RUBY PORTMAN
Desliguei o tablet e o deixei de lado, pousando-o sobre o sofá. Peguei a minha taça de vinho branco, girando o líquido suavemente antes de levar a taça aos lábios. Três anos. Três longos anos haviam se passado desde o desaparecimento de Harry e da sua família. Eu estava prestes a completar 30 anos, uma nova década de vida se aproximando, mas minha mente ainda insistia em voltar ao que aconteceu, ou ao que deixou de acontecer. Três anos de ausência, de silêncio, de especulações e de um vazio que, por mais que eu tentasse, nunca conseguia preencher completamente.
Durante esse tempo, eu havia tentado de tudo para esquecer, para seguir em frente. Queria sentir raiva de Harry, nutrir um ressentimento profundo por ele, por ter me deixado sem respostas, sem um adeus. Queria odiá-lo, desejar que ele pagasse por tudo de ruim que significou na minha vida. No entanto, a cada semana, sem falhar, eu pegava-me lendo tabloides, procurando por qualquer sinal, qualquer notícia que dissesse que ele havia finalmente dado as caras. Sempre acabava me decepcionando. Cento e quarenta e quatro semanas de espera e nada. Era quase patético, mas não conseguia evitar.
Era engraçado, na verdade, como com o tempo os tabloides haviam deixado de falar de mim, do nosso relacionamento. A princípio, a exposição havia sido intensa, quase insuportável. Mas agora, era como se eu nunca tivesse feito parte daquele mundo. Eu não sabia o que sentir em relação a isso. Felicidade? Talvez, por finalmente ter a minha privacidade de volta. Tristeza? Quem sabe, por perceber que, mesmo que falassem as piores atrocidades ao meu respeito, Harry nunca apareceria para me defender. Ele era reservado demais para isso, sempre foi. E, no fundo, eu sabia que não deveria esperar nada diferente.
Suspirei, bebendo mais um gole de vinho enquanto olhava para a vista da rua através da grande janela da sala. Era uma vista bonita, a cidade se estendendo à minha frente com as suas luzes brilhantes e o seu movimento constante. A Radcliffe’s havia me indemnizado muito bem após o meu desligamento, uma compensação generosa que me permitiu comprar este apartamento. Um lugar bonito, moderno, no coração da cidade, com uma vista que eu sempre sonhara. Mas antes de me estabelecer aqui, passei uma temporada na Itália, com meus pais. Foi um período necessário, quase terapêutico, para curar as feridas mais profundas. No entanto, a Itália só podia oferecer tanto. A verdadeira cura só poderia vir com o tempo, ou pelo menos era isso que eu esperava.
Depois de voltar e comprar o apartamento, não demorou muito para encontrar um novo emprego. A carta de recomendação que Nicklaus escreveu para mim foi um gesto inesperado, quase de compaixão pela situação toda. No fundo, eu sabia que ele não precisava ter feito isso, mas sou grata. A carta abriu portas que eu pensava estarem fechadas para sempre por causa dos sites de fofocas.
De repente, os meus pensamentos foram interrompidos pelo som da porta do banheiro se abrindo. Johnny, meu namorado, saiu de lá apenas de toalha, os cabelos ainda molhados e o corpo exalando aquele aroma fresco e limpo do banho recém-tomado. Ele se aproximou de mim, inclinando-se para depositar um beijo suave nos meus lábios. Respondi ao beijo com um sorriso pouco genuíno. A minha mente ainda estava em outro lugar, em outro tempo.
Johnny rapidamente percebeu e olhou para mim com uma expressão de preocupação sutil.
— Você está tão pensativa… algo errado?
Eu queria responder com algo que fosse verdadeiro, mas as palavras certas me escapavam. Como explicar a ele que, mesmo depois de tanto tempo, uma parte de mim ainda estava presa a um homem que desapareceu, a um passado que parecia me assombrar em silêncio? Em vez disso, apenas balancei a cabeça, tentando dissipar as sombras dos meus pensamentos.
— Só estou pensando… nada de mais. Trabalho e essa coisas.
Johnny assentiu, aceitando a minha resposta sem pressionar. Ele era assim, sempre respeitava o meu espaço, minha necessidade de silêncio. Talvez soubesse que havia coisas que eu simplesmente não estava pronta para compartilhar, ou talvez ele já tivesse aceitado que parte de mim sempre estaria distante, em algum lugar que ele não podia alcançar.
— Vou me vestir. — Disse ele, antes de se afastar em direção ao quarto, deixando-me novamente sozinha com os meus pensamentos.
Observei-o enquanto ele se afastava, sentindo uma pontada de culpa misturada com uma tristeza que parecia constante. Johnny era um bom homem, alguém que me trouxe conforto e segurança em um momento em que eu mais precisava. Mas, por mais que tentasse, não conseguia apagar completamente a sombra de Harry da minha mente, ou me apegar ao meu namorado. Era como se uma parte de mim ainda estivesse esperando por algo, mesmo sabendo que esse algo talvez nunca viesse.
Deitei-me no sofá, segurando a taça de vinho e olhando para a vista da cidade. Três anos. Três anos era muito tempo para esperar, muito tempo para se agarrar a algo que talvez nunca mais voltasse. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia me forçar a deixar completamente para trás. Era como uma ferida que nunca cicatrizava, sempre aberta, sempre doendo, mas que, de alguma forma, eu havia aprendido a conviver.
E, assim, o tempo continuava a passar, cada dia me afastando mais do passado, mas nunca completamente. Porque, no fundo, por mais que eu desejasse seguir em frente, uma parte de mim ainda estava presa ao que poderia ter sido, ao que eu nunca conseguiria esquecer completamente.
RUBY PORTMANDespedindo-me de Johnny com um aceno rápido, deixei-o na cozinha e me dirigi à porta. Ele estava ocupado com algo, talvez preparando um jantar, ou procurando alguma bebida, como de costume, não questionou a minha saída repentina. Eu sabia que assim que eu chegasse não o encontraria mais, já que nos víamos apenas aos finais de semana, e, muito raramente nos dias úteis, já que eu trabalhava mais do que devia, ele também. E a nossa relação funcionava assim, ninguém se aborrecia com ninguém e tínhamos cada um o seu espaço, embora eu sempre soube que ele quer algo, além disso, já que ultimamente o tema casamento não tem saído da sua boca.Saí do apartamento e entrei no elevador, pressionando o botão para o piso térreo. Enquanto descia, a minha mente vagava, como sempre fazia nessas horas. As paredes do elevador refletiam uma versão minha que parecia diferente da jovem que havia começado a trabalhar na Radcliffe’s tantos anos atrás. Havia uma maturidade que o tempo e as experiê
RUBY PORTMANSophia estava na cozinha, movimentando-se com a familiaridade de quem já considerava meu apartamento quase uma extensão de sua própria casa. O cheiro do café fresco e do pão torrado enchia o ar, criando uma atmosfera aconchegante que contrastava com o som constante das teclas do meu laptop enquanto eu trabalhava no relatório do trabalho. Tinha um prazo apertado para entregar, e a manhã parecia ser o único momento em que eu conseguia encontrar um pouco de paz para me concentrar.Enquanto eu digitava, Sophia começou a puxar assunto, algo que ela sempre fazia para quebrar o silêncio, especialmente quando percebia que eu estava mergulhada demais em meus pensamentos. Ela mexia na frigideira, preparando algo que eu ainda não conseguia identificar, mas que certamente seria delicioso, como sempre.— E então, Ruby? — Começou, sem olhar para mim. — Como vai seu relacionamento com o Johnny? Ainda não tivemos a chance de conversar sobre ele direito.Suspirei, interrompendo a escrita
RUBY PORTMANAcordei com uma decisão clara na mente: não mais permitir que Harry Radcliffe, o seu passado ou a sua família ocupassem qualquer espaço na minha vida. Três anos já haviam se passado, e a cada semana que se iniciava, eu me encontrava repetindo os mesmos padrões. Lendo tabloides, comprando flores para o túmulo da irmã dele… Isso precisava acabar. Eu queria seguir em frente, e para isso, era necessário encerrar esses rituais que só me mantinham presa ao que já devia ter sido superado.Levantei da cama com uma energia diferente, disposta a aproveitar o dia. Johnny vinha sendo paciente comigo, sempre compreensivo, mesmo quando eu guardava para mim certas dúvidas e ressentimentos que ainda nutria por Harry. Talvez tivesse chegado a hora de reconsiderar a proposta de Johnny de vivermos juntos. Era uma decisão que eu vinha adiando, mas se eu realmente queria seguir em frente, talvez fosse a hora de dar esse passo.Depois de um banho rápido, vesti-me com algo confortável e fui até
RUBY PORTMANDecidi comprar o vestido sem hesitação. Enquanto a vendedora fazia os ajustes finais na embalagem, Sophia e eu continuamos a conversar sobre a viagem dela e os planos.— E então, Ruby, o que você acha que vai acontecer hoje à noite? — Sophia perguntou, enquanto esperávamos no caixa. — Não sei, Sophia. Acho que hoje à noite é mais sobre deixar o Johnny brilhar, e também mostrar a ele que estou pronta para seguir em frente. Quero sentir-me no controle de novo. Quero me sentir bem comigo mesma, sem pensar no passado. Acho que já enrolei muito ele, está na hora de dar uma oportunidade de tentar, e tentar melhor.Sophia acenou com a cabeça, compreendendo perfeitamente o que eu queria dizer.— E você está fazendo isso, Ruby. Tenho orgulho de ver como você está lidando com tudo isso. Não precisa tentar atropelar isso, vai com calma, eu não o conheço, mas parece ser um bom cara.— Bem, de bons caras o inferno também está cheio. — Respondi já segurando as sacolas com as compras e
RUBY PORTMANO percurso até o local do evento foi tranquilo. As luzes da cidade passavam como um borrão pela janela, e eu peguei-me perdida em pensamentos. Sabia que aquele evento era importante para Johnny, e queria garantir que ele se sentisse orgulhoso por estar ao meu lado. Quando finalmente chegamos, o local me impressionou imediatamente. Era um edifício majestoso, com uma arquitetura que misturava o clássico e o moderno de forma impecável.Johnny entregou as chaves do carro ao valet, e juntos caminhamos em direção à entrada. Logo ao cruzarmos as portas, a grandiosidade do salão nos envolveu. O espaço era vasto, com tetos altos adornados por lustres que espalhavam uma luz suave e acolhedora. As paredes estavam cobertas de obras de arte, e as janelas enormes permitiam que a cidade se tornasse parte da decoração, com a suas luzes cintilando ao fundo.Johnny olhou em volta, também deslumbrado, e comentou suavemente:— Este evento é realmente exclusivo. Nunca vi nada assim.Acenei co
RUBY PORTMANJohnny estava ao meu lado, explicando com entusiasmo sobre uma das obras de arte que decoravam o salão, um retrato abstrato repleto de tons quentes que ele relacionava à fotografia. Os seus olhos brilhavam enquanto falava sobre as técnicas de luz e sombra que, de alguma forma, se assemelhavam às que ele usava no seu trabalho. Eu ouvia-o com atenção, embora a minha mente divagasse vez ou outra. Estava tentando absorver aquele momento, focar no presente, mas a magnitude do evento, a grandiosidade das pessoas ao nosso redor, era esmagadora. Tudo ao meu redor lembrava-me que, por mais que tentasse, eu não conseguia escapar completamente dos fantasmas do passado.De repente, um homem elegante e confiante aproximou-se de nós. Eu não o reconhecia, mas sua presença se fez notar imediatamente. Alto, de cabelos grisalhos bem aparados, ele tinha uma postura de alguém acostumado a comandar uma sala. Sorriu de forma calorosa ao se aproximar.— Gianni Albuquerque, o anfitrião deste eve
RUBY PORTMANMeu corpo inteiro se contraiu, e senti meus pés tentarem se afastar, recuando para longe o máximo que eu pudesse. Entretanto, era como se eu estivesse paralisada, em terreno inibido, apanhada no momento, aprisionada em seu olhar.-- Há muito tempo. -- Sua voz exibiu uma certa dureza, como se estivéssemos em uma conversa comum, e não após três anos de silêncio total.Por um momento, me perguntei o que ele verdadeiramente estava sentindo. Teria ele pensado em mim em todos esses anos? Teria ele sentido, como eu estava sentindo naquele agora, o mesmo incômodo? Ou, para ele, todos esses anos se passaram sem qualquer lembrança da minha existência?Não sabia o que responder. Meu corpo queria fugir, mas minha mente havia sido perdida pela presença dele. Não houve ácias, não houve sofrimento nenhum; havia apenas uma inarticulada sensação de vazio, como se o tempo tivesse destruído todas as respostas que eu poderia dar.Harry continuava me olhando, esperando alguma reação, mas não
RUBY PORTMANO salão começou a se aquietar aos poucos. O murmúrio constante de vozes que preenchia o ambiente foi sendo substituído por um silêncio gradual. Eu estava ao lado de Johnny, ainda tentando processar a breve e desconcertante interação com o primogênito da família Radcliffe. Cada vez que eu o via, parecia que ele trazia consigo uma aura de caos silencioso, algo que sempre mexia com as partes mais profundas da minha mente. Mas, naquele momento, eu me forcei a manter o foco no que estava acontecendo à minha volta.Gianni Albuquerque, o anfitrião do evento, subiu ao palco no centro do salão, cercado por um leve halo de luz. A sua presença exuberante agora parecia mais formal, os seus olhos brilhavam de excitação.Eu sentia a mão de Johnny repousando levemente nas minhas costas, e olhei para ele por um momento, vendo o brilho nos seus olhos. Ele estava completamente encantado com a grandiosidade do evento, absorvendo cada detalhe e mal contendo a expectativa que pairava no ar.G