Anghel.
O caminho de volta para a mansão da minha família fora silencioso. Me perdi em pensamentos, relembrando da conversa com o estranho misterioso. Bem, não tão estranho e misterioso assim. O duque é conhecido entre a elite Romena, mesmo que eu nunca tenha o encontrado pessoalmente antes.
Pouco se sabe sobre sua vida pessoal, mas a fortuna e influência são tão comentados quanto sua beleza de tirar o fôlego. Os cabelos claríssimos, levemente ondulados e bagunçados, davam a ele um ar despojado. Os olhos cinzas com pigmentos em vermelho, ainda que muito sutis e discretos, tinham o seu charme, mas, o que roubava a atenção de fato, era sua forma excêntrica e elegante de se vestir, junto à sua pose arrogante e o ar de superioridade, como se soubesse todos os segredos da humanidade e que, de alguma forma, era superior a todos nós.
Seth estacionou o carro na frente da mansão e desligou o motor, virando-se na minha direção.
— O que conversava com o duque? — Ele sonda, tentando ocultar sua insegurança, mas não teve sucesso com isso, estava em seu olhar. Foi divertido, de certa forma. Seth nunca demonstra ciúme de mim, ele me tem como garantido demais, e infelizmente, eu sou.
— Nada importante. — Dou de ombros com a falta de detalhes, irritando Seth.
Seguro a risada que quis soltar, apertando os lábios e virando o rosto.
— Astryd, o que ele te disse exatamente? — Seu tom parece desconfiado, o que me levou a desconfiar também.
Por que ele está tão preocupado?
— O duque não me disse nada, Seth. Por quê? Há algo que tenha medo de que eu saiba? — Dessa vez eu quem sondo, reparando na risada nervosa que meu querido noivo abre, numa tentativa falha de disfarçar.
— Não, claro que não, querida. Compartilho tudo com você, sabe disso. Eu só fiquei receoso. Scorpius é muito influente. Ele presta favores a muitas pessoas. — Justifica. Eu apertei os olhos, atenta na sua desculpa esfarrapada. — Mas não é confiável perto de mulheres. Nenhuma mulher de boa índole seria vista com ele sem ter a reputação arruinada. — Alerta. Ou tenta.
— Se estivesse tão preocupado comigo ou com a minha reputação, não teria me abandonado por quase uma hora. — Respondo com irritação. — Onde você esteve?
— Que droga, Astryd. Você sabe que eu sou um homem muito ocupado! — Ele se irrita, como sempre. Seth acha que eu sou idiota para não perceber seus comportamentos e as mudanças de humor toda vez que é acusado de algo que realmente fez. — Encontrei um cliente importante, não posso desperdiçar oportunidades como essa. — Endireita os ombros, continuando — Preciso sustentar seu estilo de vida. Só quero o melhor para você, para nós. Quero deixá-la feliz e segura quando nos casarmos, minha querida. — Mente descarado, me deixando triplamente mais irritada por sua falsidade.
Ele sabe que o "meu estilo de vida" atual não é dos melhores.
Não é segredo para ninguém que eu não confio em Seth, mas também não o amo o suficiente para me importar por onde ele se enfia, contanto que não me procure para satisfazê-lo. Sei que ele também não me ama, mas têm apego e possessividade por mim, e por estarmos prometidos desde crianças por causa dos nossos pais.
Seu pai, Mihai, faleceu há alguns anos. Ele me causava arrepios, não tenho muitas memórias com ele, mas lembro-me perfeitamente das surras que dava em Seth pelos motivos mais banais possíveis. Ainda assim, ele nunca deixou de tentar impressioná-lo. Suspeito que matenha esse noivado por ele.
Nosso casamento não passa de uma aliança valiosa arranjada pelo meu insano - e agora falido - pai, atolado em dívidas por seu vício em apostas, bebidas e mulheres. Minha família depende desse casamento para mantermos a nossa amada vida de aparências.
Seth inclina-se sobre o banco para me beijar, mas recuso, me esquivando de seu toque.
— Até quando você vai me fazer esperar? — Ele resmunga no mesmo instante.
— Ora, até nosso casamento, querido. Como você disse, sou uma mulher de família e tenho uma reputação a zelar. — Rebato com deboche e pego minha bolsinha, beijando sua bochecha antes de descer do carro.
Bato a porta com força e desço, arrancando os saltos pelo caminho para não cair pelo jardim devido a embriaguez que parecia mais potente com as luzes fortes da entrada.
Encontro minha irmãzinha, Asteryn, em frente ao piano na sala de visitas, tentando algumas notas com a professora de música. E errando todas. Ela resmunga chorosa, se queixando sobre não ser boa como eu.
— Nunca ficará boa se chorar mais do que treinar, Asteryn. — A repreendo, mas ela não me leva a sério, mostrando-me a língua.
— Vem tocar comigo! — Convida com empolgação. — Prefiro quando você me ensina. — Admite tensa, olhando de soslaio para a professora carrancuda.
Não condeno Asteryn, eu também não gostava de ter aulas com ela quando mais nova. Severina é extremante dura e não tem muita paciência para lidar com crianças, mesmo que seja professora particular de todas as crianças ricas do bairro.
— Não posso, estou muito cansada. — Minto, tentando esconder a embriaguez de Asteryn. — Termine sua aula e amanhã nós tocamos, eu prometo. — Asteryn faz um biquinho e concorda, suspirando cansada. — Onde estão a mamãe e o papai?
— Não sei. — Deu de ombros, voltando sua atenção para o piano.
Subo as escadas, procurando por mamãe na biblioteca, seu ambiente favorito da casa. Estranhei por vê-lo silencioso. Era rotineiro encontrá-la esparramada sobre o sofá, deleitando-se com um bom livro, enquanto apreciava uma taça de vinho posta sobre a mesinha ao lado, e a vitrola tocando um disco do Mario Reis; mamãe era apaixonada por samba, passou a ter aulas de português para entender o que seu cantor favorito dizia em suas belas canções de amor.
Dou alguns passos para dentro do vasto cômodo, finalmente encontrando-a debruçada sobre a varanda. Mamãe parece diferente, entretanto. Seus cabelos louros, estão embaraçados e, sua camisola fina de seda, sempre impecável, tinha barro, como se tivesse acabado de afundar os pés na lama.
— Mãe? — chamo incerta, unindo as sobrancelhas.
O cheiro da biblioteca fica diferente, tanto quanto a temperatura; muito fria. Todos os pelos do meu corpo arrepiam-se. Um calafrio contorna a espinha. É como se meu corpo tivesse ficado em alerta, até mesmo as batidas do meu coração aceleram.
Mamãe estava diferente. Ela vira-se lentamente na minha direção, apavorando-me.
Seus olhos estão totalmente pretos, sem nenhum brilho ou pupila, e quando sorri, de maneira assustadora, uma quantidade absurda de sangue escorre da sua boca. Ao redor do corpo, sai fumaça, como se pegasse fogo. O odor de enxofre e cadáver doce fica mais forte, como uma junção estranha e excêntrica entre um perfume caro e um necrotério.
Assustadoramente, mamãe começa a engasgar e gargalhar ao mesmo tempo. Eu prendo o fôlego. Não posso ter uma crise tola de pânico agora, tinha que ajudá-la. Corro na direção da mamãe e toco em seus ombros tentando trazê-la para o sofá. Não é tarefa fácil, ela tropeça em seus próprios pés ao caminhar.— Mamãe, o que houve? — A coloco sentada na poltrona mais próxima, me abaixando em sua frente. — Alguém machucou você? — ela gargalhou mais alto e concorda, balançando a cabeça sem parar. — Q-uem? Quem fez isso com você? — limpo a garganta e pergunto assustada.— A mesma que fará com você. — responde sombria.Meu corpo se arrepia inteiro e meus músculos tensionam. Aquilo soou como uma ameaça. Para o meu desespero, ela começa a chorar copiosamente logo após, sem parar de jorrar sangue pela boca, mas não havia nenhuma ferida.Aquilo não faz sentido. O que está acontecendo com ela?— Fique aqui, está bem? Vou chamar o médico. — Aviso me levantando depressa e saio correndo desesperada para fora
Viro três copos em sequência. Foi tão rápido que a ardência sequer me incomodou. Caminho então para a área da piscina, sentando-me sozinha numa das mesinhas cobertas na parte mais isolada do clube.— Outra vez sozinha, senhorita Anghel? — A voz do duque à minha frente me desperta.Ele estava impecável, como na noite anterior. Agora seu terno não era negro, mas branco, e por baixo dele, usava uma camisa social da mesma cor, sem gravata e com alguns botões abertos, num visual um pouco mais despojado, mas ainda, extremamente elegante. Não usava luvas dessa vez.— É o que parece. — Respondo sem ânimo, abrindo um sorriso fraco.— Se importa? — Ele puxa uma das cadeiras na minha frente, quando nego, ele se senta. — Estou começando a achar que é uma mulher solitária. — Declara observador. Você nem imagina.Ele arqueia as sobrancelhas no mesmo instante, atento. É como se escutasse o que eu pensei.— Posso fazer alguma ideia. — Então responde, me surpreendendo.— Ideia do que? — cerro os olhos
Como imaginei, Leonard não resistiu à tentação de me seguir. Contive a risadinha nervosa e continuo caminhando despretensiosa pelo clube em direção do hotel. Os corredores parecem labirintos, é fácil se perder lá dentro, mas não para mim, que o conhecia com a palma da mão.Frequento aquele clube desde criança, lembro-me de brincar e correr por todo ele enquanto meus pais bebiam e jogavam no cassino. Encosto na parede entre os banheiros para tentar me esconder de Leonard, mas por algum milagre, ele havia chegado lá primeiro. Uma de suas mãos cobrem a minha boca e a outra me puxa pela cintura, colidindo minhas costas contra o seu peito. Ele se recosta na parede atrás, fazendo com que sumíssemos de vista.— Privado o suficiente pra você agora? — O duque sussurra no meu ouvido, roçando seus lábios na minha orelha.Outra vez me arrepio, mas agora o motivo é seu hálito quente perto demais. Viro-me bruscamente na direção de Leonard e o empurro contra a parede, o afastando de mim, outra vez.
— Acalme-se, não vou machucá-la, quero um momento com você. — Ele diz, apontando para a cama.— Então abre a porta! — Exijo, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantenho o mais longe possível da cama. Ele ri pelo nariz e revira os olhos, sentando-se nela indiferente ao meu desespero.— Me disseram que já está de casamento marcado. É verdade?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim. Mas você já sabia disso... — Sibilo desconfiada. — Eu sei que está noiva desde criança, mas nenhum noivado dura tanto tempo assim. Imaginei que fossem desistir em algum momento. — Fala sincero, encostando as costas no apoio da cama. Leonard parecia torcer por isso. — Pretende realmente levar isso adiante? — Sonda.— Não tenho escolha, Leonard. — Respondo confusa, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante. Como se ele se importasse... — Por que a pergunta? Sua consciência pesou? — Desdenho. Ele ri.— Só me arrependo do que não fiz. — Diz sugestivo. — Me importo co
— Acalme-se, não vou machucá-la, quero um momento com você. — Ele diz, apontando para a cama.— Então abre a porta! — Exijo, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantenho o mais longe possível da cama. Ele ri pelo nariz e revira os olhos, sentando-se nela indiferente ao meu desespero.— Me disseram que já está de casamento marcado. É verdade?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim. Mas você já sabia disso... — Sibilo desconfiada. — Eu sei que está noiva desde criança, mas nenhum noivado dura tanto tempo assim. Imaginei que fossem desistir em algum momento. — Fala sincero, encostando as costas no apoio da cama. Leonard parecia torcer por isso. — Pretende realmente levar isso adiante? — Sonda.— Não tenho escolha, Leonard. — Respondo confusa, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante. Como se ele se importasse... — Por que a pergunta? Sua consciência pesou? — Desdenho. Ele ri.— Só me arrependo do que não fiz. — Diz sugestivo. — Me importo co
Os raios solares invadem o ambiente pelas cortinas abertas. Meus olhos estão pesados, levo alguns segundos para conseguir abri-los. Percorro o olhar por todo o ambiente, tentando reconhecê-lo o mais depressa possível e confirmar se aquilo havia sido apenas um sonho ruim. Com dificuldade, me levanto da cama, recebendo as memórias de todo o ocorrido da noite passada de uma só vez. Minha cabeça dói com a pontada forte das lembranças. O estômago embrulha e meu coração aperta. A angústia é latente.Arranco todas as minhas roupas na frente do espelho, conferindo onde estavam os hematomas. E não há nenhum. Exceto uma pequena cicatriz no formato de uma estrela no pulso e outra no pescoço. No modo automático, me visto e sento na cadeira da cômoda. Meu olhar está perdido, me sinto perdida, oca, como se fosse uma hóspede no meu próprio corpo. Atentei-me ao colar desconhecido reluzindo ao lado da escova de cabelo, e pego depressa a carta que o acompanha. Quebro o selo do envelope e retiro a fo
Capítulo três.Scorpius. Jogo o cigarro dentro da lareira, sentindo o olhar de Keimon pairando sobre mim. Ele estava na sua forma de lobo, analisando-me silenciosamente sentado pouco à frente com uma postura impecável como se fosse um cão adestrado. Até parece. Vira-lata dos infernos, a sua obediência equivalia a de uma miniatura humana, birrenta e pavorosa, nessa dimensão são chamados de crianças. Não há muitas delas no inferno. São inocentes e entediantes demais para pararem lá.— O que você quer? Está começando a me incomodar! — resmungo, ajeitando as luvas de couro sobre as mãos. Ele rosna e sai do ambiente, deixando-me, finalmente, em paz. Não preciso de seus julgamentos. Eu sei o que estou fazendo.Ajudar os humanos não faz parte da minha tarefa. Eu sei. Nunca os ajudaria de bom grado. Keimon devia saber. Esses demônios estúpidos não me deram alternativa quando se meteram com Anghel. A condenação de Seth ao vale dos torturados já era mais do que garantida. Quando eu descobrir o
Caminho ao lado de Astryd pelo o grande salão, apresentando-lhe o castelo durante o percurso. Ela se atenta em absolutamente tudo ao redor, seu olhar entrega o encanto com a decoração estrategicamente escolhida para despertar desejo e cobiça. A frequência baixava na zona umbralina, na ala Sul. Lá, vagavam as almas que ainda não tiveram seu julgamento ou foram rejeitadas do paraíso. Era comum que os visitantes sentissem presenças de energias infernais e muitas vezes relatassem com espanto suas experiências com os espíritos desencarnados perdidos pelo castelo. Proibia a entrada de visitantes por lá, exceto em ocasiões muito especiais, como essa.— O que estamos fazendo aqui? — Ela quebra o silêncio e interrompe o percuso antes que começássemos a descer as escadas em direção das masmorras.Abro um sorriso galanteador para a mais nova e desço em sua frente, estendendo a mão para ela. Com alguma hesitação, Astryd concorda, me permitindo guiá-la para o salão subterrêneo. De longe, aquele e