Mamãe estava abatida, lógico. Seus olhos vermelhos e inchados demonstravam que a conversa com Paul tinha sido pesada, e que a revelação de tudo o que aconteceu no passado e resultou no que havia acontecido no presente, foi ainda mais difícil.No lugar dela eu não estaria aguentando o baque, para ser sincera. Não mesmo.Uma traição dolorosa de tamanha proporção não ia me deixar ficar em pé e com a postura intacta como a dela. Apesar do visível abalo emocional, ela ainda era Marisa Legard, uma rainha aos meus olhos.Entrei no quarto grande onde ela havia se acomodado e fechei a porta nos trancando ali. Pensei em um milhão de frases para dizer, e no fim nenhuma parecia ser certa ou favorável para o momento.— Sabe, passando por tudo isso agora, eu percebo como guardar segredos das pessoas que amamos é uma coisa destruidora — iniciou sua fala, caminhando até sua bolsa que estava sobre a poltrona perto da imensa janela de vidros claros.Observei atentamente cada movimento seu, querendo
Suas palavras fizeram minha cabeça girar. Não podia ser. Não podia ser algo real, e não, eu não podia ser filha de um homem rico, certo? Eu não podia ser filha, e irmã de… de Madson? A mesma Madson que… por Deus! Não! Antes que eu me virasse para Marisa, vi Coral esfregando as mãos na calça jeans que vestia, olhando para os próprios pés por alguns segundos para então voltar a falar: "Eu não morri, apesar de ser isso que você ouviu até agora. Ninguém morreu, Chloe. A mulher que te gerou ainda deve estar viva, vai depender muito de quando estiver vendo esse vídeo, mas acredito que ainda estarei viva. Se depender da minha saúde, sim, com certeza ainda estarei viva. Espero que nisso você tenha puxado para mim, ter uma saúde de ferro vai te fazer bem. Bom, voltando ao ponto principal desse vídeo, chegou uma hora que cansei de tudo, cansei mesmo, e foi nesse momento que a Marisa me ofereceu uma boa quantia em dinheiro pra ir embora e deixar você. Não vou mentir, nem precisei pens
Senti os dedos macios de mamãe tocando minha cabeça e então entendi uma coisa que me recusei a entender por muitos anos. Ela era minha mãe. Marisa Legard era a minha mãe de verdade e eu nunca aceitei isso bem, mas ela era. Ergui o olhar e não tive vergonha de que ela me visse chorando. Não fiz menção de limpar as lágrimas, eu só me levantei e a abracei, chorando ainda mais por saber que fui cruel muitas e muitas vezes. Culpá-la por me comprar, eu não faria jamais. Quem tinha um compromisso comigo era Coral, ela foi quem fodeu e me gerou, ela quem deu a luz a uma garotinha e então decidiu que seria uma boa ideia fazer negócio usando um bebê. Vagabunda. Suja. Nojenta. A vadia estava viva quando eu me permiti remoer por anos uma suposta morte. Sofri por meses e meses achando que era injusto eu ter perdido minha mãe tão cedo e agora, a verdade é que ela estava viva tendo uma vida boa e longe de mim. Longe do seu "fruto de uma traição". — Quanto você pagou? — sussurrei a per
"Ela acordou." Foi o que eu ouvi ao longe como se uma voz distante anunciasse o fato.Forcei meus olhos a se abrirem, tendo dificuldade em separar as pálpebras. O quarto escuro com paredes pintadas em tons de marrom e cinza ajudaram a deixar minha visão menos turva.Girei a cabeça para o lado e mais uma vez quem estava comigo era Scott, e Jason se aproximou com passos incertos até me alcançar na cama macia.— Chloe, está me ouvindo?Encarei Scott que tinha o olhar preocupado sobre mim mas não me dei ao trabalho de responder.Sim, eu o ouvia sim, com total clareza, só que a minha mente ainda estava em colapso e também havia vozes. Vozes de Coral, vozes de papai, de Marisa, de Joe e até mesmo vozes de Madson.— Responda, princesa das trevas — Jason insistiu e meu coração aqueceu ao ouvir o apelido bobo.— M-mamãe — balbuciei procurando por ela no cômodo.Como em um passe de mágica, a mulher se fez presente ao lado dos dois, e estava tão preocupada quanto seu filho mais velho.— Estou
A água quente caía por meu corpo, da cabeça até os pés, lavando terra, pequenas folhas e sangue. Sangue meu, sangue de Joe, sangue sujo que era prova de um crime que havia cometido há pouco tempo.Scott continuou esfregando minhas costas com a esponja macia, enquanto eu passava o sabonete pelo pescoço, deixando que a espuma tirasse todo o cheiro ruim e o vermelho carmim que grudou em minha pele.Ia me sentindo limpa, leve talvez, mas aliviada por saber que Joe Foster já não respirava mais, isso com certeza.— Não podemos deixar que punam o Buck. Ele é só um garoto confuso. Já está passando por muita coisa ruim, nós não podemos permitir que as coisas só piorem.O homem levou a esponja até o jato de água que caía e a lavou, tirando a sujeira que ficou nela.Seu suspiro foi um tanto alarmante. Não era possível que ia se dar por vencido.Buck era só um jovem agindo para tentar salvar sua vida e sua futura família. Ele errou, claro que sim, mas não podia receber uma punição pesada.Ele se
Bati na porta três vezes e imitando os meus irmãos que nunca esperavam eu permitir a entrada deles, invadi o imenso escritório onde Kiara se enfiava.Quando escancarei a porta e avaliei o espaço, encontrei Buck sem camisa caído de joelhos no chão, com suas mãos e pés amarrados por correntes de aço, e até mesmo seu pescoço tinha os elos pesados os envolvendo.Sem pensar duas vezes, apressei meus passos para me jogar contra ele, mas a figura de Kiara surgiu do lado oposto e sua feição foi divisora de águas.Eu não devia me aproximar dele, de jeito nenhum.Parei no meio do escritório gigantesco, que tinha o teto há uns seis metros de nós, e a decoração toda em vermelho, preto e dourado. Kiara levou os olhos até o neto que resmungou alguma coisa e eu acompanhei seu gesto, voltando a encarar meu irmão.Buck fez a pior cara de choro que poderia, causando uma dor no meu coração que há pouco tinha sido acalmado por Scott. Não adiantava. Se tudo não ficasse em ordem eu nunca encontraria paz
— Chloe, não! Eu quero a liberdade para quem quer ser livre! Não vai se entregar quando o que você sempre quis foi viver uma vida normal, como eu. Eu não permito que faça isso! — bramou se movendo com intensidade, fazendo as correntes chacoalhar e ecoar os sons por todo o cômodo.Nossa líder continuou com seus olhos atentos me avaliando com cautela. Buscava verdade em minhas palavras. Queria saber se eu estava mesmo disposta a isso.Poderia argumentar e questionar o que eu tinha a perder, e a verdade seria que, eu não tinha absolutamente nada a perder. Não mesmo.Kiara tinha razão ao dizer que eu era poderosa, me sentia assim e queria nunca mais parar de sentir isso. Minha vida nunca, jamais seria normal, e eu aceitei essa merda. Aceitei no momento em que tirei de uma vez por todas a vida de Joe Foster.Aceitei quando soube que Coral estava viva e tinha feito a mesma coisa que Joe, me visto como um simples objeto.— Meu preço para ser uma aprendiz sua e me entregar por inteira à Fa
Chutei mais uma pedrinha enquanto encarava a floresta extensa à minha frente. A noite estava caindo e por mais que eu quisesse não pensar, ainda me lembrava de muita coisa das últimas noites.Joe foi cruel comigo. Muito cruel ao dizer o que disse e ao fazer o que fez.Podia me sentir vingada, mas a marca da dor sempre estaria em mim. Não tinha como tirar algo tão sujo. Eu me lembraria até os últimos dias da minha vida.E foi o conselho que recebi de Kiara, que eu guardasse esse sentimento em alguma caixinha no fundo da minha mente, porque era ele que me faria ser mais forte. Ele é quem me faria perceber que venci, que apesar de todo o mal que aquele desgraçado me fez, eu ainda estava firme e de pé.Ri pensando que por um momento ou dois eu realmente pensei em tirar minha própria vida, mas o que Joe teria me causado se eu fizesse isso? Ele teria alcançado seus objetivos, não?Porque aquele moço com carinha de puritano, na verdade se infiltrou em mim e em minhas veias para instalar