O Plano de Clara

O céu de Serenità estava pintado com tons de laranja e rosa, prenunciando o cair da tarde. A cidade parecia perpetuamente mergulhada em uma tranquilidade de sonhos, mas, no apartamento de Clara, o contraste era evidente. Sentada em sua poltrona de veludo vinho, ela observava a paisagem pela janela enquanto girava lentamente uma taça de vinho tinto na mão. Seus pensamentos não eram serenos como o cenário; pelo contrário, estavam tomados por uma tempestade de intenções que se desenrolava com precisão.

Gabriel. O nome ecoava em sua mente como uma melodia obsessiva, um chamado ao mesmo tempo doce e corrosivo. Clara não queria apenas Gabriel. Queria o que ele representava: a estabilidade, a atenção, o carinho que ela nunca acreditou que Laura merecesse. Por anos, assistiu à felicidade do casal de longe, ruminando ressentimentos que cresciam como ervas daninhas. Agora, estava decidida a agir. Não seria mais espectadora da perfeição alheia.

No dia seguinte, Clara apareceu inesperadamente no escritório de Gabriel. Era um prédio moderno, com janelas de vidro que refletiam o brilho suave do sol da manhã. Gabriel estava concentrado em sua mesa, imerso em projetos de arquitetura. Não esperava vê-la ali, mas sua educação inata o fez recebê-la com um sorriso cordial.

— Clara! Que surpresa!

Ela sorriu de volta, carregando uma pasta que usava como desculpa para a visita.

— Desculpe a invasão, Gabriel. Estou reformando meu apartamento e pensei que você pudesse me ajudar com algumas ideias. Sei que você é o melhor nisso.

Gabriel pareceu hesitar por um momento, mas gesticulou para que ela se sentasse.

— Claro, vou dar uma olhada no que você trouxe.

Enquanto abriam a pasta e discutiam esboços, Clara, cuidadosamente, desviava a conversa para assuntos mais pessoais. Compartilhou histórias de sua infância, cuidadosamente escolhidas para evocar empatia. Falou de solidão, de dificuldades, do desejo de encontrar um porto seguro.

— Às vezes, acho que estou destinada a estar sozinha — disse, fingindo um suspiro melancólico.

Gabriel, com sua natureza empática, respondeu sem hesitar.

— Não diga isso, Clara. Você é uma pessoa incrível. Tenho certeza de que encontrará alguém que enxergue isso.

Ela desviou o olhar, fingindo timidez.

— Obrigada, Gabriel. Você e Laura são um exemplo do que eu gostaria de encontrar um dia.

Embora Gabriel visse aquilo como uma conversa amigável, Clara sabia que havia plantado uma semente. Criava uma conexão sutil, quase imperceptível, mas que, no momento certo, poderia se tornar algo mais profundo.

Enquanto isso, Clara trabalhava em outro front: Laura. Sabia que o amor entre eles era forte, mas que toda relação, por mais sólida que parecesse, podia ser corroída por dúvidas. Começou a enviar mensagens para Laura em horários estratégicos, usando um tom casual, mas que carregava insinuações.

— Vi Gabriel no café hoje. Ele parecia distraído. Tudo bem com vocês?

Laura, no início, não deu importância. Conhecia Clara há anos e acreditava que suas palavras eram motivadas por preocupação genuína. Mas, à medida que essas mensagens se tornavam mais frequentes, começavam a deixar marcas. Uma inquietação, um pequeno desconforto que crescia de forma quase imperceptível, começou a se instalar em seu peito.

Certa tarde, enquanto organizava papéis em casa, Laura recebeu uma ligação de Clara. Sua voz tinha um tom de preocupação exagerada, quase ensaiada.

— Laura, não quero causar problemas, mas acho que preciso te contar algo. É sobre o Gabriel...

Laura sentiu o coração acelerar.

— O que foi, Clara?

— Ele anda tão distraído ultimamente. Encontrei com ele ontem, e parecia estar com a cabeça em outro lugar. Fiquei preocupada.

As palavras de Clara ficaram ecoando na mente de Laura. Gabriel realmente parecia diferente nos últimos dias, mais distante, mais reservado. Ela tentou afastar a dúvida, mas não conseguiu. A perfeição de seu casamento parecia vacilar.

Clara, por sua vez, continuava a tecer sua teia. Certo dia, convenceu Gabriel a acompanhá-la até um lago nos arredores da cidade. Laura estava ocupada com trabalho, e Gabriel, sem enxergar malícia, aceitou. O lago era um lugar sereno, cercado por árvores que lançavam sombras suaves sobre a água cristalina. Clara sabia que o ambiente seria perfeito para criar uma atmosfera de intimidade.

Enquanto caminhavam pela margem, Clara propositalmente tocava no braço de Gabriel, como se buscasse apoio, mas fazia isso de forma sutil, quase imperceptível. Durante a conversa, abriu-se novamente, fingindo vulnerabilidade.

— Sabe, Gabriel, às vezes sinto que minha vida está estagnada. Como se todo mundo estivesse avançando e eu estivesse presa no mesmo lugar.

Gabriel, sempre compreensivo, respondeu com sinceridade.

— Acho que todos nos sentimos assim em algum momento. Mas você é talentosa e determinada. Tenho certeza de que encontrará seu caminho.

Clara sorriu, mas dentro de si comemorava. Estava criando pequenos momentos de conexão, detalhes que poderiam parecer insignificantes, mas que tinham o potencial de abalar as fundações do relacionamento de Gabriel e Laura.

Quando tropeçou "acidentalmente" em uma pedra, Gabriel a segurou instintivamente para evitar que caísse. O toque foi breve, mas Clara prolongou o momento, olhando diretamente nos olhos dele.

— Obrigada. Você sempre sabe como estar no momento certo.

Gabriel afastou-se rapidamente, desconfortável com a intensidade do olhar de Clara. Começou a perceber que algo estava errado, mas não conseguia identificar exatamente o que.

Enquanto isso, Laura e Gabriel começavam a sentir as fissuras criadas por Clara. Laura, antes tão confiante no amor do marido, agora analisava cada gesto, cada palavra, procurando por sinais de algo errado. Uma noite, após um jantar particularmente silencioso, decidiu confrontá-lo.

— Gabriel, você está diferente. Algo está acontecendo?

Gabriel, surpreso, negou.

— Não, Laura. Por que você acha isso?

— Não sei... só sinto que estamos distantes.

Gabriel segurou as mãos de Laura.

— Talvez seja o estresse do trabalho. Eu amo você, Laura. Nada mudou.

As palavras de Gabriel eram sinceras, mas Laura não conseguia afastar a dúvida que crescia dentro de si. Enquanto isso, Clara, em seu apartamento, sorria. Seu plano estava funcionando.

Os dias passavam, e a presença de Clara na vida de Gabriel se tornava mais constante. Ela aparecia no escritório com desculpas triviais, enviava mensagens casuais, mas que carregavam um tom de cumplicidade. Gabriel começava a se sentir preso em uma teia de gentilezas e gestos ambíguos, enquanto Laura, consumida por inseguranças, começava a questionar tudo.

Clara sabia que o momento decisivo se aproximava. Estava criando as condições perfeitas para a traição que havia planejado. Não seria apenas um ato isolado; seria o golpe final em uma relação que muitos julgavam perfeita. Enquanto Serenità continuava com sua fachada de tranquilidade, Clara orquestrava a destruição de um amor que, para ela, nunca deveria ter existido.

O jogo estava apenas começando, e Clara, com sua determinação implacável, estava pronta para tudo.

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