Capítulo dois

Era uma bela manhã de Domingo, Kátia e sua irmã mais velha Akemi estavam preparando-se para irem ao templo de orações. Elas moravam com seu pai no centro da cidade, muito próximas do Templo de Cirana. A mãe das garotas havia falecido há muitos anos. Akemi também tinha traços orientais assim como sua irmã. Elas moravam com seu pai, o senhor Alcebíades.

Akemi já tinha completado seus vinte e sete anos e nunca interessou em casar com ninguém, apesar dos inúmeros pretendentes que possuía. Seu maior interesse era cuidar de sua irmã e de seu pai, que já não andava há cinco anos, devido a um acidente de carro que sofrera. Desde então passou a locomover-se com uma cadeira de rodas.

Eles possuíam uma pequena loja de roupas na cidade. Akemi conduzia o pequeno comércio com muita dedicação e Kátia a ajudava todos os dias. O senhor Alcebíades ficava boa parte do seu tempo em casa. Às vezes, ele até arriscava-se em ir à loja da família, mas irritava-se demasiadamente com a dificuldade que era andar pelas calçadas com sua cadeira. Na maioria delas, não tinha um acesso muito fácil para os cadeirantes como ele.

O único lugar que ele não deixava de comparecer era ao templo. Além de ser bem próximo de sua casa, os três iam juntos. Assim sendo, as meninas o auxiliavam o tempo todo durante todos os obstáculos da trajetória. Seu Alcebíades gostava de realizar preces em homenagem a alma de sua amada e falecida esposa Hiromi.

O senhor Alcebíades fazia questão de ele mesmo preparar o café da manhã, era apenas auxiliado pelas meninas. Detestava sentir-se inútil, principalmente dentro de sua própria casa. Mesmo em outras tarefas domésticas, ele procurava executá-las com o máximo de perfeição possível. Terminado o desjejum, todos partiam felizes para exercerem seus rituais de orações.

No templo, acomodavam-se todos para desfrutarem o máximo possível dos sermões de Padre Roberto. Eram sempre muito animados, o reverendo gostava inclusive de interagir com seus seguidores, algumas vezes ousava fazer brincadeiras para descontrair o ambiente. Suas celebrações estavam costumeiramente abarrotadas de pessoas. Todos cantavam, batiam palmas e alguns até arriscavam passos de dança. Havia muita descontração e esta fazia com que até os jovens gostassem de comparecer aos cerimoniais.

Nesses dias em que o ambiente era preparado somente para cerimônias, a Urna Imaculada de Almas ficava guardada na biblioteca, trancafiada em um baú de ferro. Apenas uma vez por semana ela era colocada em exposição no altar principal do templo. No dia em que isso acontecia, havia um segurança que ficava o tempo todo ao lado da urna. Era Romualdo, um vigoroso professor de artes marciais que prestava esse favor ao padre e a comunidade.

Durante toda a celebração Pilar não tirava seus olhos de Rodolfo, sequer disfarçava. Assim como ele acompanhava a todo momento cada passo de Kátia. Os olhos dele costumavam até transparecer um brilho diferente, mas ele disfarçava o quanto podia. Muitas vezes ele acabava sendo traído por sua distraída contemplação à moça oriental.

Akemi já havia percebido há muito tempo a afeição que o moço demonstrava por sua irmã. A princípio, Kátia achava que era bobagem de Akemi, que a mesma andava fantasiando a respeito disso. Depois de certo tempo, notou que ele não afastava o olhar de sua direção. Ela sentia-se mal com a postura de Rodolfo, pois sabia que sua amiga era fascinada por ele e não queria ser a causadora da infelicidade de Pilar. Ademais, não gostava muito de Rodolfo. Achava-o antipático e arrogante. O jeito como ele tratava Ciro também a incomodava bastante, pois achava o rapazinho muito amável e gentil.

No trajeto de volta para casa, Akemi gostava de perturbar sua irmã com brincadeiras em torno da paixonite de Rodolfo por ela. Seu pai não se importava com a ideia, já que o jovem pertencia à uma ótima família. Os pais dele, ambos eram advogados em exercício da profissão. Eram extremamente respeitados na cidade. Rodolfo estava cursando a universidade, fazia o curso de administração.

Seu Alcebíades, até entrava na brincadeira, dizendo que seria um ótimo partido para a filha, como administrador iria ajudar a gerir sua lojinha com muita eficiência.

— Parem vocês dois, por favor. Eu não gosto do jeito dele. Não me atrai nem um pouco a ideia de me envolver com aquele entojado.

— Calma, irmãzinha. Não precisa ficar brava. — Akemi tentava amainar.

— Tudo bem, mas esqueçam sobre Rodolfo e eu. Não existe essa possibilidade.

— É uma pena, filha. Eu até gosto daquele rapaz.­ —Seu Alcebíades esboçava um sorriso desanimado.

Pilar era uma das últimas a sair do templo. Ficava apenas observando a movimentação das pessoas indo embora com grande ansiedade. Quando não restava praticamente ninguém lá dentro, aproximava-se de Ciro e Rodolfo. Começava sempre puxando assunto com Ciro, até chegar perto de Rodolfo.

A inocência de Ciro não o deixava perceber que a moça estava pouco se importando para ele. O garoto dispensava toda atenção e sorrisos a ela em tempo integral. Rodolfo até trocava algumas palavras com Pilar, porém não dava muita importância a sua tagarelice. Ficava aliviado quando ela finalmente ia embora.

— Essa garotinha é mesmo irritante. — Rodolfo comentou com Ciro, assim que ela partiu.

— Como você pode dizer isso? Ela é um doce.

— Você só pode estar brincando. Ela não para de falar um instante e nada que sai da boca dela é aproveitável.

— Não diga isso, Rodolfo. Você só precisa conhecê-la melhor para entendê- la.

— Você está ficando louco? Já conheço a vida dela inteira, inclusive o nome de seus cachorros, a cor preferida dela, o seu signo ascendente… — Ele meneava a cabeça negativamente.

— Puxa, ela é tão linda, tão inteligente. — Ciro até suspirava quando elogiava a moça.

— Pois bem, fique com toda essa preciosidade para você. Não faço questão.

— Por que você está falando assim?

— Você é muito boboca mesmo, não é Ciro? Não vê que enquanto você fica aí salivando pela Pilar, ela fica de chamego para cima de mim?

— Eu não faço isso. — Ciro proferia com certo embaraço. Fez uma pequena pausa e continuou, inocente. — Ela não está dando em cima de você, só está sendo gentil.

— Às vezes eu queria ter sua ingenuidade, Ciro. Abra seus olhos, rapaz. — Rodolfo riu com arrogância e deu as costas ao garoto. Foi terminar seus afazeres.

Ciro permaneceu um tempo disperso nas palavras do companheiro, sentou-se em um banco e começou a comer um pedaço de torta de chocolate que sua mãe havia feito pela manhã. “Será que o Rodolfo está certo?”, Pensava enquanto lambuzava suas mãos com todo aquele creme de chocolate que escorria por cima da torta. Depois de lamber os dedos, levantou-se e foi ajudar ao padre e Rodolfo.

Pilar era tão cheia de si, que em nenhum momento percebia que seu amado Rodolfo não nutria interesse por ela. Nem mesmo ela conseguia notar o descaso que muitas vezes ele fazia com as inúmeras narrativas e explanações dela. Muitas vezes, Kátia até lhe mandava algumas indiretas com relação a isso, mas não adiantava muito.

Terminadas as tarefas de Ciro e Rodolfo, o reverendo os dispensava mais cedo aos domingos, porém deixava a encargo dos jovens trancar tudo antes de irem embora. Ciro adorava os domingos em sua casa. Seus pais reuniam toda a família nesse dia para o almoço. O rapaz era o caçula de quatro irmãos, todos homens. Tios, primos e cunhadas, compareciam à reunião. A casa ficava cheia e a mesa era sempre farta.

Padre Roberto também ia para sua modesta casa. Era composta apenas por dois cômodos e ficava ao lado direito do templo. Morava junto com seu cãozinho, ao qual ele deu o nome de Feioso. A característica que predominava no animalzinho era justamente a feiura. Feioso havia sido adotado pelo homem há mais de um ano. Era já um cachorro adulto quando fora encontrado por ele, perambulando pelas ruas e revirando o lixo para se alimentar.

Após um longo dia, o padre gostava de sentar-se em sua pequena varanda e interagir com seu cachorro. Ficava um tempo dialogando com ele, enquanto o mesmo ficava todo o tempo o encarando e abanando a cauda. Era como se o bicho o compreendesse. Ele e seu animalzinho permaneciam ali até o cair da noite, depois disso iam dormir, pois no dia seguinte, muitas tarefas o esperava em seu templo.

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