — Pedro era direto, como sempre.Eu ri imediatamente. — Eu até queria que ele tentasse, mas nunca nem vi a cara dele, como é que ele ia fazer isso?— Nunca viu a cara dele? Então você me pediu para investigar só por curiosidade? — Pedro parecia surpreso. — Você acha que eu não tenho nada melhor pra fazer?Ele tinha acabado de postar que ia participar de um campeonato de sinuca; devia estar cheio de coisas pra resolver. Percebi que talvez tivesse sido um pouco impulsiva. — Olha, se você estiver ocupado, esquece. Era só curiosidade, não é nada urgente.— Ah, tá me provocando, é? — Pedro fingiu irritação.Ri de novo. — Não, sério, é só curiosidade. Se puder, ótimo; se não der, sem problemas.— Claro que eu posso. Pra todo mundo eu não tenho tempo, mas pra você, sempre. Vou ver isso pra você. — Pedro concordou.Mas ele não desligou logo em seguida. Eu sabia que ele queri
Onde mais eu poderia buscar as lembranças deles?— Carolina. — Na entrada do corredor, alguém me chamou.Era a dona do apartamento da frente. Ela certamente veio por causa da notícia da demolição.— Carolina, vão demolir aqui. Que pena, né? — A dona soltou um suspiro raro de melancolia.Eu não sabia o que dizer, apenas fiquei ali com uma expressão entristecida. Ela continuou:— Acabei de gastar um dinheirão para reformar o imóvel. Mal aluguei faz um mês, e agora já tenho que pedir pro inquilino sair. Que prejuízo!— Carolina, tentei ligar para o rapaz que alugou o apartamento, mas ele não atendeu. Se você encontrá-lo hoje, peça pra ele me retornar e avise que vai ter que se preparar para a mudança. É melhor ele já ir ajeitando as coisas. — Ela me pediu com uma pontinha de preocupação.— Pode deixar. — Respondi.— Muito obrigada, Carolina. — A dona foi bem educada, mas logo começou a fofocar. — Você já conheceu o rapaz que aluga meu apartamento, né? Ele é um gato, né?Eu ri de leve e di
Grupo Furtado, Felipe Furtado.Fosse o nome da empresa ou a assinatura com aquele ar inconfundível de Felipe, eu os conhecia bem demais. Afinal, esse grupo era o maior parceiro de negócios do Grupo Martins, e a amizade entre João e Felipe era de longa data.Mas por que meu pai teria um contrato com o Grupo Furtado de dez anos atrás? Pelo que eu sabia, naquela época ele não trabalhava para o Grupo Martins. Então, o que ele fazia com esse contrato?Olhei novamente o documento. Tratava-se de um acordo para desenvolvimento de energia renovável, algo que agora já estava sob o Grupo Martins, uma operação madura e lucrativa. Tecnicamente, o contrato deveria ser parte do Grupo Martins, mas o estranho era que não havia assinatura de João ali.Coloquei o contrato de lado e abri o caderno de anotações do meu pai. Era um diário de trabalho, com planos e alguns símbolos químicos que eu não conseguia entender. Fui folheando até a última página, onde li cinco palavras: [Que o acordo seja próspero.] E