RUBY PORTMAN
Despedindo-me de Johnny com um aceno rápido, deixei-o na cozinha e me dirigi à porta. Ele estava ocupado com algo, talvez preparando um jantar, ou procurando alguma bebida, como de costume, não questionou a minha saída repentina. Eu sabia que assim que eu chegasse não o encontraria mais, já que nos víamos apenas aos finais de semana, e, muito raramente nos dias úteis, já que eu trabalhava mais do que devia, ele também. E a nossa relação funcionava assim, ninguém se aborrecia com ninguém e tínhamos cada um o seu espaço, embora eu sempre soube que ele quer algo, além disso, já que ultimamente o tema casamento não tem saído da sua boca.
Saí do apartamento e entrei no elevador, pressionando o botão para o piso térreo. Enquanto descia, a minha mente vagava, como sempre fazia nessas horas. As paredes do elevador refletiam uma versão minha que parecia diferente da jovem que havia começado a trabalhar na Radcliffe’s tantos anos atrás. Havia uma maturidade que o tempo e as experiências impuseram-me, uma aceitação das perdas e dos ganhos que vinham com a vida.
Ao chegar ao térreo, caminhei até a floricultura que ficava a poucos quarteirões do meu prédio. Era uma pequena loja, aconchegante, onde sempre me sentia à vontade para escolher com calma as flores que queria. Hoje, escolhi dois buquês, um de lírios brancos e outro de girassóis. Paguei ao florista, que já me conhecia, e saí da loja com os buquês em mãos, sentindo o perfume suave das flores ao caminhar.
Peguei um táxi na esquina e dei as instruções ao motorista. O meu primeiro destino era o cemitério onde Mackeline Radcliffe estava enterrada. Não tinha acesso direto ao túmulo dela, como era de se esperar. A família Radcliffe sempre fora extremamente reservada, e o túmulo de Mackeline não era uma exceção. No entanto, ao longo dos últimos três anos, eu havia desenvolvido uma espécie de acordo informal com o administrador do cemitério. A cada visita, eu deixava um buquê de flores com ele, juntamente com uma generosa gorjeta, e ele se certificava de que as flores fossem colocadas no túmulo de Mackeline.
Quando chegamos ao cemitério, fiz exatamente isso. Entreguei o buquê de lírios brancos ao administrador, que acenou com a cabeça em reconhecimento antes de desaparecer entre os túmulos. Nunca falávamos muito, ele apenas entendia que aquilo era algo que eu precisava fazer. Era um pequeno gesto, talvez insignificante para muitos, mas para mim, era uma forma de manter uma conexão, com uma parte da minha vida que, por mais que eu quisesse, não podia simplesmente esquecer, e ela fazia parte da vida dele, e era uma mulher muito simpática, sempre me pareceu o certo a fazer, já que a sua família está distante dela.
Depois de deixar o cemitério, voltei ao táxi e pedi ao motorista que me levasse ao aeroporto. O segundo buquê, os girassóis, era para Sophia. A cada três meses, Sophia tinha um novo país para visitar, e nesses últimos três anos, ela havia conhecido trinta e seis países diferentes. Sempre estava viajando, sempre capturando o mundo através das suas lentes, mas nunca deixava de fazer uma videochamada comigo. Era nossa tradição, e hoje eu estava particularmente ansiosa para vê-la, agora havia tido férias e estava vindo ter comigo em Nova Iorque depois de tanto tempo.
Enquanto o táxi se aproximava do aeroporto, a minha mente voltou aos últimos três anos. Tanta coisa havia mudado. Assim que voltei da Itália, a minha vida deu uma guinada. Sophia havia conseguido um emprego que tanto quis, que agora a levava para os lugares mais incríveis do mundo. Ela parecia estar vivendo o sonho de qualquer fotógrafo: explorar culturas diferentes, conhecer pessoas novas, e, claro, capturar tudo isso com o seu talento inegável.
Por outro lado, Milena havia decidido, junto com Edward, mudar-se oficialmente para a Itália depois do nascimento da filha. Foi uma decisão que me surpreendeu na época, mas logo percebi que era o que fazia sentido para eles. Edward ainda vinha para Nova Iorque a cada seis meses, sempre acompanhado de Milena, e agora ela estava grávida novamente. Logo, eu ganharia mais um sobrinho, e o curioso era que seguiria a mesma tradição que eu e Edward: um nascido nos Estados Unidos, o outro na Itália. A vida tinha uma forma engraçada de repetir padrões, pensei com um sorriso.
O táxi finalmente chegou ao aeroporto, e saí com o buquê de girassóis em mãos. Esperei por Sophia na área de desembarque, observando as pessoas que passavam por mim, algumas apressadas, outras parecendo aliviadas por estarem de volta ao solo conhecido. E então, finalmente, a vi. Sophia estava com os cabelos cacheados mais curtos do que da última vez que a vi, e sua pele estava visivelmente mais bronzeada, resultado de sua última viagem.
Assim que nos vimos, ambas sorrimos largamente e corremos uma para a outra, nos abraçando com força. Havia uma alegria e alívio em vê-la de novo pessoalmente, uma felicidade que vinha de um lugar profundo, e a vontade era de chorar.
— Ai meu Deus, Ruby, que saudades! — Exclamou, o abraço dela apertando ainda mais.
— Acho que consigo notar pelo seu abraço — Ri, sentindo o calor do abraço dela e percebendo o quanto tinha sentido falta da sua presença.
Quando finalmente nos soltamos, entreguei-lhe o buquê de girassóis. Sophia olhou para as flores com um sorriso carinhoso e pegou-as, cheirando os girassóis antes de me agradecer.
— Sempre sabe como me agradar. — Comentou, ainda sorrindo.
— É o mínimo que posso fazer depois de tanto tempo sem te ver.
Peguei a suas malas para ajudar e fomos para fora do edifício, enquanto esperávamos por um táxi que nos levasse de volta à cidade, começamos a conversar sobre a viagem. Sophia sempre tinha histórias incríveis para contar, e desta vez não era diferente.
— Como foi essa última aventura? — Perguntei, curiosa para saber onde ela havia estado desta vez.
— Ah, foi maravilhoso. — Começou ela, os olhos brilhando enquanto falava. — Estive na Mauritânia, céus. Foi uma experiência incrível. Cada lugar que visitava era como entrar em um mundo diferente. E as pessoas… tão acolhedoras, tão hospitaleiras. Tive a chance de fotografar as vastas dunas do deserto. Acho que foram algumas das fotos mais impressionantes que já tirei.
Eu ouvi-a atentamente, encantada com a paixão dela ao descrever a sua viagem. Sophia, quando trabalhava, sempre tinha esse jeito de fazer com que tudo parecesse mágico, como se estivesse vivendo em um conto de fadas em cada lugar que visitava. Era inspirador ver alguém tão apaixonado pelo que fazia.
— Você vai me mostrar as fotos, né? — Perguntei, sabendo que a resposta seria positiva.
— Claro que vou. — Confirmou ela, rindo. — Assim que chegarmos ao seu apartamento, vou te mostrar tudo. Estou morrendo de vontade de te mostrar essas fotos.
O táxi finalmente chegou, e nós duas entramos, sentando-nos confortavelmente enquanto o motorista ligava o motor e começava a dirigir em direção ao meu apartamento. Durante o caminho, Sophia continuou a falar sobre as suas aventuras, descrevendo com detalhes cada lugar que havia visitado, cada pessoa que havia conhecido.
— E você? — Perguntou ela, de repente, virando-se para mim com um olhar curioso. — Como estão as coisas por aqui?
Parei por um momento, pensando na resposta. A minha vida em Nova Iorque havia se tornado estável, quase rotineira, mas de uma forma que eu apreciava. Era diferente do turbilhão de emoções e acontecimentos que vivi antes.
— Está tudo bem. — Comecei, observando as ruas que passavam pela janela. — O trabalho está indo bem, e acho que finalmente me acostumei a viver sozinha aqui. Johnny tem sido uma boa companhia, mesmo que eu ainda me sinta… distante, às vezes.
Sophia assentiu, como se entendesse exatamente o que eu estava tentando dizer. Ela sempre foi boa em ler entre as linhas, em captar o que eu realmente queria expressar.
— Johnny parece ser um cara legal. — Comentou ela, virando-se novamente para olhar pela janela. — Mas você ainda pensa nele, não é? No Harry.
A pergunta dela pegou-me de surpresa, mas não menti. Não adiantava fingir que Harry não ocupava um espaço constante na minha mente, mesmo depois de três anos.
— Penso. — Admiti, olhando para o horizonte. — Não como antes, mas ainda penso. É difícil esquecer completamente, sabe? Mesmo que eu queira, parece que ele sempre estará lá, em algum lugar da minha memória, só não sei durante quanto tempo mais.
Sophia não disse nada, apenas assentiu novamente, compreendendo, esperava que ela fosse me derramar um monte de palavras sábias, tal como ela sempre fez ao longo da nossa amizade, mas tudo o que recebi dela foi silêncio, que seguiu pelo trajeto inteiro.
O táxi finalmente chegou ao meu apartamento, e descemos, subindo até o meu andar com as suas malas. Quando entramos, Sophia olhou ao redor, admirando o espaço que eu havia montado nos últimos meses.
— O seu apartamento está lindo, Ruby. — Comentou ela, fascinada.
Certamente é completamente diferente do apartamento que vivíamos, é mais espaçoso, conta uma varanda espaçosa também e janelas enormes que deixam entrar bastante luz.
— Obrigada. — Respondi, sentindo-me satisfeita com o elogio. — Foi um longo caminho até decorar tudo com a minha boa vontade, mas estou feliz com o que consegui fazer.
Ela assentiu, deixou as malas na porta e sentou-se no sofá, colocando o buquê de girassóis em cima da mesa de centro.
— Agora, deixa eu te mostrar as fotos da Mauritânia. — Disse, puxando a câmera da bolsa e se preparando para me mostrar as imagens.
RUBY PORTMANSophia estava na cozinha, movimentando-se com a familiaridade de quem já considerava meu apartamento quase uma extensão de sua própria casa. O cheiro do café fresco e do pão torrado enchia o ar, criando uma atmosfera aconchegante que contrastava com o som constante das teclas do meu laptop enquanto eu trabalhava no relatório do trabalho. Tinha um prazo apertado para entregar, e a manhã parecia ser o único momento em que eu conseguia encontrar um pouco de paz para me concentrar.Enquanto eu digitava, Sophia começou a puxar assunto, algo que ela sempre fazia para quebrar o silêncio, especialmente quando percebia que eu estava mergulhada demais em meus pensamentos. Ela mexia na frigideira, preparando algo que eu ainda não conseguia identificar, mas que certamente seria delicioso, como sempre.— E então, Ruby? — Começou, sem olhar para mim. — Como vai seu relacionamento com o Johnny? Ainda não tivemos a chance de conversar sobre ele direito.Suspirei, interrompendo a escrita
RUBY PORTMANAcordei com uma decisão clara na mente: não mais permitir que Harry Radcliffe, o seu passado ou a sua família ocupassem qualquer espaço na minha vida. Três anos já haviam se passado, e a cada semana que se iniciava, eu me encontrava repetindo os mesmos padrões. Lendo tabloides, comprando flores para o túmulo da irmã dele… Isso precisava acabar. Eu queria seguir em frente, e para isso, era necessário encerrar esses rituais que só me mantinham presa ao que já devia ter sido superado.Levantei da cama com uma energia diferente, disposta a aproveitar o dia. Johnny vinha sendo paciente comigo, sempre compreensivo, mesmo quando eu guardava para mim certas dúvidas e ressentimentos que ainda nutria por Harry. Talvez tivesse chegado a hora de reconsiderar a proposta de Johnny de vivermos juntos. Era uma decisão que eu vinha adiando, mas se eu realmente queria seguir em frente, talvez fosse a hora de dar esse passo.Depois de um banho rápido, vesti-me com algo confortável e fui até
RUBY PORTMANDecidi comprar o vestido sem hesitação. Enquanto a vendedora fazia os ajustes finais na embalagem, Sophia e eu continuamos a conversar sobre a viagem dela e os planos.— E então, Ruby, o que você acha que vai acontecer hoje à noite? — Sophia perguntou, enquanto esperávamos no caixa. — Não sei, Sophia. Acho que hoje à noite é mais sobre deixar o Johnny brilhar, e também mostrar a ele que estou pronta para seguir em frente. Quero sentir-me no controle de novo. Quero me sentir bem comigo mesma, sem pensar no passado. Acho que já enrolei muito ele, está na hora de dar uma oportunidade de tentar, e tentar melhor.Sophia acenou com a cabeça, compreendendo perfeitamente o que eu queria dizer.— E você está fazendo isso, Ruby. Tenho orgulho de ver como você está lidando com tudo isso. Não precisa tentar atropelar isso, vai com calma, eu não o conheço, mas parece ser um bom cara.— Bem, de bons caras o inferno também está cheio. — Respondi já segurando as sacolas com as compras e
RUBY PORTMANO percurso até o local do evento foi tranquilo. As luzes da cidade passavam como um borrão pela janela, e eu peguei-me perdida em pensamentos. Sabia que aquele evento era importante para Johnny, e queria garantir que ele se sentisse orgulhoso por estar ao meu lado. Quando finalmente chegamos, o local me impressionou imediatamente. Era um edifício majestoso, com uma arquitetura que misturava o clássico e o moderno de forma impecável.Johnny entregou as chaves do carro ao valet, e juntos caminhamos em direção à entrada. Logo ao cruzarmos as portas, a grandiosidade do salão nos envolveu. O espaço era vasto, com tetos altos adornados por lustres que espalhavam uma luz suave e acolhedora. As paredes estavam cobertas de obras de arte, e as janelas enormes permitiam que a cidade se tornasse parte da decoração, com a suas luzes cintilando ao fundo.Johnny olhou em volta, também deslumbrado, e comentou suavemente:— Este evento é realmente exclusivo. Nunca vi nada assim.Acenei co
RUBY PORTMANJohnny estava ao meu lado, explicando com entusiasmo sobre uma das obras de arte que decoravam o salão, um retrato abstrato repleto de tons quentes que ele relacionava à fotografia. Os seus olhos brilhavam enquanto falava sobre as técnicas de luz e sombra que, de alguma forma, se assemelhavam às que ele usava no seu trabalho. Eu ouvia-o com atenção, embora a minha mente divagasse vez ou outra. Estava tentando absorver aquele momento, focar no presente, mas a magnitude do evento, a grandiosidade das pessoas ao nosso redor, era esmagadora. Tudo ao meu redor lembrava-me que, por mais que tentasse, eu não conseguia escapar completamente dos fantasmas do passado.De repente, um homem elegante e confiante aproximou-se de nós. Eu não o reconhecia, mas sua presença se fez notar imediatamente. Alto, de cabelos grisalhos bem aparados, ele tinha uma postura de alguém acostumado a comandar uma sala. Sorriu de forma calorosa ao se aproximar.— Gianni Albuquerque, o anfitrião deste eve
RUBY PORTMANMeu corpo inteiro se contraiu, e senti meus pés tentarem se afastar, recuando para longe o máximo que eu pudesse. Entretanto, era como se eu estivesse paralisada, em terreno inibido, apanhada no momento, aprisionada em seu olhar.-- Há muito tempo. -- Sua voz exibiu uma certa dureza, como se estivéssemos em uma conversa comum, e não após três anos de silêncio total.Por um momento, me perguntei o que ele verdadeiramente estava sentindo. Teria ele pensado em mim em todos esses anos? Teria ele sentido, como eu estava sentindo naquele agora, o mesmo incômodo? Ou, para ele, todos esses anos se passaram sem qualquer lembrança da minha existência?Não sabia o que responder. Meu corpo queria fugir, mas minha mente havia sido perdida pela presença dele. Não houve ácias, não houve sofrimento nenhum; havia apenas uma inarticulada sensação de vazio, como se o tempo tivesse destruído todas as respostas que eu poderia dar.Harry continuava me olhando, esperando alguma reação, mas não
RUBY PORTMANO salão começou a se aquietar aos poucos. O murmúrio constante de vozes que preenchia o ambiente foi sendo substituído por um silêncio gradual. Eu estava ao lado de Johnny, ainda tentando processar a breve e desconcertante interação com o primogênito da família Radcliffe. Cada vez que eu o via, parecia que ele trazia consigo uma aura de caos silencioso, algo que sempre mexia com as partes mais profundas da minha mente. Mas, naquele momento, eu me forcei a manter o foco no que estava acontecendo à minha volta.Gianni Albuquerque, o anfitrião do evento, subiu ao palco no centro do salão, cercado por um leve halo de luz. A sua presença exuberante agora parecia mais formal, os seus olhos brilhavam de excitação.Eu sentia a mão de Johnny repousando levemente nas minhas costas, e olhei para ele por um momento, vendo o brilho nos seus olhos. Ele estava completamente encantado com a grandiosidade do evento, absorvendo cada detalhe e mal contendo a expectativa que pairava no ar.G
RUBY PORTMANJohnny estacionou o carro com cuidado em frente ao meu prédio, e eu sentia o cansaço de toda a noite pesar sobre os meus ombros. Ele virou-se levemente para mim, sorrindo de maneira suave, ainda com o brilho nos olhos pelo evento.— Obrigado por ter me acompanhado esta noite. Foi especial para mim.Eu sorri, mas era um sorriso contido, quase forçado. As imagens de Harry ainda rondavam a minha mente, tornando qualquer tentativa de leveza um esforço enorme. Eu sabia que Johnny não tinha culpa de nada, e o mínimo que eu podia fazer era ser grata pela sua companhia.— Eu quem deveria agradecer. Foi uma noite interessante... Me diverti bastante.Johnny se inclinou levemente, depositando um beijo rápido nos meus lábios, e completou:— Estou exausto. Acho que vou para casa agora. Nos vemos amanhã?Eu assenti, tentando manter o sorriso.— Claro, amanhã nos vemos.Sem mais palavras, eu saí do carro, sentindo o vento frio da noite bater contra o meu rosto. A sensação de estar de vo