Dona SuzanaMe relacionei com o pai do Samuel muito cedo, acredito que, na época, eu não tinha mais do que quatorze anos, não lembro com exatidão, mas sei que eu era muito nova. Sempre morei no morro, mas assim como diversas garotas da minha idade, eu gostava de viver a vida como se não houvesse amanhã. Esse é um dos maiores males da juventude, porque o amanhã existe e, com ele, vem as consequências, que nem sempre são boas. Conheci o pai dele, que me fez juras de amor, me prometeu mundos e fundos e eu, é claro, caí feito uma patinha na conversa dele. Homem de lábia, sabe exatamente o que dizer para ganhar uma mulher. Não vou dizer que não o amei, pois, amei, sim. E acredito que ele também tenha sentido algo por mim, não sei se foi amor, mas como me tratava bem durante alguns anos, quando ainda namorávamos, deve ter havido algum tipo de sentimento.Com o passar dos anos, engravidei e ele não aceitou muito bem esse fato, aliás, foi nesse momento em que tudo mudou, porque descobri que
MaluEu estava com o coração dilacerado, em minha mente havia um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Eu não sabia exatamente o que pensar e, para falar a verdade, a pessoa em quem eu mais pensava era em meu filho. O que deveria estar passando na cabecinha ingênua do Rael? Ele me viu sendo agredida pelo pai, isso é algo que nenhuma criança deveria ver. Quando chegamos na casa da minha sogra, eu ainda estava com a mente longe, não sabia nem mesmo o que pensar e comecei a agir no automático.— É melhor vocês tomarem um banho e descansar, querida. O dia hoje foi cheio. — ela diz, sem querer prolongar o assunto.Agradeço mentalmente por isso, porque não quero que falemos sobre isso na frente do Rael e, principalmente, do Vitor, que não sabe o que está acontecendo.— Vou esquentar a sopa pra vocês tomarem, antes de dormir. Levei um pouco pra lá, mas você sabe... — deixa a frase no ar, comprimindo os lábios, formando uma linha reta.— Tudo bem. — me restrinjo a dizer somente isso.Dona
MaluDias depois...Permaneci os últimos dias, depois do ocorrido com o Pardal, na casa da minha sogra. Não, nunca foi minha vontade fazer isso, eu queria mesmo era voltar para minha casa — lugar esse de onde eu nunca deveria ter saído — porém, eu sabia, ou melhor, tinha certeza de que meu marido — se é que ainda posso chamá-lo assim — não me deixaria em paz, tentando me fazer voltar a casa dele. Sim, a casa dele, porque já não sinto mais que é nossa. Tudo mudou a partir do momento em que aquele ogro resolveu meter a mão em minha cara.Mas, ainda assim, ele não facilitou as coisas para mim. No dia seguinte, era domingo, eu estava de folga e não queria vê-lo nem pintado de ouro, contudo, cara de pau do jeito que ele é, teve a audácia de aparecer na casa da mãe dele, quando eu estava de saída, indo levar o Vitor para a instituição. Fiquei puta da vida! Pardal tentou me persuadir, prometendo mundos e fundos, mas eu não conseguia acreditar em uma só palavra do que ele dizia. Não depois d
MaluNaquele momento, eu queria muito parar de sorrir feito uma idiota. Ainda fiquei um tempo encostada na porta, recobrando a consciência de que eu não podia me deixar ser afetada dessa forma pelo Pardal.— Acho que alguém viu o passarinho verde... — minha sogra me fez sair dos meus devaneios, quando saiu da cozinha, secando as mãos em um pano de pratos.— Não é nada disso que está pensando. — me recompus e respondi.— Urrum. Sei... Conheço essa carinha, Malu, não precisa mentir pra mim. A propósito, quem estava aí? — me analisou e meneou a cabeça em direção a porta.— Anh... Seu filho. — falei sem graça, evitando encará-la.— E, porque está com essa cara? Acha que vou te dar esporro por causa disso? — Não, é que... Sei lá, não sei explicar, mas me sinto tão errada. O Pardal sabe que mexe comigo, ele não é bobo, faz essas coisas de propósito. — soltei um longo suspiro e murchei os ombros.— Vem cá, senta aqui. — chamou e deu dois tapinhas no assento do sofá, após sentar.Por sorte,
MaluAo sair do lugar onde eu costumava trabalhar, sigo com meu filho até a farmácia, entramos e nos aproximamos do balcão, onde uma mulher muito simpática nos aguarda.— Bom dia, em que posso ajudar? — ela pergunta.— Bom dia, um teste de gravidez, por favor.— Só um minuto. — ela vira de costas, procurando pelo produto nas prateleiras.Ao virar para o lado, encontro o olhar curioso do meu filho, direcionado a mim.— Eu vou ter um irmãozinho, mamãe? Engulo em seco, sem saber o que dizer.— Não, meu amor. Isso não é para mim — minto — Mas como sabe para que serve o que estou pedindo a moça?De fato, não faço ideia de como isso é possível, ele é apenas um garotinho.— É que outro dia, meu coleguinha da escola disse a professora que a mamãe dele tá grávida e ele teria um irmãozinho. Aí, achei o nome do que você pediu a moça, parecido.Tento conter a vontade de rir, porque está para nascer uma criança mais esperta do que esse menino.— Aqui — a mulher toma minha atenção de volta para si
Malu— Que droga, Pardal! Educação mandou lembranças. — instintivamente, puxo a toalha pendurada no box, colocando na frente do meu corpo.— Educação, minha pica, rapá! Deixa de se fazer, que tu é minha mulher e eu já vi tudo aí. Por que tu pediu ao Perigo pra buscar tua moto? Aconteceu alguma coisa contigo? Algum pau no cu mexeu com você? — vejo-o mexer na cintura, como se fosse pegar a arma.Não que seja alguma novidade para mim, já que ele está acostumado a resolver tudo na base do tiro ou da porrada.— Para de palhaçada, Pardal! Ninguém mexeu comigo, não. — enrolo a toalha no corpo e espremo os cabelos, retirando o excesso de água.— Desculpa, Malu, eu tentei impedir esse troglodita de entrar aqui, mas você o conhece bem, ele só faz o que quer. — dona Suzana se explica, parada na porta do banheiro.— Não se preocupe, sei bem de quem eu era mulher. — enfatizo, para ele saber que não sou mais nada dele.— Era, meu ovo — mexe no pênis, o balançando sob a bermuda — Tu sempre vai ser m
PardalDepois daquele dia em que eu fiz merda com a Malu e ela passou pela porta da minha casa a fora, levando nosso moleque consigo, tudo mudou. Sei lá, os dias pareceram passar mais lentamente, me fazendo perceber a falta que aqueles dois faziam em minha vida. Eu sabia, tinha noção da merda que tinha feito e isso já não era mais novidade em minha mente, mas, mesmo não sendo algo certo usar meus traumas para me justificar, para justificar todas as atitudes do cretino que sou, isso ainda mexe demais comigo.Só uma pessoa com a mente fodida igual a mim, entenderia. Diversas vezes, após chegar em minha goma, depois de um dia estressante, resolvendo os B.O da minha tropa, batia um arrependimento do caralho pelas coisas que eu fiz. Passei até a dormir no sofá, porque entrar no que costumava ser o nosso quarto me fazia lembrar dela, e a saudade se tornou algo inevitável pra porra. Nos primeiros dias, eu até tentei deitar na cama, mas o cheiro dela estava impregnado em tudo ali, era ruim
MaluO convite do Pardal veio de forma repentina, eu queria negar, até pensei em dizer que iria para a faculdade, mas seria uma grande desculpa esfarrapada, porque eu estava de atestado e não iria naquela noite e o fato de ele saber que passei mal, não me ajudaria em nada.As palavras saídas dos lábios dele foram muito bonitas e extremamente encantadoras, mas a verdade é que eu não confiava mais nele e nem sei se um dia voltaria a confiar. Ele tem sido um pai excelente para o Rael, mesmo nós dois não estando mais juntos, mas eu temia muito pela vida do meu filho, caso aceitasse a proposta dele e voltasse para sua casa. Eu o amo e me sinto dividida. Por um lado, todo ser humano merece uma segunda chance — no caso do Pardal, seria a terceira ou quarta — e, talvez, com ele não fosse diferente. Por outro, o medo que eu sentia de que tudo fosse exatamente como antes, ou até pior, me massacrava por dentro.Senti sinceridade nas palavras dele, enquanto estávamos naquela colina e, por um ins