Nas primeiras vezes em que pisei os pés na floresta para começar os treinamentos, eu morria de medo de absolutamente tudo.Paul gostava de ir sempre que anoitecia, ele dizia que eram os melhores momentos para nos acostumarmos porque se eu começasse do ponto que me desafiava mais, depois nada seria intimidador o suficiente.Então íamos, assim que o sol ia embora, partíamos para a floresta e ele me fazia prestar atenção a cada mínimo detalhe.De uma simples árvore com um risco diferente, ou um terreno mais elevado, até mesmo às raízes no chão coberto de folhas. Ele sempre me fazia decorar cada coisa, para caso me perdesse, soubesse voltar.Demorou talvez um ano inteiro para que eu conseguisse me acostumar e saber ir e voltar sozinha.Muitas vezes precisei entrar na mata, e depois tive que pedir para ele ir me tirar porque me perdia, mas isso passou, comecei a me familiarizar com o ambiente e até mesmo marquei algumas árvores com símbolos que fizessem eu me situar.Os anos seguintes fora
Ao proferir cada palavra, sua voz se embargou e ele começou a chorar. Chorou de soluçar enquanto seu sangue saía e se perdia na terra, no chão e entre as folhas.Eu deveria sentir pena? Deveria levar em consideração o seu sofrimento e não o meu?Marisa me disse uma vez que às vezes vilões não nascem com o mal neles, que eles vão desenvolvendo com o tempo e com as circunstâncias.Talvez não fosse uma grande mentira, mas isso não podia anular o que ele fez comigo certo?Isso jamais ia anular o mal que me causou, e se eu deixasse minha mente me iludir, não ia ter paz nem pelas próximas horas. Eu nunca teria paz. Nunca. — Você me machucou também, Joe. Não é porque seus pais abusaram de você ao modo deles que você precisava fazer isso comigo! Você me transformou em um lixo ambulante, e vai ter que pagar por isso, sendo justo ou não.Fiquei de cócoras para olhar mais de perto para seu rosto, e o vi limpando as lágrimas com as mãos sujas de sangue. Seu rosto se tornou ainda pior. Todas aq
Caminhos que levam a um lugar grandioso quase sempre são repletos de espinhos e obstáculos. Aprendi isso com papai.Paul sempre me ensinou que para chegar ao topo, era necessário penar.Havia um terreno mais alto em Kodar onde era possível ver quase toda a ilha em um ângulo de cento e oitenta graus. Para chegar até lá nós tínhamos que passar por terrenos rochosos, subir alguns barrancos, e esbarrar com algumas plantas cheias de espinhos, e até mesmo venenosas.Era difícil, muitas vezes eu desisti no meio do caminho, mas quando perseverei e subi mais e mais, alcancei o melhor lugar, e tive não só a visão mais linda, como a sensação incrível de me sentir plena e sortuda por fazer parte de um universo tão amplo.Passei meus dedos nos dentes de leões que me cercavam e as flores passaram a voar ao meu redor.A paisagem ficou ainda mais linda, plantinhas amarelas e brancas voando com a brisa da manhã. A sensação de paz dominando todo o meu ser, e a liberdade enfim alcançada.Sorri, porque n
Kiara andou de um lado para o outro à nossa frente, calma e serena, olhando para cada um de nós a cada passo dado. Sem tirar meus olhos de seu corpo, permaneci de joelhos no chão como os outros, de jeitinho que precisávamos ficar diante a Alfa, ansiosa querendo ouvir de uma vez a bronca que viria e as sentenças que seriam dadas. Se ela fosse dar algo pesado ao papai, nós teríamos que agir para impedir que o pior acontecesse, e então enfim nós íamos dar um jeito de destruir a Família como Joe planejava fazer. Não ia permitir que meu pai fosse morto por eles, não mesmo. — A Família sempre soube de Joe Foster, antes mesmo do que ele fez com a Chloe. Antes mesmo de Corey receber a ordem de executar uma missão específica para entrar para as Serpentes. Muito antes de Paul sequer imaginar que nós estávamos de olho em cada passo dele. Nós sempre soubemos, e sempre acompanhamos, mesmo que de longe. Acho que todos ali ficaram surpresos com a afirmação, mas eu não. Era meio que óbvio para m
Kiara deixou de tocar meu queixo para se aproximar mais uma vez do neto, o olhando de cima com sua postura de rainha. — Não podemos fingir que isso seria a pior das tragédias existentes quando muitas piores aconteceram. Eu vejo Chloe como minha neta sim, mas também sei que ela é uma mulher que se encaixou em um lugar que não era exclusivamente destinado a ela, e que ao fazer isso, se mostrou uma grande Legard. E sim, são irmãos mas não vou me enganar dizendo que o sangue nas veias deles é o mesmo. Sendo sincera, eu quero estar viva para ver Chloe liderando como Alfa um dia, e quero que um dos meus melhores Lobos esteja ao lado dela, se for o desejo de ambos. Não sejamos hipócritas aqui, Chloe é uma Legard, mas também é Chloe Clinton, filha de Coral. Posso escolher de qual ângulo quero enxergá-la, assim como você escolheu quando não poupou palavras para dizer as coisas que disse após ficar noivo. Suspirei com a enxurrada de palavras, e sim, escondi um sorriso debochado. Não tente dr
Mamãe estava abatida, lógico. Seus olhos vermelhos e inchados demonstravam que a conversa com Paul tinha sido pesada, e que a revelação de tudo o que aconteceu no passado e resultou no que havia acontecido no presente, foi ainda mais difícil.No lugar dela eu não estaria aguentando o baque, para ser sincera. Não mesmo.Uma traição dolorosa de tamanha proporção não ia me deixar ficar em pé e com a postura intacta como a dela. Apesar do visível abalo emocional, ela ainda era Marisa Legard, uma rainha aos meus olhos.Entrei no quarto grande onde ela havia se acomodado e fechei a porta nos trancando ali. Pensei em um milhão de frases para dizer, e no fim nenhuma parecia ser certa ou favorável para o momento.— Sabe, passando por tudo isso agora, eu percebo como guardar segredos das pessoas que amamos é uma coisa destruidora — iniciou sua fala, caminhando até sua bolsa que estava sobre a poltrona perto da imensa janela de vidros claros.Observei atentamente cada movimento seu, querendo
Suas palavras fizeram minha cabeça girar. Não podia ser. Não podia ser algo real, e não, eu não podia ser filha de um homem rico, certo? Eu não podia ser filha, e irmã de… de Madson? A mesma Madson que… por Deus! Não! Antes que eu me virasse para Marisa, vi Coral esfregando as mãos na calça jeans que vestia, olhando para os próprios pés por alguns segundos para então voltar a falar: "Eu não morri, apesar de ser isso que você ouviu até agora. Ninguém morreu, Chloe. A mulher que te gerou ainda deve estar viva, vai depender muito de quando estiver vendo esse vídeo, mas acredito que ainda estarei viva. Se depender da minha saúde, sim, com certeza ainda estarei viva. Espero que nisso você tenha puxado para mim, ter uma saúde de ferro vai te fazer bem. Bom, voltando ao ponto principal desse vídeo, chegou uma hora que cansei de tudo, cansei mesmo, e foi nesse momento que a Marisa me ofereceu uma boa quantia em dinheiro pra ir embora e deixar você. Não vou mentir, nem precisei pens
Senti os dedos macios de mamãe tocando minha cabeça e então entendi uma coisa que me recusei a entender por muitos anos. Ela era minha mãe. Marisa Legard era a minha mãe de verdade e eu nunca aceitei isso bem, mas ela era. Ergui o olhar e não tive vergonha de que ela me visse chorando. Não fiz menção de limpar as lágrimas, eu só me levantei e a abracei, chorando ainda mais por saber que fui cruel muitas e muitas vezes. Culpá-la por me comprar, eu não faria jamais. Quem tinha um compromisso comigo era Coral, ela foi quem fodeu e me gerou, ela quem deu a luz a uma garotinha e então decidiu que seria uma boa ideia fazer negócio usando um bebê. Vagabunda. Suja. Nojenta. A vadia estava viva quando eu me permiti remoer por anos uma suposta morte. Sofri por meses e meses achando que era injusto eu ter perdido minha mãe tão cedo e agora, a verdade é que ela estava viva tendo uma vida boa e longe de mim. Longe do seu "fruto de uma traição". — Quanto você pagou? — sussurrei a per