RUBY PORTMANO banco de plástico duro da delegacia me parecia muito desconfortável, mas nada se comparava à dor que latejava sob a compressa gelada que Sophia segurava com cuidado contra o meu rosto.O ambiente cheirava uma mistura de papel seco, tinta e café, e essa combinação de cheiro já começava a me enjoar.Estávamos ali havia mais de meia hora, e mesmo com o frio da compressa, o inchaço não diminuía. A sensação de ardor era constante, pulsando sob minha pele como um lembrete cruel de tudo que acontecera naquela noite, juntamente com a enxaqueca que decidiu fazer parte da festa.Espero que o Johnny tome no cu, por isso.Sophia estava sentada bem ao meu lado, o semblante mais rígido do que alguma vez vi em seu rosto, ouvindo tudo em detalhes mais uma vez.O policial à nossa frente, um homem de meia-idade com expressão sóbria, digitava calmamente no computador, preparando-se para registrar minha declaração. Eu tentava me manter firme, mas minhas mãos ainda tremiam levemente, o corpo
RUBY PORTMANCom as mãos tremendo, eu segurava o meu próprio rosto. Os meus lábios tremiam junto com meu corpo, e a onda de incredulidade e dor me atravessava como se tivesse tendo uma enorme descarga elétrica. Nunca, em toda a minha vida, imaginaria que levaria um soco de alguém. Ainda mais de um homem. Ainda mais de Johnny.Lágrimas começaram a se formar, quentes e pesadas, deslizando sem controle pelo meu rosto. O meu corpo parecia não responder como deveria. E cada tentativa de me erguer resultava em um tremor involuntário. O mundo ao meu redor girava, e a dor que latejava na minha cara tornava tudo mais surreal. Respirei fundo, mas o ar entrava cortado, engasgado. A boca tinha gosto de ferro, um sabor amargo que eu não queria reconhecer.Ouvi a voz de Johnny, distante. Ele dizia algo, mas as palavras pareciam se perder em meio ao zumbido nos meus ouvidos. Talvez estivesse se desculpando, talvez estivesse tentando se justificar. Não importava. Nada que ele dissesse agora apagaria
HARRY RADCLIFFEO ponteiro do relógio se arrastava, mas minha mente já antecipava cada segundo daquela reunião que iria me foder a cabeça. Mas, entretanto, tudo já estava preparado. Apresentações projetadas, relatórios sobre a mesa, contratos alinhados. Eu gostava de controle, de previsão. Nada me causava mais repulsa do que imprevistos.Encostei todo o meu corpo na mesa da sala envidraçada do meu escritório da Radcliffe's, observando a cidade de Nova Iorque abaixo de mim. Um formigueiro de pessoas, todas ocupadas demais com suas insignificâncias para perceberem que, dali de cima, eu decidia os rumos de muitos deles. Meu terno estava alinhado, o ar-condicionado no grau exato, e o silêncio era respeitoso. Até o toque do meu celular.Estranhei. Ninguém ligava diretamente para mim. Não sem passar por três camadas de triagem. O nome na tela fez meus olhos se estreitarem: Ruby.Atendi.— Sim.Mas a voz que veio do outro lado não era dela.— Oi... é o Harry? Aqui é a Sophia, melhor amiga da
HARRY RADCLIFFEAs luzes da delegacia me incomodavam. Eram brancas demais, frias demais. Tudo ali exalava um desconforto latente que me lembrava a frieza de hospitais—lugares que, por princípio, causavam-me repulsa, e tudo o que mais detestava desde criança. Cruzei os braços, encostei-me na parede oposta à da sala onde Ruby terminava o depoimento e permaneci em silêncio, ignorando deliberadamente os olhares dos presentes. Não havia nada naquele ambiente que exigisse de mim simpatia.O tempo parecia se arrastar como se cada segundo fosse medido por um relógio desajustado. Observei Ruby enquanto ela finalizava o boletim de ocorrência, a voz baixa e firme, embora os seus olhos demonstrassem o cansaço. O rosto ainda inchado a cada movimento do maxilar deixava-me com um gosto metálico na boca. Aquele desgraçado havia tocado nela. E agora, ainda respirava.O delegado pigarreou antes de se aproximar dela, um sujeito robusto com expressão neutra, como se aquilo fosse só mais uma ocorrência de
HARRY RADCLIFFEO barulho da porta se fechando foi a única coisa que quebrou o silêncio cortante da delegacia. Ruby havia pedido para ir ao banheiro. Sua amiga se ofereceu para acompanhá-la, mas Ruby recusou com aquele tom suave e firme que eu já reconhecia como decisivo. Disse que seria rápido.Eu continuei parado, de pé, próximo à porta. O policial que ainda preenchia os papéis de rotina mal me olhava, provavelmente desconfortável com a minha presença. Bons instintos. Era melhor assim dado o meu humor.Sophia se aproximou e se postou ao meu lado, cruzando os braços diante do peito, numa postura que misturava determinação e gratidão barata.— Obrigada por ter vindo — disse ela, com um sorriso quase afetado.Agradecimento é uma perda de tempo, ainda mais nessa situação específica, por isso não respondi. Meus olhos permaneciam fixos na parede suja e amarelada da delegacia. Não porque era interessante, mas porque olhar para ela era melhor do que manter contato visual com qualquer pessoa
HARRY RADCLIFFEO relógio na parede marcava exatamente vinte horas. Eu sabia disso porque meus olhos percorriam o ambiente a cada poucos minutos, como se esperassem algo acontecer. A luz suave do abajur ao canto iluminava o escritório com uma tonalidade âmbar discreta, contrastando com a tela do notebook à minha frente. Estava vestido de forma casual, uma T-shirt branca, simples, e calças de moletom cinza — confortáveis o suficiente para uma noite que, até então, eu pretendia manter sob controle.Mas claro que controle era uma ilusão temporária.A porta se abriu com um rangido leve, e por ela entrou Ruby.Se não fossem pelas circunstâncias que a trouxeram até mim — o hematoma no rosto, o inchaço evidente sob o olho esquerdo, a delicadeza fragilizada dos seus movimentos —, eu diria que jamais me cansaria da visão que era Ruby Portman naquele instante. Seus cabelos, longos e desalinhados, caíam como uma cortina sobre os ombros. O rosto levemente amassado denunciava que havia acordado h
RUBY PORTMANUma semana se passara desde a manhã em que fui à delegacia com o rosto marcado por hematomas. Agora, diante do espelho do meu quarto, eu observava a pele limpa, sem roxos, sem inchaços, sem vestígios visíveis do que acontecera. A dor física se esvaíra, mas algo dentro de mim permanecia latejando em silêncio, como uma lembrança teimosa que se recusava a partir, ainda mais com os acontecimentos atuais.Depois que deixei o apartamento de Harry — no dia seguinte à agressão —, eu soube, por meio dele mesmo, que o caso havia sido formalmente denunciado. Não foi surpresa. O delegado já havia mencionado a possibilidade. O que me atingiu de fato foi a confirmação: o Ministério Público assumiria a denúncia, e a audiência de instrução e julgamento seria marcada para a semana seguinte. E foi. Bem rápido.Durante aqueles dias, Harry mostrara um tipo de envolvimento que me deixava sem saber como reagir ou como agradecer, embora se eu soubesse, ele não aceitaria nada daquilo. Ele contra
RUBY PORTMANApós a audiência, conversei brevemente com o Sr. Martinez. Ele explicou quais seriam os próximos passos, como o Ministério Público trabalharia agora para apresentar mais elementos, e que o juiz, pelo que deu a entender, já estava parcialmente convencido da culpa do réu.Despedimo-nos e Harry me levou de volta para casa e quando ele estacionou em frente ao meu prédio, desci e apenas murmurei:— Obrigada por tudo, Harry.Ele apenas assentiu com a cabeça, sem palavras, como se não fosse necessário dizer nada.Subi e, em casa, comecei a organizar algumas coisas. O lugar ainda estava em ordem, mas havia algo inquieto em mim. Meu querido e adorado irmão estava vindo. E ele vinha furioso. Descobrira tudo apenas agora, quer dizer, um dia antes do julgamento, por Milena, e me mandou uma sequência de áudios inflamados exigindo explicações.E Milena com certeza viria junto para tentar equilibrar os ânimos. os dele, especialmente. E como ela havia prometido cozinhar, me propus a orga