ELLE NARRANDO
O despertador tocou e eu percebi que estava atrasada. Eu não sou do tipo de pessoa que se atrasa, então, me incomodou muito. Tenho trabalhado demais e dormido de menos desde que meus pais faleceram, mas essa semana, com o aniversário de dez anos da morte deles, eu estou me jogando ainda mais no trabalho para esquecer. Sou garçonete e estou fazendo todos os turnos possíveis, levando meu corpo ao limite, porque quando estou em casa... Eu me lembro. E lembrar dói.
Arrumei meu cabelo em frente ao espelho, em um rabo de cavalo. Ajeitei minha roupa de frio em frente ao espelho e escovei os dentes rapidamente. Estava chovendo bastante, e por causa do final do mês, já estou sem grana pra ônibus ou pra pegar um táxi, o que me obriga a correr mais ainda. Por estar atrasada, não tomei café da manhã, não daria tempo de qualquer forma. Arrumei minhas coisas e logo saí de casa, com pressa.
Minha vida não é fácil, mas eu gosto dela. Gosto de trabalhar no restaurante, porque vejo pessoas interessantes o tempo todo. Gosto de criar histórias sobre essas pessoas na minha cabeça, como ontem, que vi uma mulher linda no que parecia ser seu primeiro encontro com um rapaz. Apesar de não achar que o amor sirva para mim, eu acredito nele, para as outras pessoas.
Enquanto caminhava bem rápido para o restaurante onde trabalho, o meu azar decidiu trabalhar contra mim: Um carro preto muito bonito passou em uma poça de água com pressa e formou uma onda tão grande que me molhou inteirinha, dos pés a cabeça. O carro estava ultrapassando um carro mais lento pelo lado errado da pista! Eu paralisei na hora, olhei pra mim mesma e depois olhei para a poça de água quase vazia na rua. Agora, eu estava fedendo água suja e completamente ensopada.
— Filho de uma puta! — Gritei, peguei meu telefone e anotei a placa do carro. — Eu vou te processar! — Gritei, mostrando o dedo do meio para o carro, que parecia nem ligar.
Eu caminhei para o restaurante porque não tinha escolha. Era óbvio que o meu chefe iria ficar nervoso, ao me ver daquele jeito, mas eu sabia que chegar atrasada o deixaria ainda mais nervoso, então fiz uma escolha.
— Bom dia, senhor Hopkins. — Eu entrei no restaurante molhada, e ele me olhou de cima a baixo.
— O que aconteceu com você? Você tá horrível! Vai se arrumar agora! — Eu bufei e fui correndo para os fundos.
— Algum ricaço idiota decidiu me molhar passando em uma poça de água. — Ele girou os olhos e apontou para os fundos do restaurante.
— Se arrume agora, imediatamente, caramba! — Disse, nervoso.
Eu me arrumei rápido, lavei meu cabelo na pia do banheiro de funcionários e o prendi em um coque para não ficar tão horrível.
— Pronto, senhor Hopkins. Já estou devidamente arrumada. — Falei. Mostrei o uniforme que peguei em meu armário, e ele deu um joinha com a mão.
— Chegou um cliente. Está meio cedo, o cozinheiro acabou de chegar, seja simpática e os receba com alegria. — Eu concordei com a cabeça e fui fazer o meu trabalho.
Saí com o cardápio nas mãos. Na mesa, um homem de trinta e poucos anos estava sentado com uma criança de cinco ou seis anos. Não pude deixar de reparar no homem, quando se levantou para ajeitar o menino na cadeira. Ele é alto, bem arrumado, está vestindo uma camisa branca e calça social. Seus sapatos e relógio são originais. Como sei? O senhor Hopkins me ensinou a diferenciar os clientes ricos e pobres. Infelizmente, ele quer que eu trate os clientes ricos de uma forma mais amigável ainda, porque são esses clientes que compram as coisas mais caras do restaurante. Ele é alto e não tem um fio de cabelo fora do lugar. A medida que me aproximo, sinto um perfume maravilhoso e amadeirado.
— Seja bem-vindo ao HOPE, senhor. — Eu sorri para o homem, que se me olhou de forma séria, e esticou a mão para receber o cardápio.
— Escolha o que quiser, Benny. — O homem disse ao garoto, que pegou o cardápio.
— Olha só, esse menino lindo já sabe ler? — Falei, sorrindo para o garoto.
— Sei. E eu vou querer um monte de coisas! — Ele disse, animado. Abriu o cardápio e começou a folheá-lo.
— Vou deixa-los à vontade, e logo venho tirar o pedido de vocês, tudo bem? — Falei, e o homem nem olhou para mim.
Eu fui até o caixa, onde senhor Hopkins estava sentado. Ele colocou a mão no peito, me puxou pelo braço e mostrou uma foto no computador. Era a foto do homem que está sentado à mesa.
— Ele é Henry Abel. — Eu olhei para meu chefe, sem entender muita coisa, e muito menos o motivo dele sussurrar. — Esse cara tem dinheiro pra jogar no lixo. Não estou brincando. — Dei os ombros.
— Por isso parece ser tão esnobe. — Falei.
— É, mas trate ele muito bem. Sabe o escritório de engenharia que tem aquele símbolo de águia? Que está em todos os edifícios caros que estão sendo construídos por aqui. Sabe? — Eu dei os ombros. Ele girou os olhos e procurou o símbolo na internet, e sim, eu o reconheci.
— Ah, agora sei.
— Ele é o dono dessa empresa, o CEO, como dizem. A família Abel construiu Nova Iorque e o resto dos edifícios caros dos EUA. Se é bom, bem feito e chama atenção... Eles que construíram. Tem os melhores engenheiros do mundo trabalhando, e estão construindo um império no mundo inteiro. — Eu ergui as sobrancelhas.
— Ele parece alguém importante. — Comentei, apenas para não demonstrar meu completo desinteresse.
— Ele é. Fiquei sabendo que ele voltou a morar em Nova Iorque, mas não esperava que ele viesse no meu restaurante, apesar da empresa ficar aqui por perto. Ainda mais com seu herdeiro! — Disse, sussurrando.
— Ah, aquele é o filho dele? — Meu chefe concordou com a cabeça.
— É.
ELLE NARRANDOHenry Abel levantou a mão, me chamando para que eu fosse atende-lo. Eu fui até eles, para anotar o pedido.— Para mim, uma paleta de cordeiro do chef, por favor. E pode sugerir uma entrada que achar agradável. — Ele disse, meio que sem se importar.— Vinho para acompanhar, senhor? — Questionei.— Qual sua sugestão? — Questionou.— Esse prato harmoniza muito bem com nosso vinho Chianti, que vem diretamente da Toscana e é elaborado com uvas Sangiovese. Mas se o senhor não gostar de vinhos italianos, posso sugerir o Bordeaux, também harmoniza bem.— Pode ser o Chianti.— E você, meu amor, o que vai querer? — Eu sorri para o garotinho, o observando de forma carinhosa.— Eu quero esse, esse, esse e esse! — Disse, apontando para os quatro pratos no cardápio.— Ah, meu amor, você não vai aguentar comer tudo isso. Por que não escolhe apenas um, hm? Eles são pratos bem grandes. — Falei, pacientemente.— Não, eu quero todos. — O garoto me olhou com seriedade, como se eu fosse obri
ELLE NARRANDOFiquei com muita raiva do que aconteceu. Eu fui completamente humilhada por esse tal de Henry Abel. Tanto faz quem ele é, se é rico ou pobre, o que me interessa foi o jeito com que ele me tratou que eu odiei! Porém, eu não posso deixar de admitir uma coisa: Ele é um homem muito, muito bonito... E seu ar dominador me deixou meio... Eu não sei dizer, com os joelhos bambos. Homens poderosos sempre me deixaram assim, mas eu apenas ignoro. Não tenho tempo para ficar me derretendo por cada homem poderoso que acho bonito dentro do restaurante onde trabalho. O problema é que, o olhar de Henry Abel no meu não me sai da cabeça. E isso me faz ficar com mais raiva ainda.Quando cheguei em casa, depois desse dia horrível, liguei para minha melhor amiga, Nicole.— Oi, amiga. — Falei, no telefone.— Oi, linda! Como você está? — Questionou.— Irritada. Tive um dia péssimo. — Bufei. — Você não vai acreditar no que me aconteceu hoje.— O que aconteceu?— Hoje de manhã, eu estava atrasada
ELLE NARRANDOQuando Henry fez isso, o homem o atacou com um soco, e eu me soltei de Henry. Antes que o soco pudesse acertar Henry, ele segurou a mão do homem no ar e o empurrou para longe.— Você tem certeza que quer brigar comigo? — Disse, abrindo os botões dos punhos da camisa branca e dobrando as mangas.— Acha que eu tenho medo de um mauricinho idiota? — Respondeu, prontamente.O homem atacou Henry, e ele começou a bater nele de volta. Henry, vestindo uma camisa branca, parecendo apenas um homem de negócios comum só que bonito, alto e forte, deu uma surra em um marmanjo vestindo camisa de time. Foi uma surra colossal. Os outros dois amigos do homem que foi espancado entraram no meio da briga, tentando segurar Henry... Mas ele deu conta dos dois, sozinho, os espancando também. Eu estava me segurando no banco, para não cair, mas vi tudo. Agora, os três marmanjos valentões estavam caídos no chão, se contorcendo de dor.— Será que mais alguém quer levar uma surra aqui, ou eu posso ir
ELLE NARRANDOApaguei de novo. Tudo estava confuso demais, eu não fazia ideia do que estava acontecendo direito. Mas então, quando acordei depois de um longo tempo, eu vi o que estava acontecendo e lembrei de onde estava. Agora, eu já me sentia bem melhor. Me levantei e vi na mesinha de centro minha bolsa, uma garrafa de água e alguns comprimidos para dor de cabeça e enjôo. Eu peguei um para dor de cabeça e tomei, então, vesti as sandálias e saí do quarto. Henry me salvou e eu só conseguia sentir um misto de gratidão e... Outras coisas que pulavam por meu peito e eu não conseguia entender. Sou uma pessoa confusa, e Henry chegou transformando meu peito em um liquidificador aberto, ligado, com passa de panqueca... Só que sem tampa. É, foi isso que ele fez comigo.Fui surpreendida pelo filho de Henry, que veio correndo em minha direção.— Ei! É você! É a moça legal do restaurante! — Ele agarrou minhas pernas. — Você vai ser minha nova mamãe? Diz que sim! O papai nunca traz nenhuma mulher
ELLE NARRANDOAcordei cedo, hoje o dia seria ótimo, pressupus. Não tenho nada me incomodando e tenho tempo para chegar ao meu trabalho de forma tranquila. Me arrumei, passei um pouco de rímel e batom, fiz uma trança embutida em meu cabelo e olhei para mim mesma. Sou uma mulher bonita de cabelos castanhos e olhos castanhos, pele clara, tenho baixa estatura e um corpo normal. Não sou o padrão de beleza, mas todos sempre disseram que tenho uma beleza diferente das outras. Essa beleza já me colocou em mais enrascadas do que posso contar. O valentão no bar não foi o primeiro.Ouvi batidas na porta e fui correndo atender. Quem poderia ser essa hora?— Oi, amiga. — Nicole estava na porta, quando eu atendi. Eu a olhei com ódio.— Amiga? Você tem coragem de me chamar de amiga depois de me deixar sozinha naquela droga de bar? Você me deixou nas mãos de um filho da puta, sabia? Ele me embebedou e podia ter me estuprado, se não fosse... — Eu mesma me interrompi.— Me perdoa! Eu sei que errei, mas
ELLE NARRANDODevido ao meu estado, quando ouvi passos, me virei com muito medo. Gabriel estava se aproximando de mim.— Que bom que está sozinha. Quero conversar com você. — Ele disse, se aproximando de mim. Me segurou pela cintura e eu o empurrei para longe.— Não me toca. — Falei, o empurrando.— Eu quero você. E vejo a forma como me olha, sei que você me quer também! — Ele afirmou.— Não! Eu não quero você, pelo amor de Deus! — Falei, dando um passo para trás.— Ah, você não quer? Então vamos fazer o seguinte: Ou você fica comigo, ou eu faço você ser demitida. O que acha? — Ele sorriu de forma maliciosa, e eu corri para dentro do restaurante, rezando para que houvesse algum cliente para eu atender.Sim, havia um cliente. E quem ele era? Era Henry. Ele entrou no restaurante com seus óculos escuros, perfeitamente arrumado, de mãos dadas com seu filho. Eu engoli seco e fui atende-los, enquanto se sentavam em uma mesa.— Olá, posso deixar o cardápio com vocês? — Perguntei, com o coraç
ELLE NARRANDOApesar de ter recebido aquela mensagem ridícula de Henry Abel, eu decidi ignorar. Às vezes eu sinto que ele está me vigiando, e eu não sei qual é o motivo. Será que ele é algum maluco? Será que ele gosta de mim? Eu não sei, só sei que essa sensação de ser vigiada me incomoda... Por mais que ele seja lindo e seu rosto fique atormentando meus pensamentos. Finalmente me deitei na cama, e então, um filme sobre várias coisas começou a passar na minha cabeça, mas percebi que meu principal pensamento girava em torno de Henry Abel. Como eu posso achar alguém tão insuportável e tão gostoso ao mesmo tempo? Isso é, no mínimo, bastante injusto. Depois de um tempo, fui vencida pelo meu próprio cansaço.— Henry? O que você está fazendo aqui? — Eu arregalei os olhos, o vendo entrar na minha casa sem bater.Ele abriu o primeiro botão da camisa social, depois o segundo, e todos os seguintes, sem tirar os olhos dos meus. Eu desviei o olhar para seu peitoral, e assim que ele estava perto o
ELLE NARRANDOQuando estava anoitecendo, recebi uma ligação no meu celular do meu chefe.— Alô? — Atendi, prontamente.— Oi, linda. — Era Gabriel. Aquilo me deixou com raiva.— Por que está usando o telefone do seu pai? — Questionei.— Tivemos um contratempo, meu pai está ocupado e pediu que eu te ligasse. Não se preocupe, serei breve...— Tá, fala. — Respondi, a contra gosto.— Elle, uma funcionária do turno da noite se demitiu. Será que você poderia substituir por essa semana? É importante.Eu juro que parei e pensei por um momento. Fiquei com medo de assumir e não dar conta, afinal, trabalho oito horas por dia, e isso aumentaria ainda mais minha carga horária. Mas... Eu preciso do dinheiro.— Alguns dias, apenas? — Perguntei.— Sim, apenas até encontrarmos uma nova funcionária. Você é excelente e os clientes te adoram... Eu desconfio do motivo, mas melhor ficar em silêncio. — Gabriel disse e eu girei os olhos.— Seu pai vai me pagar o adicional noturno? — Questionei.— Vai, vai sim