— Graaaande Dingo Lingo, o nosso Dingoso Dingolento!!! Chega mais, seu viadinho!!! Que que tá com essa cara bundística?? Amuadinho como sempre, é? Mamãe brigou, foi? Hein? Hein?
— Caralho, não fode, meu! Já tô azedo, vem me encher mais ainda!— Ai, tadinho, não queria magoar seus sentimentos tão puros, tão belos, tão castos! Desculpe, formosura, me perdoa, vai…?— Você não tem salvação, cara.— Salvação? Ahhh, falando em salvação, sabe quem vai ser solto hoje?Joanita se sentia mais preparada para enfrentar os casados do Tropicaliente, após o episódio com o apaixonado amigo Mateus.Diferente de Melissa, que se drogava para aguentar os mais diversos clientes, Joana descobriu que gostava do que fazia. Não chegava a ser um sacrifício, pelo menos quando estava em algum quarto, atendendo um cliente. O problema eram as outras meninas. Não se dava bem com a maioria delas. Evitava conversar muito. Preferia os clientes. Não concorria com eles. Algumas das meninas deixavam bem claro que não gostavam dela.A situação foi piorando, conforme Joana se destacava e ganhava pontos com o chefe. Embora novata, era bastante disputada entre a clientela, e chegou a atender casais após um tempo. Sua sorte era ter facilidade para lidar com as meninas (não caí
— A felicidade é uma puta, Dingo! Uma puta rampeira, sabe disso, né, cara?— Já comeu ela?— Não tive a felicidade, Dingo. Não sei se consigo um dia. Mas a gente vai na cola dela, encoxando essa tal felicidade, gozando horrores na bunda dela, a vida é puro gozo, ou você goza ela, ou ela te goza da cara!— Tá filosófico hoje.— Minha filosofia é a rua, mermão! Cê sabe disso melhor que ninguém, não sou que nem você que fica trancado numa porra de quarto lendo um caralho d´um gibi, não!
Joanita deixaria o Tropicaliente em 1987. Com o dinheiro que conseguiu guardar, resolveu conhecer o Rio de Janeiro. Sozinha. Sem conhecer ninguém na cidade. A avó nem soube. Desesperou-se, chamou a Polícia, entregou nas mãos de Deus. Desespero dos parentes, felicidade de Joana, que pegou um ônibus, curtiu sua primeira viagem sozinha, encantou-se com o descortinar das luzes na Baía de Guanabara, quando passou pela região, de madrugada. Um espetáculo inesquecível para qualquer pessoa que sonha. E foi embalada pelos sonhos que ela desceu na Cidade Maravilhosa. Andou a esmo, perguntando aos passantes onde ficava isso, aquilo e aquele outro, e com sua habitual simpatia, foi fazendo amigos. Apesar da fama de cidade violenta, sequer viu um assalto. O calor a assustou, não estava acostumada com um Sol tão ardente.Encontrou um alberg
— Ô Dingo… se liga, Dingo, se liga, se liga, que que cê tá fazendo, mermão?— Rola não encher?— Dingolento, sempre azedudinho, né, baby? Hein, hein, olha aqui pro papai, olha…— Vai… tomar… banho!— Não, não, tá frio, véio, tu é louco! Mané banho, vem cá, que que cê tá inventando aí?— Tô escrevendo um código, quer dizer, tô tentando, seria mais fá
Joanita voltou para casa, após uma semana na cidade maravilhosa. Não tinha dinheiro. Os novos amigos lhe ajudaram.A recepção, porém, não foi das melhores. Alguns parentes estavam em sua casa. Quando abriram a porta e a viram, o primeiro impulso foi de querer matar a menina. Sua avó estava branca, com olheiras profundas, e não conseguiu falar quando viu Joanita. Apenas cobriu seus olhos e chorou. Seus tios e tias a xingavam. Em meio à balbúrdia do desespero familiar, Joana se desvencilhou de todos e correu para o seu quarto. Trancou a porta e enterrou-se debaixo dos cobertores. Não precisava daquilo. Não merecia tamanho drama. Parentes que nunca fizeram nada por ela, de repente se mostravam preocupados. Sua avó, que mal falava com ela, chorava. O que era tudo aquilo?Se o
Era 1988. Dingo e Taco completaram 15 anos de idade naquele ano. Dingo cursava o ensino médio, enquanto Taco repetia a oitava série. Ambos estudavam de manhã. Nenhum deles tinha atividades extras. Taco se ocupava com as coisas do orfanato, embora se afastasse progressivamente, e Dingo, ao contrário dos irmãos, não fazia cursos de administração nem ia para a empresa do pai durante a tarde. Seus dois irmãos, desde muito jovens, já acompanhavam o pai, para aprender as artes do ofício. E iam com prazer. Gostavam de fazer parte daquilo. Dingo foi pouquíssimas vezes. Seu pai não via nele potencial que valesse a pena investir. Não fazia a mínima questão da companhia do filho quieto e mimado. Sorte que tinha outros filhos mais capazes, senão a empresa afundaria. Tê-lo como único herdeiro seria o fim. Pelo menos era seu pensamento
Não muito longe dali, mas um pouco mais distante no tempo (fins de 87) uma garota três anos mais velha que Taco e Dingo encarava as delícias da fissura em uma clínica de desintoxicação. Cada um dos 50 dias parecia valer por pelo menos cinco. Certamente, o momento mais tenebroso da cada vez mais raquítica Joanita que, recusando-se a comer, só vomitava oxigênio, em sua abstinência. Os órgãos internos pareciam querer saltar boca afora, explodindo seu corpo cada vez mais fraco. Nos primeiros dias, não tinha acesso a nada. Nem TV, nem revistas ou livros. Era o seu pequeno e abafado quarto, sua cama e o velho sofá num dos cantos, para as raras visitas. A rotina era rígida e padronizada. Era acordada às 07 horas da manhã por uma sirene. Os viventes se encaminhavam para os banheiros, e de lá, para o refeitório, onde faziam a primei
Dingo ainda era um nerd apaixonado pelas suas coisas. Gibis, livros, o computador com seus códigos de programação. Saía mais de casa, sentia o sangue correndo pelas veias, mas ainda era um eremita boa parte do tempo. E, mesmo em casa, seu único refúgio era o quarto. Muitas vezes saía para não ouvir as cobranças de seu pai e os choros de sua mãe. O ambiente não era tão caseiro quanto gostaria. Invejava em segredo seus amigos, que pareciam ter vidas tão tranquilas e felizes em suas casas (e será que eram tão felizes assim)? A grama do vizinho é mais verde, uma expressão que ele já ouvira. Talvez, mas ele queria mesmo era conferir e experimentar novos gramados