Mantendo o corpo inconsciente de Selene junto ao seu, Cedric, seguiu em direção à ala médica da fortaleza. Ao pousar, a magia alada se desconectou de seu corpo voando de volta para as acomodações reais. De imediato foi cercado por alguns de seus homens e aldeões curiosos com o corpo que carregava ensanguentado em seus braços. Não dando atenção as indagações, com o coração acelerado, correu para dentro da propriedade até passar pelas portas de madeira do cômodo ocupado pelo médico de Eszter.
— Majestade...!
Colocou Selene na cama mais próxima e ordenou imperioso:
— Salve-a!
O idoso chamou sua equipe para atender a esposa de seu rei, ainda sem compreender como ela acabou naquela situação, com o pequeno corpo minando sangue.
Cedric deixou a equipe médica cuidando de Selene e foi ao encontro de três cavaleiros que o seguiram, preocupados com a possibilidade de o rei estar ferido.
— No jardim do sul deixei um homem amarrado. Peguem-no e levem para o calabouço para ser interrogado — comandou sendo atendido de imediato.
Retornou para ver o que faziam com Selene, mas o médico o parou antes que entrasse.
— Majestade, a sua... sua... — iniciou o homem sem saber como se referir a jovem ferida, uma vez que todos na fortaleza sabiam que Cedric ignorava a mulher desde o casamento. — A moça... está gravemente ferida...
— Sei disso — Cedric resmungou irritado com a gagueira do médico. — Trouxe-a exatamente para que a salve.
Tenso, o médico apertou as mãos.
— Majestade... Os ferimentos são profundos, estacamos o sangue, mas... — engoliu em seco, com medo do que aconteceria após suas próximas palavras.
Apesar do rei deixar evidente seu desprezo pela jovem esposa, rejeitando-a perante a todos desde que ela chegou ao reino, era evidente que Cedric estava determinado a mantê-la viva.
— Fale logo! — Cedric exigiu sem erguer a voz, mas com força suficiente para fazer os ossos do médico fraquejarem.
— Os ferimentos atingiram órgãos vitais e... É impossível para nós, meros humanos, curá-la — soltou de cabeça baixa.
Ouvindo os passos pesados se afastando, o médico ergueu os olhos e viu Cedric saindo do centro médico da fortaleza. Suspirou com alívio ao perceber que o rei aceitou a notícia calmamente, embora não devesse se surpreender pela atitude fria.
O rei de Eszter colocou sua esposa a quilômetros de distância dele, sem nem mesmo uma dama de companhia para atendê-la ao longo do dia como era devido, e sequer mencionava o nome dela. Era óbvio que só se incomodava com um possível retorno da guerra caso o pai da jovem se incomodasse. Embora o Rei Perverso não demonstrasse se importar com a filha, uma vez que nunca apareceu em Eszter e nem enviou ninguém para ver como ela estava após o enlace.
Em desalento pela falta de sorte da garota, retornou para junto da equipe que trabalhava freneticamente para impedir que o restante de vida na jovem se esvaísse.
~*~
Minutos depois, o rei retornava ao centro médico e ao seu lado estava Ayala, a Feiticeira Dourada. Os dois entraram no quarto em que estava Selene, ainda inconsciente e com o corpo coberto de ataduras.
— O médico disse que meros humanos não podem ajudá-la — Cedric disse enquanto Ayala se aproximava de Selene. — Sua magia pode salvá-la?
Ayala ergueu os olhos dourados para o rei, surpresa por ele chama-la para salvar a vida de Selene, uma vez que no passado planejou matar a esposa logo após o casamento. Supôs que o fazia por Tristan. Desde que Selene amenizou suas feridas e dores, o melhor amigo de Cedric não passava um dia sem ver a jovem, em busca de alívio para a maldição que dominava o lado direito de seu corpo. Tristan só não estava ali, implorando pela vida de Selene, porque saiu cedo para a checagem de proteção ao redor da muralha.
— Meus poderes de cura são limitados a feridas superficiais — alertou, não pela primeira vez desde que Cedric entrou em sua ala em busca de ajuda para Selene. — Posso verificar os pontos de atenção para que foquem neles.
Fechou os olhos para concentrar seu poder, estendeu as mãos acima de Selene, movendo-a por cada parte coberta pelas ataduras, uma luz amarelada irradiando das palmas abertas. Seu cenho franziu conforme a avaliação prosseguia.
— As feridas estão se curando sozinhas — relatou ao abrir os olhos. — Devagar, mas ela não corre risco de morte.
— Como assim? — Cedric questionou olhando da maga para Selene, mais pálida que o normal. — O médico disse que as feridas atingiram órgãos vitais.
— Os poderes dela estão lentamente curando os ferimentos — Ayala comentou impressionada, pois era incomum, mesmo para magos, a autocura sem consciência. Ainda mais vindo de uma jovem que não conseguia sequer emanar um fio de magia durante as aulas que ministrava para ela. Observando Selene com atenção, moveu a mão para a lateral do rosto da jovem, afastando os fios quase prateados para detrás da orelha. — Essa moça tem sangue élfico! — disse com surpresa ao notar a orelha levemente pontuda.
— Impossível! O pai dela é um humano. Desprezível e dominado por demônios, mais ainda assim um humano — Cedric disse, embora a prova da declaração da maga estivesse bem a sua frente. — Como não vimos isso antes?
— Propositalmente ou não, ela usa o cabelo sempre solto, cobrindo as orelhas, e nenhum de nós se interessou em passar mais que poucos minutos ao lado dela, nem mesmo Tristan tem coragem para isso — Ayala sinalizou calmamente. — Quanto ao pai dela. O reino de Magdala tem seres élficos, sendo Mamba, o feiticeiro, o mais conhecido de lá. Não seria surpresa o Perverso ter desposado uma elfa para se apropriar da poderosa e ancestral magia élfica.
— Uma mestiça elfa — Cedric murmurou incerto.
— Se coletarmos essa magia de cura, posso tratá-la para usarmos em futuras batalhas, sarando rapidamente os ferimentos dos nossos guerreiros — a maga propôs.
— Segundo os informes que me passa das aulas de magia, fora o alívio que ela fornece as dores do Tristan, sem intenção — Cedric frisou, continuando com desdém: —, ela não emana a magia conscientemente.
— Os poderes mágicos élficos são diferentes aos que nós humanos usamos. São elementais, ligados a natureza e as emoções, principalmente o lunar — Ayala disse empolgada com a descoberta. — Cedric, se controlar completamente as emoções de Selene, seremos invencíveis — profetizou.
— Como posso fazer isso? — Cedric questionou confuso. A frustação fazendo os longos dedos se fecharem em volta da cabeça de corvo que enfeitava o punho de sua espada.
— O poder que ela emana é lunar. São relacionadas ao feminino, ao amor romântico e a cura. Nada é mais forte e melhor que o amor — Ayala comentou pensativa, voltando seus olhos perspicazes para Cedric. — Selene precisa amar e ser amada para a magia vibrar sem restrições.
Forçando as pálpebras a se abrirem, Selene observou um teto branco por um segundo, antes de uma dor aguda a fazer fecha-los com um gemido trêmulo. Seu corpo doía por inteiro. Ergueu um braço, para suavizar a luminosidade em seus olhos. Com a visão melhor, reparou nas ataduras cobrindo todo seu torso. Como um raio as lembranças do que aconteceu antes de desmaiar a atingiu. O empregado conjurando um portal; a fera esverdeada; o ataque feroz; a chegada de um ser alado, que logo soube se tratar de Cedric, junto com a certeza de que ele terminaria o serviço e a mataria como tentou no dia do casamento; o abrigo quente e reconfortante que encontrou nos braços dele. Confusa, fraca, com uma sensação pastosa na língua, e sentindo os braços e pernas pesando como chumbo, piscando observou o que a cercava. Estava em um quarto pequeno, com outras três camas, um armário com remédios e havia uma cadeira próxima a sua cama. Sentado na cadeira, em trajes elegantes e encarando-a com os profundos olho
Tendo desistido de começar a missão de seduzir Selene, Cedric, focou sua atenção para o segundo problema que tinha em suas mãos: O motivo do atentado contra a esposa. Embora não fosse comum aos reis interrogarem prisioneiros, Cedric, acostumado a executar todas as funções durante sua saga em reconstruir seu reino, acostumou-se a tomar a frente de todas as situações importantes dentro e fora das muralhas da fortaleza de Eszter. Seguindo pelos corredores úmidos que levavam ao calabouço, Cedric preparava-se para interrogar o homem, trajando roupas de empregado do castelo, e tirar dele a motivação e nomes de todos que estavam envolvidos na tentativa de matar Selene. Ao alcançar o enorme e pesado portão de ferro da prisão, sem ser necessário soltar uma só palavra, os quatros guardas, protegendo o castelo de possíveis fugas dos prisioneiros, o abriram para lhe dar passagem. — Vim falar com o prisioneiro que mandei trazer hoje — anunciou imperioso. Um dos homens, o de maior posição entre
Embora todo seu corpo doesse e tivesse de se manter quieta para recuperar-se rápido, Selene muitas vezes esquecia-se das feridas e se remexia de um lado para o outro, entediada em ficar na cama. Não queria permanecer imóvel em um leito lúgubre. Desejava estar ao ar livre e não em uma “cela” como tinha estado durante grande parte de sua vida ao lado do pai. — Boa tarde, princesa Selene! Novamente esquecida dos ferimentos, dessa vez movida pela empolgação, Selene se ergueu com a intenção de abraçar o único amigo que tinha em Eszter. Um instante depois, com um urro de dor, voltou a jogar o corpo nos lençóis. — Calma! Não faça movimentos bruscos, princesa — Tristan pediu se aproximando veloz dela. — Tem que ter cuidado — disse passando a mão carinhosamente pelo cabelo dela. — Obrigada por me visitar — disse com um sorriso agradecido. Tristan era seu único amigo dentro da fortaleza, nas terras de Eszter e até além das fronteiras de todos os reinos restantes. Somente em sua infância, an
Após terminar a verificação dos arredores, pausada por causa do ataque a Selene, e conversar com seus guardas, exigindo que espalhassem, dentro e fora da fortaleza, à condenação que atentar contra a rainha causaria, Cedric, voltou para o palácio. Precisando de um banho e trocar as roupas sujas do sangue de Selene e do empregado condenado, logo na entrada do palácio deu ordens que esquentassem água e enchessem a tina de suas acomodações. Passava pelo grande salão, rumo a escadarias para o piso superior, quando viu Tristan saindo do corredor que levava a ala médica. Com o olhar indecifrável, permaneceu parado no lugar, aguardando o amigo aproximar-se já imaginando o motivo dele estar daquele lado do palácio. — Boa noite, Majestade! — Tristan saudou com toda pompa, o sorriso atrevido fazendo Cedric revirar os olhos. Cresceram juntos, até mesmo lutaram lado a lado nos anos sangrentos de guerra contra o reino de Magdala. Tristan conhecia Cedric melhor que qualquer pessoa no mundo e até
Sem sono e com as feridas latejando, indicando que as ervas falharam em alivia-las, Selene desistiu de dormir e, mesmo odiando os manuscritos sobre magia, pegou um dos encadernados pousado ao lado de sua cama. No entanto, por mais que forçasse a visão, a leitura dos manuscritos antigos era difícil. A esfera flutuante acima de sua cama tinha pouca luz. A magia de trovão presa nela, que emitia fortes raios esbranquiçados quando cheia, estava quase apagada, provavelmente pelo passar do tempo não tendo sido recarregado para a iluminação não prejudicar o descanso noturno. Largou o livro e puxou a bolsa trazida por Tristan, remexendo seu interior em busca de algo para distrai-la. Havia algumas peças para distrair, como cartas e jogos, mas precisava de uma segunda pessoa. Observou cada peça com curiosidade, desconhecendo a maioria. Após a morte de sua Myra, seu pai a proibiu de gastar energia com tolices infantis e concentrar-se em ser tão poderosa quanto sua mãe foi. Era assim que conside
Estreitando o olhar, Cedric fechou a mão em volta da cabeça de corvo incrustada no punho da espada. Um movimento instintivo, comum quando algo ou alguém o perturbava. Nesse caso, estava extremamente zangado com a atitude rebelde de sua pequena esposa. — Sou seu marido e, acima disso, seu Rei. Assim que estiver melhor retornará as aulas de magia, que serão intensificadas até que domine algum elemento — comandou com dureza. — Não posso, não quero e nem preciso aprender magia — declarou encarando-o com determinação. — Passei meses em aulas aborrecidas para despertar algo impossível. Meu poder acabou para sempre. Cedric estreitou o olhar. — O que quer dizer com acabou? Já teve algum poder? — sondou interessado. — Tive na infância. Quando minha mãe vivia compartilhávamos o mesmo poder — respondeu, logo argumentando para fazê-lo entender sua motivação em acabar com as torturantes aulas. — Meu pai e o feiticeiro Mamba me davam aulas diárias, forçavam os treinos até minha exaustão, mas si
Na cúpula da segunda torre do castelo de Magdala, Mamba trabalhava em seu novo projeto para capturar magia, quando o som rastejante chamou sua atenção para a única e grande janela. Em silêncio observou uma serpente de escamas esverdeadas atravessa-la e se mover até ele. Ao chegar aos seus pés, a criatura ergueu-se, as escamas soltando fortes raios esbranquiçados que fariam qualquer um desviar o olhar, mas não o feiticeiro de Magdala. Ele continuou com os olhos fixos na cobra, um sorriso ladino formando-se ao visualizar a transformação de sua maior cúmplice. Quando a luz se desfez o demônio da água tomou a forma de uma jovem nua de pele pálida e cabelo longo, úmido e verde. — Fiz como me pediu mestre, seduzi os ouvidos de um humano, aticei seu ódio contra os magdalianos, contra Selene, e o manipulei para que me ajudasse a entrar na fortaleza e atacar mortalmente a princesa — relatou fitando-o com brilhantes olhos esverdeados. — Selene morreu? — questionou Mamba com expectativa. —
Deitada em um mar de peles quentinhas, usando uma camisola de algodão macio e alimentada com um guisado saboroso acompanhado por frutas frescas, mesmo com as dores das feridas, Selene sentia-se uma princesa de verdade pela primeira vez em anos. Só tivera tratamento semelhante quando sua mãe era viva. Levou um susto quando naquela manhã foi levada para um quarto novo, maior e muito bonito na ala norte do palácio. Também foi apresentada a Cira, governanta do palácio, e a Patry, sua agora dama de companhia. No começo temeu o tratamento que receberia, até encarou com desconfiança a tina com uma névoa quente em sua superfície, com medo de ser uma armadilha como a que faziam para o preparo de rã. Mas ao entrar devagar na tina, encontrou a água perfumada e numa temperatura agradável. Só não dormiu durante o banho por ainda restar uma parcela de suspeita de que seria afogada se relaxasse demais. Em silêncio desde que foram apresentadas, Patry a ajudou a secar-se, colocar a camisola e deita