Os olhos do rapaz se fixaram sobre a mão banhada em sangue.
ᅳ O que aconteceu? ᅳ Indagou preocupado, aproximando-se para uma melhor visão.
ᅳ Um espinho. ᅳ Andressa segurava sua mão, sentindo o sangue fluir em uma quantidade considerável. O líquido jorrava pelo pequeno furo aberto, banhando todos os dedos da mão esquerda e sendo derramado sobre a terra. Ao ver tamanha quantidade de sangue, de preocupado Jean passou a desesperado. Imediatamente retirou um lenço do bolso e o envolveu contra a mão ferida, pressionando e deixando que ela segurasse.
ᅳ Vamos entrar. Preciso cuidar disso. ᅳ O tom apreensivo se intensificou.
ᅳ Não foi nada. Eu só fui descuidada, quero ficar mais algum tempo aqui.
Mas não havia chance para acordo.
ᅳ Você está ferida! Vamos entrar, cuidar disso e depois nós voltamos. ᅳ Ele apoiou suas mãos sobre os ombros da menor, virando-a para a entrada.
Andressa pensou em dizer algo. Sua garganta secou. Uma gélida brisa atravessou seu rosto, fazendo com que se arrepiasse até o último fio de cabelo. Uma sensação nunca experimentada surgiu. Aquela sensação de que algo ameaçador te envolve, sufocando toda sua coragem. Ela não poderia afirmar, mas sentiu que algo não natural passou por ali. E não desapareceu. Continuava como um intruso presente. Não conseguir enxergá-lo não fez diferença, ela sentia o estranho em um silêncio soturno.
ᅳ Jean, quem mais está conosco? ᅳ Tomou coragem para perguntar, mesmo demonstrando certo nervosismo.
O rapaz passou um olhar atento por todo o local, nada viu.
ᅳ Ninguém! Vamos entrar.
ᅳ Tem certeza? ᅳ Insistiu, a sensação não ia embora.
Jean olhou ao seu redor mais uma vez. Nem mesmo Jindo havia retornado.
ᅳ Somos só nós dois.
Ela se convenceu mais pela necessidade de se acalmar. Estar sob as sombras ainda era assustador, por qualquer motivo seus sentidos a enganavam.
ᅳ Vamos entrar então! Essa brisa gelada foi forte.
ᅳ Brisa? ᅳ Jean estranhou. Olhou para o céu. O sol fez suas vistas arderem, o calor estava forte, mais de 28 graus com certeza. O ar estava seco, parado, não houvera brisa alguma, nada. Percebendo o nervosismo da mulher, ele começou a temer que ela estivesse com febre ou estressada, talvez a viagem tivesse sido muito desgastante. Ele precisava lembrar que Andressa permanecia em recuperação.
ᅳ Você não sentiu nada? ᅳ Ela insistiu, torcendo por uma resposta positiva. Não conseguia explicar, mas a cada segundo que passava tinha certeza de que algo incomum acontecia. A presença parecia rente ao seu pescoço agora.
ᅳ Não senti nada além do calor. Acho que você está cansada, talvez com febre. ᅳ Ele tocou a testa dela com leveza para conferir sua temperatura. Tudo normal.
ᅳ Vamos entrar. ᅳ E passou a guiá-la na direção da casa.
Com a ajuda do marido, Andressa seguiu, mas logo sentiu falta de um fiel amigo, o seu cão labrador.
ᅳ Onde está Jindo?
Jean deu mais uma breve olhada à procura do animal, ainda não havia nenhum sinal dele.
ᅳ Deve estar conhecendo o terreno. A última vez que o vi estava seguindo para o bosque.
ᅳ Depois o chame, por favor. Não quero que ele fique andando por aí sozinho.
Tudo se tornou ainda mais estranho para Jean. Ele enxergou uma inconum preocupação na esposa. O cão não era o melhor tipo de cão guia. Jindo estava acostumado a sumir, era um quase filhote muito travesso e curioso, motivo pelo qual o rapaz quase o devolvera ao treinador. Só não o fez porque Andressa já tinha se apegado a Jindo. O tempo passava e o animal ficava cada vez mais rebelde. A mulher nunca se incomodou com o detalhe, deixava-o brincar até voltar para sua companhia. Por isso as palavras dela fizeram o rapaz refletir. Andressa estava estranha, ansiosa, e muito assustada.
Ele a levou para dentro de casa, fez um rápido curativo que permitiu que visse o tamanho do ferimento: era minúsculo. Andressa a todo momento o lembrava de que deveria procurar cachorro, insistindo até ter seu pedido atendido. Jean a deixou deitada na cama, uma das poucas mobílias que havia na casa, o restante chegaria no dia seguinte. Ele então seguiu em busca do animal.
Jindo estava em um ponto mais fechado do bosque, cavando incansavelmente um buraco. Jean chamava pelo cão. Fazia mais de meia hora que o procurava, já começava a se preocupar.
Um pouco mais distante da posição do homem, o cachorro se sentava e começava a uivar, fazendo o som de lamento ecoar pelo bosque. Ao seu lado um buraco fundo. De uma maneira repentina o vento forte começou a soprar. Uivo e vento entraram em sintonia. Uma sintonia macabra. Algo que pouco a pouco se assemelhou a um cântico sombrio.
Jean, não muito distante agora, pôde ouvir o uivar do cão. A primeira coisa que pensou foi que estava ferido. Temeu! Aquele uivo parecia tão sofrido. Então ele começou a correr em direção ao som que ficava ainda mais sombrio à medida que se aproximava. Foram uns cinquenta passos, até que o rapaz finalmente encontrou o animal. Jindo permanecia sentado ao lado do buraco, a uivar sem descanso. Jean temeria à cena se não estivesse tão desejoso por voltar para casa.
O alívio brotou ao perceber que o animal estava bem. Jean avançou com destreza, tentando agarrá-lo pela coleira. Estava pronto para levá-lo para casa. Antes que colocasse as mãos no animal, avistou o buraco que ele acabara de cavar. Curioso, forçou seus olhos buscando encontrar um fim. Deparou-se com algo semelhante a um tecido branco, porém encardido. O cão ainda uivava, agora cada vez mais alto.
Após uma olhada mais profunda, Jean arregalou seus olhos. Mostrou-se horrorizado ao ponto de tropeçar em seus próprios pés ao tentar recuar. Caiu sobre algumas folhas secas e toda terra fofa que Jindo havia retirado. Repentinamente o animal mudou seu comportamento mais uma vez, agora ficando agressivo, rosnando e latindo para o buraco.
Jean se levantou em meio aos trôpegos e mais uma vez levou sua mão à coleira do cachorro. Assim que o tocou foi surpreendido por uma leve mordida. Não foi nada grave ou que machucasse, foi apenaa algum tipo de reação em defesa. Logo que se deu conta do que fizera, Jindo abaixou suas orelhas e cabeça, olhando para o rapaz com os olhos caídos. Demonstrava assim todo seu arrependimento, retomando seu comportamento dócil. Irado, Jean o encarou, bufou, mas não falou nada. Com firmeza pegou o cão pela coleira e o levou de volta para casa, tendo a imagem do buraco cravada em sua memória. Não deveria ter visto aquilo.
Jean andava apressado, quase a correr. Desejava com fervor sair daquele bosque. O som das folhas secas sendo amassadas pelos seus pés o deixava ainda mais nervoso. Era como se mais passos o acompanhassem."Não, não pode ser!" ᅳ Ele repetia e repetia em pensamento. Olhou para Jindo, que também guardava um fio de horror no olhar.ᅳ Por que você foi lá, Jindo? É perigoso. Você poderia se perder. ᅳ Repreendeu o cão, tudo para tentar afastar a lembrança da sua memória. A visão do que havia naquele buraco o tinha perturbado ao ponto de deixar suas pernas bambas."Um braço… O braço! Aquela pulseira… Não! Não pode ser!" ᅳ Ele mais uma vez retomava o assunto, não conseguia afastá-lo.
Demorou para que ela adormecesse novamente. Ele ficou ao seu lado até o momento chegar, sempre paciente e zeloso. Já era noite quando aconteceu. Então Jean decidiu deixar o quarto e ligar para Erick, médico de Andressa e amigo de ambos. O rapaz não conseguiria dormir bem naquela noite. Tudo havia dado tão errado. Ele poderia afirmar que ficou mais aterrorizado pelo desespero da mulher do que pelo corpo encontrado no bosque. Aquela que dormia era sempre sua maior preocupação.A cada atitude estranha dela, ele se perdia entre sentimentos e decisões. Os três últimos meses foram um inferno, ele lutou para ser forte por dois. Além da cegueira, que Erick deu grandes esperanças de que seria temporária, foi constatado que Andressa sofria de amnésia. Ela não era capaz de se lembrar de horas ant
Era começo de madrugada e se podia ouvir no coração do bosque o inconfundível som de terra sendo remexida na base da enxada. O responsável pelo trabalho era Jean, que tratava de tapar o buraco que Jindo fizera mais cedo. O rapaz já estava cansado e suado, apesar da noite não estar quente quanto a manhã. Jean tirou sua camisa e continuou a cuidar daquele buraco, mostrando-se ansioso e desesperado para finalizar o que fazia. Já estava exausto, mas não era só por isso que desejava o fim daquilo tudo.Mais meia hora se passou e ele finalmente se viu livre do trabalho. Analisou o espaço, a área parecia de acordo com todo o resto do solo. Ninguém desconfiaria o que repousava por debaixo daquelas inúmeras camadas de terra. Jean respirou aliviado e enxugou várias gotas de suor que caiam pela sua testa. Ajeitou seus cabelos curtos, também empapados pelo suor. Ele olhou para o lugar pela última vez naquela noite. Estava como ele desejava: livre de qualquer suspeita.
Era quatro da manhã quando Andressa passou a se mexer de maneira inquieta na cama. Indícios de um terrível pesadelo que se iniciava. No estranho sonho ela estava no interior de um bosque fechado e escuro, contudo, apesar desses detalhes, enxergava com clareza o que tinha a sua volta. Sabia que se tratava do bosque ao fundo de sua cabana. E… Ainda que ela pudesse enxergar com perfeição, seus olhos estavam completamente brancos. Tudo estaria normal se fosse apenas isso, porém, pouco tempo depois ela percebeu que estava paralisada no centro do bosque.Nos primeiros minutos ainda mostrava certa calmaria. Tentou mover um pé e olhou para baixo. Vestia uma camisola branca e seus pés estavam descalços. Forçou-se mais uma vez a dar um passo, precisava sair dali. P corpo balançou e a perna não se moveu. O nervosismo começava, a energia do lugar não ajudava, passava a ficar tensa demais, a inconodando quase ao ponto de sufocá-la. Tudo piorou quando um odor insuportável invadiu suas narin
Andressa acordou de súbito. Aflita, dolorida e, como sempre, refém da escuridão. Essa era a pior parte após qualquer pesadelo ou sonho. Nunca a luz aparecia. Ela estava ofegante, com o coração apertado, parecia carregar um peso que comprimia seu peito. Um peso causado pelo medo do não natural e ainda desconhecido. A morena se forçou a respirar fundo várias vezes. Precisava diminuir aquela aflição, recuperar qualquer resquício de tranquilidade. Mas a imagem do pesadelo estava tatuada na sua memória. Vívida, clara. Suas sensações eram intensas, reais, profundamente reais. Mais reais do que quaisquer outras.Andressa, agora sentada sobre a cama, lutando contra seu medo, tentava se convencer de que aquele pesadelo fora apenas mais um, foram tantos para assombrá-la nos últimos meses. Ela mesma se boicotava. Precisava parar. No escuro, decidiu
dO trio de amigos estava reunido na pequena sala, sentados de frente ao lado de uma lareira apagada. Erick tinha em mãos os exames. Jean e Andressa estavam sentados lado a lado em um sofá encardido de dois lugares. Ela segurava forte a mão do marido, temia as notícias, não podia enxergar a expressão confiante do amigo. O médico, sentado em uma poltrona, de frente ao casal, organizava alguns envelopes. Ali estavam todos os resultados dos exames. Após abrir um envelope, ele pôs o papel sobre a mesinha de centro e começou a falar, levantando seus olhos na direção da amiga que mantinha seu semblante apreensivo. A partir dali todas suas esperanças poderiam mudar. Sendo assim, Erick decidiu não torturá-la.ᅳ Veja bem… Creio eu que sua maior apreensão é a incerteza de que se poderá voltar a enxergar algum dia.Os homens naquela sala tinham seus olhos fixos sobre a escritora, que mesmo sem confirmar com palavras, dava a certeza de que aquelas palavras estavam corretas. Eri
Caminhavam pelo bosque, o ar fresco preenchia seus pulmões. Após tanto tempo, Andressa sentia sua respiração profunda trazer prazer e calma. Como sempre, ela recusava ajuda, ainda mais agora que tudo estava prestes a ser como antes. Boa parte das preocupações haviam sido apaziguadas. A morena em breve poderia dar continuidade aos seus sonhos e não iria interferir na vida daqueles que amava.Nos últimos meses foi difícil pensar que atrapalhava a vida de muitos. Eles abriram mão de coisas importantes para ajudá-la. Jean era sua maior "vítima", mas em breve não seria mais assim. Obviamente sentir-se dessa maneira não era correto, tampouco saudável. Andressa se sentia culpada e para ela era difícil aceitar as palavras do psicólogo, era difícil aceitar que acidentes acontecem e que por mais que novas dificuldades surjam, não devemos nos encarar como um fardo na vida das pessoas.Uma conversa mais leve acontecia entre os amigos. A princípio eles falavam sobre coisas que
Pouco tempo depois, Jean e Fabrício surgiram em meio às árvores. O segundo, um rapaz de cabelos castanhos que batia na altura dos ombros, tropeçava em galhos, pedras e tudo o que encontrava pelo caminho, até mesmo nos próprios pés. Erick assim que o avistou já percebeu: ainda era manhã e ele estava bêbado mais uma vez. Esse era o tipo de amizade que Jean insistia em manter. Já o marido de Andressa tinha outra preocupação. Mal chegou naquele ponto e enxergou o que seu cão fazia."Não! Ele não pode...!" ᅳ Pensou e avançou na direção do cachorro, por consequência também seguindo rumo à Erick e Andressa.ᅳ Jindo! Chega! Não faz isso. ᅳ Próximo o suficiente, ele tentou pegar o cão.Último capítulo