Devaneios.

— Então... — Ela pigarra, limpando a garganta. — Que tipo de negócios você faz com o meu noivo? — É explícita sua tentativa de quebrar o clima que surge em meio ao silêncio quase erótico. Pude notar que fingia interesse na resposta.

— Apenas contratos e coisas entediantes de homens. Você não quer realmente saber sobre isso, não é?! — Questiono sincero e ela concorda, rindo. 

Sua risada é agradável. 

— Tem razão, não me importo. — Admite e leva a taça até a boca, bebericando o seu martini. O olhar de Astryd não desgruda do meu em nenhum momento.

— Você é realmente um duque? — Insiste.

— É como diz o título, não é? — Respondo com indiferença e pego uma das taças que o garçom coloca na nossa frente.

Astryd dá outra risadinha, agora parece desconfiada.

— Qual é o seu castelo então, duque? — desafia.

— Castelo de Dante. Gostaria de conhecê-lo, Anghel? — Oferto com segundas intenções. Talvez terceiras, quartas...

— Talvez um dia. — Ela balança os ombros outra vez e leva a taça até a boca sem tirar os olhos esverdeados dos meus. — Você é casado? — Pergunta de repente, exibindo um sorrisinho sacana. Contive a vontade de rir, mas neguei com um simples aceno com a cabeça. — Por que não? — Insiste curiosa.

— Não sei se a vida que eu levo caberia uma esposa. — Respondo vago.

Astryd aperta os olhos, me observando atenta como se tentasse me decifrar.

— Boêmio? — Indaga.

— Se prefere chamar assim. — Rebato simplista, rindo.

Não, minha querida. Demoníaco, sádico, tirano! Boêmio é o narcisista ninfomaníaco do seu noivo que anseio para torturar no inferno muito em breve.

— Bem, é assim que chamam os homens que levam uma vida hedonista. — Alfineta.

— Hedonista? — Arqueio as sobrancelhas ao ouvir aquela palavra, rindo outra vez. — Fala como se fosse ruim viver uma vida em busca de prazeres.

— É uma vida vazia. Todos precisam de uma família.

— Todos? — Rebato com escárnio e ela assente, parece segura daquilo. — Está errada. — Não consigo conter a arrogância dessa vez.

Astryd vira-se depressa na minha direção, aparentemente descrente com o que eu disse, ainda que empolgada com o rumo que a conversa tomava. Então ela gostava de ser contrariada?

Talvez Seth nunca tenha lhe dado atenção o suficiente para que uma discussão como essa surgisse.

— Não preciso de uma família. Nunca tive uma e me saí muito bem. — concluo, balançando a taça na mão.

— É por isso que não sente falta de uma. Não podemos sentir falta do que nunca tivemos, não é? — Disse com pesar.

Não gosto do seu tom, tampouco do olhar condescendente.

Evito gargalhar mesmo que a vontade seja grande. Ainda me diverto com as nuances dos mortais. São muito estúpidos, mesmo quando tentam ser bons.

Astryd se atenta ao anel de prata no meu dedo anelar com o brasão Scorpius detalhado em preto e diamante. Depois corre o olhar pelas minhas luvas de couro, bem mais curtas que as dela. Gostaria de ouvir a sua mente, mesmo que o fascínio no seu olhar dissesse com clareza o que achava e pensava de mim.

É divertido ter a sua atenção.

A garota é como uma criança - ou um animal de estimação - curiosa com a criatura desconhecida e pitoresca ao seu redor. Resisti a curiosidade de invadir sua mente quando a sua voz quebra o silêncio.

— Além disso, é fácil para você, é homem. Nós mulheres somos ensinadas desde cedo que precisamos ser boas filhas e esposas obedientes, só assim teremos algum valor. Não podemos nos dar ao luxo de fazer escolhas egoístas, como ficar sozinhas, por exemplo. — disse.

— Deve ser triste viver assim. E acreditar que o seu valor está no quanto você suporta de um homem infiel, bêbado e ruim de cama, apenas para ter uma falsa sensação de segurança e realização. — respondo sugestivo.

A garota cora rapidamente. Sei que ela não faz ideia de como é o desempenho do seu noivo na cama. Bem diferente de metade das mulheres que frequentam o bar, ou a alta sociedade. Pergunto-me se Astryd tem conhecimento de que quase todas as suas amigas fodem com o seu noivo.

— O seu maior desejo é realmente ter uma família, Anghel? — Questiono com desconfiança.

Não é possível que uma mulher como ela desejasse apenas isso na vida. Anghel parecia inteligente demais para ter sonhos tão cristãos.

— E-eu... — ela ri nervosa e morde o lábio inferior, pensativa. Desvia o olhar do meu e depois volta a encarar-me, pensando na resposta. — Estou noiva. Suponho que preciso querer ter filhos. — Ergue a mão, mostrando o anel de noivado.

Bufo com a resposta vaga, revirando os olhos.

Por favor, me surpreenda, Anghel!

— Não foi isso que eu te perguntei. Posso ver esse anel horrível no seu dedo, apesar de precisar de uma lupa para enxergar as safiras. — Desdenho.

Ela abre a boca chocada com a grosseria que não consigo conter.

— Você é muito rude! — Ela acusa.

Concordo, indiferente.

— Eu, honestamente, acho que um diamante de 10 quilates ficaria muito melhor em você. Não concorda? — Me vi obrigado a tentá-la, Anghel parece ser alguém que morderia a isca.

A garota gargalha e pega novamente a sua taça de martini, levando até a boca. Dá um gole ainda mais generoso, ao ponto de fazer a suas bochechas queimaram e os olhos encheram-se de lágrimas.

— Cuidado, Scorpius. Não pode me falar isso depois de admitir não ser um homem para casar. — Avisa após um breve silêncio, recuperando-se da dose. 

— Eu nunca disse isso. Eu disse que não sabia se uma esposa caberia no meu estilo de vida. Ao menos, não uma esposa comum. Você não me parece comum, Anghel. Estou errado?

As bochechas de Astryd coram. Não que fosse difícil ganhar cor naquela palidez implacável.

— Quando eu era criança sonhava em ser cantora. — Ela admite de repente, contendo uma risadinha.

A observo interessado, notando a oportunidade que parecia surgir bem diante de mim.

— Cantora? Interessante... Uma famosa? — Inclino-me para frente, tocando a sua mão com a minha.

— Sim, famosa. — Completa em devaneios. — Queria ser adorada, endeusada! — Suspira. — Eu sempre soube que o tal amor que tanto ouvimos falar não existe de verdade. Então idealizava a devoção de pessoas desconhecidas, como fãs fanáticos, por exemplo. É mais palpável do que a ideia do amor romântico. — A garota ri envergonhada. — Me sinto patética por admitir isso em voz alta, ainda mais para um duque.

Alargo o sorriso vitorioso.

— Não acredita em amor, Anghel? Eu sabia que você era especial! E se eu dissesse que posso te ajudar, o que você me diria? — Arqueio as sobrancelhas com diversão declarada. 

— Era o meu sonho de infância, duque. Não me permito mais sonhar. — Completa amarga e depois ri um pouco mais alto, entregando os efeitos da bebida. — Desonraria a minha família. Fui criada para ser esposa, não para ter uma vida boêmia. — Arfa derrotada e descontente com a sua atual realidade. 

Algo me diz que a sorte de Astryd Anghel está prestes a mudar radicalmente. 

— É um erro tentar agradar qualquer pessoa que não seja você mesma. — Alerto.

— Tente falar isso ao meu pai. — responde sarcástica, terminando o martini numa rapidez assustadora. Astryd abandona a taça na mesa e arruma a pulseira de brilhantes sobre a luva no braço esquerdo, parece inquieta.

— Não depende dele, depende de você. — Seduzo com a voz mansa, ganhando novamente a atenção de Astryd. — E do quanto está disposta para ter o que quer. — Completo com malícia.

Ela me olha silenciosamente por alguns segundos, parecendo estudar as minhas palavras, depois puxa a sua mão para longe da minha, sutil.

— Acho que estou bêbada. — Força uma risada, endireitando os ombros. — Preciso encontrar o meu noivo...

Concordo por ora, apontando com a cabeça na direção de Seth que saía por detrás das cortinas vermelhas com fácil acesso aos fundos do bar.

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