Romênia. 1920.
Astryd entra no bar acompanhada de seu noivo, Seth Dimitri, encantada com o ambiente que a cerca. Seu vestido longo e branco, cheio de franjas e um decote elegante — que parece exagerado pelos seios fartos —, quase escondem a inocência que os olhos esverdeados transbordam. As luvas longas da cor do vestido e a tiara de joias na cabeça, entregam a riqueza herdada por gerações.
A garota de cabelos negros segue seu noivo até uma das mesas do bar para assistir ao show da cantora da noite, a sensual e devassa, Eleanor. A apresentação é acompanhada por uma banda com alguns músicos, mesmo que ela seja a atração — e o prato — principal da maioria dos demônios e almas condenadas do bar.
Eu sei que Astryd não costuma frequentar bares como esse.
Daemonum não é um ambiente adequado para jovens garotas da alta sociedade, principalmente as noivas, que têm um futuro afortunado pela frente. A sua reputação intacta é quase tão preciosa quanto as joias que usa.
Tenho a minha atenção presa na garota desde que passa pelas portas do bar. Não há a menor possibilidade de não me encantar pela sua áurea brilhante e pura, que certamente é um incômodo aos outros demônios ali presentes. Noto pelas suas feições, o cheiro dela é desagradável para criaturas infernais. E me incomodaria também, se não tivesse meu lado mortal aflorado desde que voltei para a terra e minha missão ganhou mais diversão.
Não apenas recolho almas condenadas, mas as influencio pelos caminhos do fogo eterno. Não que seja necessário ensiná-los a pecar. É estupidamente fácil ter domínio sobre eles; mortais são como um quebra-cabeça, basta dar-lhes a peça que falta e eles lhe darão tudo. Assim ganhei a afeição do Rei Teivel VI e me tornei duque. Fui premiado com um dos castelos que pertenceu a rainha Calista, minha falecida mãe.
Que o inferno a tenha.
Ele tem. Eu mesmo a recebi após ser degolada por seu próprio marido, o rei Teivel II. Sim, houveram muitos deles. O nome e o título não foram as únicas coisas que herdaram, mas a estupidez e a vaidade excessiva foi transferida de geração para geração. Triste de se ver.
Encostado no balcão do bar, foco a minha atenção em Seth. Conhecia os seus movimentos com a palma da minha mão.
Ele vira a última dose do seu uísque na boca, fez uma careta e sussurra no ouvido da bela jovem ao seu lado que precisa se retirar até o banheiro. Em outras palavras, isso significa que ele já encontrou a sua presa da noite.
Pude jurar que vi os olhos esverdeados da jovem de cabelos negros se revirando. Astryd desdenha do próprio noivo? Ora, que interessante.
Seth se levanta e deixa a mesa. Astryd sequer espera que ele suma de vista para voltar a se embriagar.
Conto ao menos três martinis e três cigarros, em sequência.
Astryd Anghel não parece ser o tipo de pessoa que resiste com louvor aos efeitos do álcool. Mas se tem uma coisa que aprendi vagando há quase trezentos anos pela terra é que não devemos, em hipótese alguma, julgar alguém somente pela aparência. Os demônios mais perigosos possuem os rostos mais doces e angelicais já vistos.
Entretanto, o seu olhar inocente é tentador.
Aproveito da negligência de Seth e me aproximo dela. Ganho a sua atenção sem muito esforço.
— O que uma dama como você faz sozinha num lugar como esse? — Indago galanteador e pego a sua mão para beijar o dorso.
Astryd sorri tímida e olha na minha direção. Ela não teve sucesso em conter a sua euforia perto de mim, ainda que tentasse.
Era comum que mortais ficassem hipnotizados pela áurea angelical e demoníaca de um mestiço. A luta seria injusta caso me negassem algo.
— Estou com o meu noivo. — Responde numa voz fraca, mas não o procura com o olhar. Entendo aquela atitude como mero desinteresse. Astryd não estava realmente preocupada com o paradeiro de Seth.
— E onde ele está agora? — Pergunto mesmo assim, escondendo a maldade. Astryd balança os ombros, menos interessada ainda na resposta. — Nesse caso, eu posso te fazer companhia até ele retornar? — Sugiro, puxando uma cadeira antes que ela responda. Astryd não contém a risadinha e concorda com a minha ousadia. — Você é a senhorita Anghel, não é? — Sento-me ao seu lado.
Talvez tenha sido um pouco direto demais, ela demonstra desconforto com a petulância.
— Sou Leonard Scorpius, tenho negócios com o seu noivo. — Me apresento então numa tentativa de quebrar o gelo.
— Oh, sim. Devo ter ouvido falar de você. — Concorda com a cabeça, erguendo a mão para chamar o garçon e fazer um novo pedido. — Espera, disse Scorpius? — ela une as sobrancelhas, lembrando-se do sobrenome. — O duque Scorpius? — Repete.
Eu concordo, notando o rosto de Astryd iluminar-se com a confirmação.
O garçom aproxima-se da garota segurando um caderninho e uma caneta enquanto aguarda pelo pedido. Ela o ignora completamente, atenta em mim. Ele bufa impaciente e chama Astryd de vadia mimada em sua mente. Tenho que conter a risada.
Pigarro para chamar a atenção da mais nova de volta e aponto com a cabeça na direção do rapaz.
— Oh, desculpe. — Ela sorri tímida. — Outro martini, por favor. — E vira-se para mim. — E você?
— Vou acompanhá-la. — O garçom anota e sai rapidamente. Ele detesta esse trabalho e essas pessoas. Astryd parece seriamente surpresa com o meu pedido e ri. — Qual o motivo da diversão, Anghel? Suponho que não seja apenas nervosismo com a minha presença. — Falo num tom divertido, disfarçando a arrogância.
— Os homens daqui só bebem bourbon. — responde com um tom quase infantil.
— Deve ser porque não sou daqui. — disse, deixando um sorrisinho travesso surgir. — E faço questão de acompanhá-la, você parece se divertir muito aqui, sozinha. — Alfineto, mas ela não percebe, ou finge não perceber. — Quem sabe compartilho da sensação? — completo a sentença, subindo o olhar sugestivo e maldoso pelo corpo de Astryd, dando atenção especial aos seios fartos e apertados no decote do vestido.
De longe sinto o cheiro de virgem que Astryd exala. Ela não têm experiência real com homens, mas reconhece os olhares maliciosos há quilômetros de distância. Todos a devoram, mesmo os demônios que a desprezam. É tentador.
Seus peitos volumosos parecem ter desenvolvido muito cedo, provavelmente roubando parte da sua infância e a tornando objeto de desejo antes que tivesse maturidade para entender o significado e o peso daquilo.
Ela não parece incomodada com o meu olhar, também não tenta cobrir-se dele, pelo contrário, se insinua para mim, mesmo que discreta e sutil, como a dama que era, ou devia ser.
Não posso julgá-la, essa não é a minha função, afinal. Apenas Deus todo-poderoso, poderia. A minha função é me aproveitar de toda e qualquer brecha que um mortal frágil e inocente como ela, oferecesse.
— Então... — Ela pigarra, limpando a garganta. — Que tipo de negócios você faz com o meu noivo? — É explícita sua tentativa de quebrar o clima que surge em meio ao silêncio quase erótico. Pude notar que fingia interesse na resposta.— Apenas contratos e coisas entediantes de homens. Você não quer realmente saber sobre isso, não é?! — Questiono sincero e ela concorda, rindo. Sua risada é agradável. — Tem razão, não me importo. — Admite e leva a taça até a boca, bebericando o seu martini. O olhar de Astryd não desgruda do meu em nenhum momento.— Você é realmente um duque? — Insiste.— É como diz o título, não é? — Respondo com indiferença e pego uma das taças que o garçom coloca na nossa frente.Astryd dá outra risadinha, agora parece desconfiada.— Qual é o seu castelo então, duque? — desafia.— Castelo de Dante. Gostaria de conhecê-lo, Anghel? — Oferto com segundas intenções. Talvez terceiras, quartas...— Talvez um dia. — Ela balança os ombros outra vez e leva a taça até a boca sem
Noto o choque em seu rosto quando nosso olhar se cruza. Não preciso invadir sua mente para saber que ele se pergunta o que eu faço ao lado de sua noiva e, claro, se contei para ela que o vi trepar com a cantora entre as cortinas.— Olha quem resolveu aparecer. — Astryd disse sem muita empolgação quando Seth se aproxima da mesa. Então ele intercala o olhar desconfiado entre a garota e eu. — O duque me fez companhia na sua ausência. — Explica, apontando para mim.— Muito gentil da sua parte. — Ele responde com incômodo aparente e cerra os dentes, evitando a todo custo o meu olhar.O mais irônico é que Seth não costuma evitar o meu olhar quando visita o meu castelo e participa das várias orgias para reprodução das energias infernais com os meus demônios. Via a luxúria transbordá-lo, constantemente aguardando que eu me juntasse também.— Darei um baile no meu castelo e adoraria a sua presença, senhorita Anghel. — Invento para a garota, segurando a mão de Astryd para me despedir. Eu poderia
Anghel. O caminho de volta para a mansão da minha família fora silencioso. Me perdi em pensamentos, relembrando da conversa com o estranho misterioso. Bem, não tão estranho e misterioso assim. O duque é conhecido entre a elite Romena, mesmo que eu nunca tenha o encontrado pessoalmente antes.Pouco se sabe sobre sua vida pessoal, mas a fortuna e influência são tão comentados quanto sua beleza de tirar o fôlego. Os cabelos claríssimos, levemente ondulados e bagunçados, davam a ele um ar despojado. Os olhos cinzas com pigmentos em vermelho, ainda que muito sutis e discretos, tinham o seu charme, mas, o que roubava a atenção de fato, era sua forma excêntrica e elegante de se vestir, junto à sua pose arrogante e o ar de superioridade, como se soubesse todos os segredos da humanidade e que, de alguma forma, era superior a todos nós.Seth estacionou o carro na frente da mansão e desligou o motor, virando-se na minha direção.— O que conversava com o duque? — Ele sonda, tentando ocultar sua i
Assustadoramente, mamãe começa a engasgar e gargalhar ao mesmo tempo. Eu prendo o fôlego. Não posso ter uma crise tola de pânico agora, tinha que ajudá-la. Corro na direção da mamãe e toco em seus ombros tentando trazê-la para o sofá. Não é tarefa fácil, ela tropeça em seus próprios pés ao caminhar.— Mamãe, o que houve? — A coloco sentada na poltrona mais próxima, me abaixando em sua frente. — Alguém machucou você? — ela gargalhou mais alto e concorda, balançando a cabeça sem parar. — Q-uem? Quem fez isso com você? — limpo a garganta e pergunto assustada.— A mesma que fará com você. — responde sombria.Meu corpo se arrepia inteiro e meus músculos tensionam. Aquilo soou como uma ameaça. Para o meu desespero, ela começa a chorar copiosamente logo após, sem parar de jorrar sangue pela boca, mas não havia nenhuma ferida.Aquilo não faz sentido. O que está acontecendo com ela?— Fique aqui, está bem? Vou chamar o médico. — Aviso me levantando depressa e saio correndo desesperada para fora
Viro três copos em sequência. Foi tão rápido que a ardência sequer me incomodou. Caminho então para a área da piscina, sentando-me sozinha numa das mesinhas cobertas na parte mais isolada do clube.— Outra vez sozinha, senhorita Anghel? — A voz do duque à minha frente me desperta.Ele estava impecável, como na noite anterior. Agora seu terno não era negro, mas branco, e por baixo dele, usava uma camisa social da mesma cor, sem gravata e com alguns botões abertos, num visual um pouco mais despojado, mas ainda, extremamente elegante. Não usava luvas dessa vez.— É o que parece. — Respondo sem ânimo, abrindo um sorriso fraco.— Se importa? — Ele puxa uma das cadeiras na minha frente, quando nego, ele se senta. — Estou começando a achar que é uma mulher solitária. — Declara observador. Você nem imagina.Ele arqueia as sobrancelhas no mesmo instante, atento. É como se escutasse o que eu pensei.— Posso fazer alguma ideia. — Então responde, me surpreendendo.— Ideia do que? — cerro os olhos
Como imaginei, Leonard não resistiu à tentação de me seguir. Contive a risadinha nervosa e continuo caminhando despretensiosa pelo clube em direção do hotel. Os corredores parecem labirintos, é fácil se perder lá dentro, mas não para mim, que o conhecia com a palma da mão.Frequento aquele clube desde criança, lembro-me de brincar e correr por todo ele enquanto meus pais bebiam e jogavam no cassino. Encosto na parede entre os banheiros para tentar me esconder de Leonard, mas por algum milagre, ele havia chegado lá primeiro. Uma de suas mãos cobrem a minha boca e a outra me puxa pela cintura, colidindo minhas costas contra o seu peito. Ele se recosta na parede atrás, fazendo com que sumíssemos de vista.— Privado o suficiente pra você agora? — O duque sussurra no meu ouvido, roçando seus lábios na minha orelha.Outra vez me arrepio, mas agora o motivo é seu hálito quente perto demais. Viro-me bruscamente na direção de Leonard e o empurro contra a parede, o afastando de mim, outra vez.
— Acalme-se, não vou machucá-la, quero um momento com você. — Ele diz, apontando para a cama.— Então abre a porta! — Exijo, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantenho o mais longe possível da cama. Ele ri pelo nariz e revira os olhos, sentando-se nela indiferente ao meu desespero.— Me disseram que já está de casamento marcado. É verdade?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim. Mas você já sabia disso... — Sibilo desconfiada. — Eu sei que está noiva desde criança, mas nenhum noivado dura tanto tempo assim. Imaginei que fossem desistir em algum momento. — Fala sincero, encostando as costas no apoio da cama. Leonard parecia torcer por isso. — Pretende realmente levar isso adiante? — Sonda.— Não tenho escolha, Leonard. — Respondo confusa, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante. Como se ele se importasse... — Por que a pergunta? Sua consciência pesou? — Desdenho. Ele ri.— Só me arrependo do que não fiz. — Diz sugestivo. — Me importo co
— Acalme-se, não vou machucá-la, quero um momento com você. — Ele diz, apontando para a cama.— Então abre a porta! — Exijo, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantenho o mais longe possível da cama. Ele ri pelo nariz e revira os olhos, sentando-se nela indiferente ao meu desespero.— Me disseram que já está de casamento marcado. É verdade?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim. Mas você já sabia disso... — Sibilo desconfiada. — Eu sei que está noiva desde criança, mas nenhum noivado dura tanto tempo assim. Imaginei que fossem desistir em algum momento. — Fala sincero, encostando as costas no apoio da cama. Leonard parecia torcer por isso. — Pretende realmente levar isso adiante? — Sonda.— Não tenho escolha, Leonard. — Respondo confusa, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante. Como se ele se importasse... — Por que a pergunta? Sua consciência pesou? — Desdenho. Ele ri.— Só me arrependo do que não fiz. — Diz sugestivo. — Me importo co