A casa dos meus pais sempre foi o refúgio onde eu podia desligar a cabeça por algumas horas. Sabe, aquele lugar onde a vida parece mais simples? Onde os problemas, mesmo os maiores, se dissipam como poeira no vento? E foi para lá que eu fui depois de ver aquela foto de Gabriel com a outra mulher. Dirigir até a casa deles me deu a sensação de estar voltando para a adolescência, quando qualquer problema parecia menor assim que eu atravessava aquela porta.
Minha mãe, claro, percebeu de imediato que algo não estava certo. Ela tem esse talento. Assim que entrei, sem precisar dizer uma palavra, ela me olhou com aquele jeito que só mães têm e já estava me oferecendo café. “Vem, filha, senta aqui. Me conta o que aconteceu.” Eu sentei, e o cheiro familiar de bolo recém-saído do forno me acolheu. Não tinha nem fome, mas só de sentir o calor daquela casa, a vida parecia menos pesada. Meu pai estava lá fora, podando as plantas como fazia todo domingo. Sempre gostei de como ele era simples em suas prioridades: família, a horta e uma boa cerveja para terminar o dia. Talvez fosse isso que me faltava, essa capacidade de encontrar felicidade nas pequenas coisas. E eu nunca fui assim. Sempre movida por grandes planos, grandes metas. Contei para minha mãe sobre a foto, sobre o que senti ao vê-la, mas tentei manter a compostura. Sabia que ela se preocupava comigo, mas também sabia que estava cansada de me ver tão focada no Gabriel. “Filha, eu sei que ainda dói, mas ele seguiu a vida dele. Você tem que pensar em você agora. E no Davi, claro.” O que ela não disse, mas eu sabia que pensava, era que eu também precisava seguir em frente, parar de ficar esperando algo que, claramente, não ia acontecer. Ela estava certa, claro. Eu sabia. Mas saber não tornava mais fácil. Enquanto eu estava perdida nesses pensamentos, meu telefone vibrou. Era Gabriel, pedindo para conversarmos sobre o fim de semana. Ele tinha um tom educado, o que não era surpresa, mas havia algo na forma como ele pediu que me fez perceber que não era apenas sobre Davi. Ele queria falar de outra coisa. E no fundo, eu já sabia o que era. Nos encontramos dois dias depois, em um café perto da casa dele. Aquele lugar tranquilo onde sempre levávamos Davi para comer um pedaço de bolo de chocolate depois da escola. Quando cheguei, Gabriel já estava lá, como sempre pontual, mexendo no telefone. Quando me viu, levantou o olhar e, por um breve momento, vi aquele homem que eu conhecia tão bem. O mesmo homem com quem compartilhei uma vida, mas que agora parecia estar em outro lugar, em outro tempo. Sentei e tentamos seguir com a pequena conversa sobre Davi — horários, escola, atividades. Mas eu sabia que ele estava adiando o verdadeiro assunto. E então, finalmente, ele disse, com um tom calmo e controlado, como sempre faz quando quer ser cuidadoso. — Sofia, eu queria falar com você sobre uma coisa. Eu conheci alguém — ele disse, direto. Minha respiração parou por um segundo, mas eu mantive a expressão neutra. Eu já sabia, claro. A foto tinha me preparado, mas ouvir isso em voz alta era outra coisa. Ele continuou. — Eu achei que você deveria saber, antes que o Davi perceba. Ainda é tudo muito recente, mas achei importante te contar. Fiquei em silêncio por alguns segundos, processando o que ele disse. Gabriel sempre foi assim, honesto, direto. Parte de mim apreciava o fato de ele ter sido transparente, mas isso não diminuía o aperto no peito. Respirei fundo e tentei colocar minha mente em ordem. — Obrigada por me contar — respondi, num tom que me surpreendeu. Eu esperava que minha voz fosse falhar, mas soou firme. — Eu sei que é inevitável, e faz parte. Só espero que a gente consiga continuar colocando o Davi em primeiro lugar. Ele assentiu, com aquele ar tranquilo que sempre o acompanhava. Parecia mais relaxado agora, como se um peso tivesse sido tirado dos seus ombros. E talvez tivesse. Ele estava seguindo em frente, realmente. A realidade me atingiu ali, de frente, mas de uma forma diferente. Não havia melancolia naquele momento, apenas aceitação. Ele tinha conhecido alguém. E por mais que doesse, era isso. O ciclo estava se fechando. — Claro, Sofia. Sempre. Davi é o mais importante pra mim — ele disse, e eu acreditei. Se havia uma coisa sobre Gabriel que eu nunca duvidaria era o amor que ele tinha pelo nosso filho. Nos despedimos de forma cordial, como sempre fazíamos. Ele se levantou e saiu pela porta do café. E, desta vez, enquanto o via se afastar, não senti aquela pontada de angústia. Claro, a tristeza ainda estava lá, mas agora misturada com algo novo. Aceitação. Uma parte de mim, talvez bem pequena, começava a se libertar. Voltei para casa e, dessa vez, ao pensar no futuro, imaginei algo diferente. Algo para mim. Não sabia ainda o que seria, mas a ideia de que existia algo além de Gabriel começou a tomar forma.Naquela manhã, o escritório parecia mais agitado do que o normal. Pilhas de processos se acumulavam sobre a mesa de Sofia, mas ela já estava acostumada com o ritmo. A advocacia sempre foi um ambiente de alta pressão, e Sofia florescia nisso. A lista de clientes era extensa e o volume de trabalho, intenso, mas ela gostava de se perder nos detalhes dos casos, nas complexidades que exigiam que sua mente se mantivesse ocupada. Era assim que ela funcionava — resolvendo problemas. No trabalho, pelo menos, tudo parecia sob controle, ao contrário da bagunça emocional que era sua vida pessoal.— Sofia, o novo cliente está esperando na sala de reuniões. — A voz de Camila, sua assistente, soou no interfone, tirando Sofia de seus pensamentos. — O nome dele é Eduardo Vasconcelos.Sofia franziu a testa, tentando lembrar-se do nome, mas não conseguiu associar a ninguém. Ele deveria ser um dos novos casos que o sócio, Paulo, havia mencionado rapidamente durante a última reunião. Um cliente importante
Sofia saiu do escritório com o céu já tingido por tons de laranja e rosa, o fim de tarde caindo suavemente sobre a cidade. A reunião com Eduardo Vasconcelos havia sido longa e cheia de nuances, e ela sabia que o caso iria consumir bastante tempo e energia nas próximas semanas. Enquanto caminhava até o carro, pensava sobre o que ele havia dito — e, mais importante, o que ele não disse. Eduardo parecia ser um homem de muitos segredos, e Sofia tinha certeza de que descobriria todos eles com o tempo.No entanto, enquanto dirigia pelas ruas movimentadas, sua mente vagou para outra questão: Gabriel. Ou melhor, a ausência do pensamento constante em Gabriel. Nos últimos meses, sua cabeça era um turbilhão de emoções mal resolvidas sobre ele, mas, de algum modo, as coisas estavam diferentes agora. O fato de ele ter encontrado alguém, de ter confessado isso a ela de forma tão aberta, trouxe uma estranha sensação de… alívio.Claro, ainda havia uma ponta de dor, como uma cicatriz que incomoda de v
O sábado começou como a maioria dos fins de semana de Sofia: uma tentativa de equilibrar trabalho e vida pessoal. Ela sabia que Davi adorava quando seus avós o visitavam, então isso sempre lhe dava uma janela de tempo para resolver pendências do escritório antes de aproveitar o restante do dia com o filho. Naquela manhã, deixou Davi com Ana, e logo depois dirigiu até o escritório para adiantar algumas questões. Nada muito complexo, apenas revisões de documentos e algumas pendências que não queria arrastar para a semana seguinte.O ambiente silencioso do escritório aos sábados era quase agradável. Sem o tumulto usual, Sofia conseguia se concentrar melhor. Sentada em sua mesa, ela revisava o contrato de um cliente quando seu telefone tocou. Olhando para o visor, viu o nome de Eduardo Vasconcelos. Sentiu uma leve surpresa, pois não esperava uma ligação dele tão cedo — especialmente em um sábado.— Bom dia, Eduardo — atendeu, tentando manter seu tom neutro, mas profissional. — Em que poss
A segunda-feira chegou com a rapidez de um relâmpago. Sofia acordou cedo, sentindo o peso da reunião com a equipe pairar sobre seus ombros. O caso de Eduardo Vasconcelos, um empresário do setor imobiliário, estava se desenrolando rapidamente, e a disputa de propriedade precisava ser abordada com seriedade. O último que ela queria era desapontar seus clientes, especialmente alguém tão enigmático e exigente quanto Eduardo.Enquanto se preparava, ela não conseguia deixar de pensar no encontro casual que teve com ele no domingo. Era um sentimento novo e inquietante — um misto de curiosidade e excitação que a fazia questionar se estava realmente pronta para isso. Com o café na mão, observou Davi brincar enquanto se arrumava. A visão dele sorrindo, totalmente alheio às suas preocupações, a lembrava do que realmente importava em sua vida.— Mamãe, você vai ficar em casa hoje? — Davi perguntou, sua voz doce cortando os pensamentos de Sofia.— Não, meu amor. Vou trabalhar, mas você vai se dive
A noite estava tranquila quando Gabriel chegou à casa de Sofia. O céu se tingia de laranja e roxo, sinalizando o início do crepúsculo, enquanto Davi brincava na sala, imerso em seu mundo de blocos de montar. Sofia estava na cozinha, preparando um lanche rápido quando ouviu a campainha tocar. Com um sorriso involuntário, ela foi até a porta, reconhecendo o som familiar da voz de Gabriel do outro lado.— Oi, Davi! — ele disse, agachando-se para cumprimentar o filho. A alegria no rosto de Davi ao ver o pai era inegável, e isso fez o coração de Sofia se aquecer.— Papai! — Davi exclamou, correndo em direção a Gabriel e envolvendo-o em um abraço apertado. Sofia observou a cena, sentindo uma onda de nostalgia a atingir. Havia algo no jeito como Gabriel interagia com Davi que a fazia lembrar dos momentos bons que tiveram como família.— Estou pronto para o jantar. Você está pronta? — Gabriel perguntou, olhando para Davi, que estava quase pulando de excitação.— Sim! — Davi respondeu, e então
A quarta-feira chegou mais rápido do que Sofia esperava. A manhã começou agitada, com Davi indo para a escola e ela tendo que se preparar para a reunião com Eduardo. Ao longo do dia, sua mente vagava entre as tarefas do trabalho e a expectativa do encontro. Ela tentava se convencer de que não havia nada de especial, que era apenas um jantar de negócios, mas havia uma ansiedade sutil que a acompanhava.Quando o relógio marcou o horário, Sofia se arrumou com cuidado. Optou por um vestido simples, mas elegante, e se olhou no espelho, procurando alguma segurança. “É só um jantar”, repetiu para si mesma. Mas mesmo assim, uma pequena parte dela esperava que o encontro fosse mais do que isso.Ao chegar ao restaurante, Sofia sentiu um frio na barriga ao avistar Eduardo na entrada. Ele estava elegante, como sempre, com um sorriso que parecia iluminar o ambiente. Mas, ao se aproximar, notou que havia uma mulher ao lado dele — uma mulher alta, com cabelos longos e ondulados, usando um vestido ve
Eduardo dirigia calmamente pelas ruas tranquilas da cidade, a luz dos postes iluminando o caminho à sua frente. O jantar com Sofia e Laura ainda ocupava sua mente. O brilho dos sorrisos de Laura e a energia que ela trazia à mesa eram inegáveis, mas, enquanto pensava nela, uma parte dele sentia-se distante, quase indiferente. Ao chegar à casa de Laura, ele estacionou e virou-se para olhar para ela.— Obrigada pela noite, Eduardo. Você sempre sabe como tornar os jantares interessantes — Laura disse, um brilho nos olhos que indicava algo mais.Ele sorriu, mas não sentiu o mesmo entusiasmo que ela parecia expressar. Na verdade, não tinha certeza se queria que a amizade deles avançasse para algo romântico. Laura era inteligente e bonita, mas sua mente estava longe do romance. Eduardo sabia que seus sentimentos por ela eram platônicos.— Foi um prazer, Laura. Estava bom demais para ser só trabalho — respondeu ele, tentando manter o tom leve.Laura hesitou um instante, como se esperasse algo
A semana passou rapidamente e, finalmente, chegou o dia da reunião que definiria o primeiro caso de disputa de propriedade que Sofia estava resolvendo. Ela se sentava em sua mesa, revisando os documentos uma última vez antes de se encontrar com Eduardo. A ansiedade misturada com excitação a envolvia. O esforço que havia dedicado ao caso finalmente começava a dar frutos, e ela estava determinada a apresentar um resultado sólido.Quando o relógio marcou a hora da reunião, Sofia se dirigiu ao escritório de Eduardo. Ao entrar, ele a cumprimentou com um sorriso genuíno.— Sofia! Estou ansioso para saber como você resolveu a questão — disse ele, gesticulando para que ela se sentasse.Ela se acomodou e, enquanto explicava os detalhes do caso, notou que Eduardo ouvia atentamente, seus olhos brilhando de entusiasmo.— Então, basicamente, conseguimos chegar a um acordo que é vantajoso para ambas as partes — finalizou Sofia, sentindo uma onda de alívio.Eduardo sorriu e bateu palmas, animado.—