Já em casa...
— Não dá mais pra fugir, Taco, você precisa acertar logo as contas com esse cara, ou ele te apaga logo, logo, pare de fingir que não tá acontecendo nada, porque você sabe que tá, e não dá pra conviver com esse tipo de coisa!
— Não força, Joa, eu só preciso de um tempo pra resolver isso, não dá pra fazer nada agora, se eu for lá conversar com ele sem grana, não volto mais! Vamos vivendo do jeito que dá, uma hora eu acerto isso…
— Uma hora o caralho! Agora! Vou te dar todo o pouco dinheiro que eu tenho, e você vai já levar essa merda, pelo menos pra sinalizar que tá disposto a pagar! Porra, cara, isso é suicídio!
Houve um crime. Pouca gente se importava de fato. Não saiu na primeira página dos jornais. Não se comentou na TV, à exceção de um ou outro programa policial com apresentadores à beira de um ataque de nervos.Dentre os que se importavam, estava um garoto, cuja vida parecia ter perdido o último fiapo de sentido, que caminhava rapidamente entre os barracos de uma favela, sob os olhares indiferentes de uma população acostumada com a invisibilidade. Chovia, como sempre. Isso disfarçava as lágrimas.Taco pulava pequenos “riachos”, também conhecidos como esgotos a céu aberto, que pululavam pelo caminho, entre as casas. O terreno acidentado e barrento sofria com a água que não deixava de cair há mais de cinco horas. Ele estava atrás
Dingo ficou estupefato com a história, não querendo acreditar na sequência do pesadelo. A morte de Joana era suficientemente horrível. O suposto envolvimento de Galadriel era a cereja satânica do bolo diabólico que faria sua família sofrer a derrocada final.A inevitável vertigem quase o fez desmaiar. Passando mal, decidiu falar com Gabriel. Não podia encarar Galadriel, e nem saberia como fazê-lo. Não sabia até onde podia contar com o irmão mais velho, mas precisava falar o que ouvira. Não fazia ideia de como começar… pensava na mãe. Como ela reagiria? Era mais um golpe forte na vida dela. O pior de todos, certamente.Dingo encontrou Gabriel, em plena crise de ansiedade. O irmão, assustado com o estado do garoto, fechou a porta rapidamente,
Dalila, a tia de Samia, insistia na importância de internar Taco numa clínica de reabilitação para dependentes químicos. Taco, agora, largara a delinquência, os roubos, os furtos, e fechou-se em si, usando drogas para se manter vivo, e morrendo pelo uso delas. Um pastor conhecido de Dalila conseguiu vaga em uma clínica onde atuava, como conselheiro e orientador.Taco não quis ir, num primeiro momento. Foi com muita insistência de Dingo e Samia que ele acabou aceitando. Mas isso foi ocorrer no ano seguinte. 1994 não existia mais. Para Taco, foi o ano derradeiro de sua existência. O tempo não importava mais, desde a morte da garota amada. Não pensava com coerência mais, mas culpava-se pelo ocorrido. Sequer sentimentos de vingança lhe passavam pela mente destruída. Pelas drogas. E pela vida. Taco, nessa
Toda história tem um fim. Um final, que pode ser feliz, que pode ser feio. Mas… o que há depois da história? Após o ponto final, algo acontece? Para Joanita, não, pois morta estava.Taco, porém, continuou sua jornada. Demorou, mas se viu livre das drogas. Demorou, mas se viu livre também das dívidas. Demorou, mas reintegrou-se à sociedade, a tempo de ser padrinho de casamento de seu melhor amigo, Dingo, oficialmente casado com Samia, com quem já morava há alguns anos. Agora tinham uma casa só deles. A tia Dalila foi a madrinha. A memória de Joanita inspirava a todos. Vida livre de amarras, cada momento vivido da forma mais intensa. Ela viveu em pouco mais de vinte anos, mais que a maioria das pessoas em setenta ou oitenta.Liberto, Taco pôde viver algo pareci
Joanita, rainha dos outsiders, deusa-mãe, a bruxa pagã que desviava almas para os caminhos da diversidade e da pluralidade. A criatura mágica que tocou os corações daqueles que a conheceram. A garota doce e dura na queda, que sabia o que e com quem queria. Que jamais se deixava abater, e não tolerava ordens de ninguém. Que nunca se adaptou a qualquer tipo de autoridade, e usava sua força e sensualidade para proveito próprio ou das pessoas que amava.Amoral, jamais imoral. Profundamente honesta, embora isso não significasse andar nas raias da lei o tempo todo. Puríssima em sua essência, inteiramente transparente, fazia o que tinha vontade. E fazia. Não passava vontade.Joana, graça
O que é o epílogo, senão um fim forçado? Uma história precisa terminar para que outras sejam contadas.O tempo passou para os nossos amigos.Dingo, casado, pai de dois filhos, Joana e Alessandro. Programador, sustentáculo da MetalGear, a fábrica de parafusos. Um empresário de razoável sucesso, embora ainda tímido e pouco afeito a aparições públicas. Estas ele deixava para Samia, sua esposa, agora assistente social, pesquisadora da prostituição e apoiadora das garotas da noite. Saiu da empresa para se dedicar à causa, cuidando para que as garotas tivessem apoio psicológico.Taco criou grupos de estudo e apoio de usuários e ex-usuários de drogas, dentro da fábrica, e levou seu tal
Revisão: Fabiano de Queiroz JucáCapa: Murillo MagalhãesAos meus pais, por terem me trazido ao mundo.À minha mãe, em especial, por ter lutado tanto pela minha sobrevivência.Ao meu pai, pela vida, pelo blues e pelo samba.À minha esposa e melhor amiga, principal apoiadora, que me ensinou a acreditar em meu potencial. Aos meus filhos, pelas alegrias e orgulho que me dão.Sobre rua de Pedra em SéPiaEsta obra começou a ser gerada pelos idos de 2013, com o nome “Taco e Dingo”. Era para ser apenas um conto, relatando as desventuras de uma dupla de amigos muito diferentes entre si, com uma narrativa
agradecimentoSAgradecer nominalmente é alegrar alguns e entristecer outros, os “esquecidos”. É tanta gente na caminhada… O medo de citar um e esquecer o outro… Mas não agradecer é mais horroroso ainda, porque a ingratidão é das piores coisas dessa sociedade tão insana.Agradeço aos amigos das antigas, inspiradores dessa obra, por terem compartilhado comigo a Curitiba dos anos 90: Alessandro Mayer, Fernando Rodrigues, Josélio (Zé Timão), Elaine Cristina, Carlos Millack e Elisângela Magalhães. Ao Vicente Jesuíno, um dos amigos mais leais e honestos que alguém pode ter. Maurício Santana, essencial, pelas leituras críticas e pela amizade musical. Há muita influência sua neste livro. Renatona (Oliveira) e Marcos Lira, grandes amigos do meu último período em Curitiba. Ao J