Na cúpula da segunda torre do castelo de Magdala, Mamba trabalhava em seu novo projeto para capturar magia, quando o som rastejante chamou sua atenção para a única e grande janela. Em silêncio observou uma serpente de escamas esverdeadas atravessa-la e se mover até ele. Ao chegar aos seus pés, a criatura ergueu-se, as escamas soltando fortes raios esbranquiçados que fariam qualquer um desviar o olhar, mas não o feiticeiro de Magdala. Ele continuou com os olhos fixos na cobra, um sorriso ladino formando-se ao visualizar a transformação de sua maior cúmplice. Quando a luz se desfez o demônio da água tomou a forma de uma jovem nua de pele pálida e cabelo longo, úmido e verde. — Fiz como me pediu mestre, seduzi os ouvidos de um humano, aticei seu ódio contra os magdalianos, contra Selene, e o manipulei para que me ajudasse a entrar na fortaleza e atacar mortalmente a princesa — relatou fitando-o com brilhantes olhos esverdeados. — Selene morreu? — questionou Mamba com expectativa. —
Deitada em um mar de peles quentinhas, usando uma camisola de algodão macio e alimentada com um guisado saboroso acompanhado por frutas frescas, mesmo com as dores das feridas, Selene sentia-se uma princesa de verdade pela primeira vez em anos. Só tivera tratamento semelhante quando sua mãe era viva. Levou um susto quando naquela manhã foi levada para um quarto novo, maior e muito bonito na ala norte do palácio. Também foi apresentada a Cira, governanta do palácio, e a Patry, sua agora dama de companhia. No começo temeu o tratamento que receberia, até encarou com desconfiança a tina com uma névoa quente em sua superfície, com medo de ser uma armadilha como a que faziam para o preparo de rã. Mas ao entrar devagar na tina, encontrou a água perfumada e numa temperatura agradável. Só não dormiu durante o banho por ainda restar uma parcela de suspeita de que seria afogada se relaxasse demais. Em silêncio desde que foram apresentadas, Patry a ajudou a secar-se, colocar a camisola e deita
A desconfiança de Cedric aumentou ao perceber a tensão e palidez em Selene diante da pergunta. O medo, como uma sombra, dançava nos olhos azulados, arregalados e fixos nele como se tivesse acabado de condená-la a morte. — Por que pede para ser uma aldeã em Eszter, no lugar de pedir para retornar à sua vida de princesa em Magdala? — questionou novamente quando o silêncio perdurou e Selene desviou o olhar. Selene hesitou por um instante, o olhar perdido nos dedos se apertando nas peles em seu colo, incerta entre mentir, deixando que continuasse a acreditar que era a filha amada que veio trazer a paz, ou contar toda verdade do pesadelo que viveu presa e maltratada pelo próprio pai. Inspirou fundo e decidiu que se queria ter uma chance dele aceitar seu pedido tinha de caminhar de mãos dadas com a dolorosa verdade. — Magdala deixou de ser um lugar bom depois da morte da minha mãe — disse suave e trêmula. — Meu pai... algo mudou dentro dele... O fez ficar cruel... — A ambição e maldade d
O cetro acertou seu braço direito com violência e sem aviso. A pedra da lua em suas mãos voou longe, ao mesmo tempo em que um grito de dor e medo saiu de seus lábios, o corpo diminuto colidindo contra o piso frio. — Criança inútil! Myra deixou-me somente decepção — o Rei Phelix, seu amado pai, bradou descendo novamente o cetro ativado com magia do trovão nas costas dela. Era a primeira vez que ele a agredia e Selene não entendia o motivo, não compreendia nada do que ocorrera nas últimas horas. As lembranças estavam confusas. Luzes azuladas e púrpuras se colidindo. Myra, sua mãe, correndo com ela nos braços, murmurando cânticos em desespero. Uma força intensa e agradável unindo-as. Phelix, até aquele dia o bondoso rei de Magdala e seu pai, lançava através de seu cetro todo tipo de magia elemental contra elas. Acompanhando-o na “caça”, Mamba sorria largamente enquanto fortificava a magia do rei. Ao ser encurralada ao fim da torre mais alta, abraçando a filha com força contra o peito,
Antes de sair para a vistoria da muralha, Cedric atravessou os corredores que levavam as acomodações reais, o passo lento, guiado pelos ecos das lembranças da noite anterior. Ao alcançar a porta de Selene, hesitou por um instante. Segurando o primeiro instinto, o de simplesmente entrar, bateu na porta. A acompanhante de Selene abriu a porta e o olhou apavorada. Dobrando-se em reverências, ela o deixou entrar antes de partir apressada. Recostada contras as almofadas, Selene ajeitou-se, observando inquieta Cedric se aproximar. — Como você está hoje? — ele questionou, sentando na poltrona ao lado da cama. — Estão cuidando adequadamente das suas feridas? — Estou bem... — respondeu incerta de como agir após o beijo. — As feridas já estão curadas, não se preocupe... Desconfiando que ela mentia por causa do ocorrido entre eles, Cedric observou-a atentamente, examinando cada detalhe de seu rosto em busca de qualquer sinal de dor ou desconforto. — Não é necessário que minta — Cedric expre
Mesmo em suas acomodações, o semblante entristecido de Selene ao insistir em abandonar a fortaleza invadia os pensamentos de Cedric Darkv. Se revirava no leito, os olhos pesados de sono, mas incapazes de cair no mundo dos sonhos. — Selene... Como a convenço que o lugar dela é aqui? — sussurrou para a escuridão, como se as sombras pudessem oferecer alguma orientação. A resposta, entretanto, permanecia longe de seu alcance. Fez uma careta ao refazer a pergunta em outro contexto. — O lugar dela é mesmo aqui? O som do vento percorrendo o castelo parecia um coro melancólico, ecoando a agonia silenciosa do Rei Corvo. Ainda que as decisões políticas pairassem sobre ele como uma coroa pesada, era a dualidade de sentimentos que o mantinha acordado. Enquanto a madrugada avançava, Cedric mergulhava em um mar de possibilidades, cada onda de confusão colidindo com a próxima, sem nunca chegar a um caminho satisfatório. Ao raiar do dia, exausto e desgastado, ergueu-se do leito. As vestes em preto
À tarde, sem se anunciar, Cedric, entrou no quarto de Selene. Como esperado, Patry saiu como um raio antes mesmo que ele ordenasse que o fizesse.A surpresa dominou Cedric ao encontrar Aodh pousado na janela aberta. Mas não era a ave fora gaiola que causou seu espanto. A gaiola foi apenas uma precaução para o caso de Aodh tentar bicar Selene. O corvo tinha uma personalidade intensa, voluntariosa e esperta, fazia o que queria e nenhuma tranca jamais o seguraria. Motivo pelo qual não as utilizava, deixando o corvo decidir quando entrava ou saia da gaiola e de qualquer local que quisesse. O espanto não era com a ave e sim com Selene. Sentada em uma cadeira ao lado de Aodh, ela acariciava distraída as penas das asas dele, alheia a chegada de Cedric.Sempre atento, Aodh voou até o ombro de Cedric.— Edric! — A ave soltou em uma voz assustadoramente grossa.— Ele fala?! — Selene imp
Dias depois, mesmo fingindo não se importar com as visitas, Selene sentia-se mais a vontade com a presença de Cedric, até ansiava vê-lo entrar no dormitório, mesmo que passasse poucos segundos com ela e só para alimentar Aodh.Em grande parte gostava das visitas frequentes de Cedric por perceber que as empregadas passaram a olha-la de maneira diferente, com mais respeito e com menos intenções de maltratá-la. Talvez fosse pelas ameaças de Cedric, mas deixou Selene com menos medo de sofrer outro ataque.~*~À noite, em mais uma visita a sua esposa, encostado na parede, Cedric observava em silêncio e de braços cruzados o corvo Aodh, seu companheiro de batalhas, empoleirado na janela aberta do quarto da jovem rainha, agindo como um doce bichinho de estimação e não o assassino sanguinário que de fato era.Selene estava totalmente recuperada e us