Não se desespere, meu querido. Eu sei o quanto é difícil pra você, o quanto é difícil não saber nada sobre o teu passado, a vida que poderia ter tido. Não se desespere. Eu tenho certeza de que, se você está aqui conosco hoje, é porque há um propósito nisso. Basta que você acredite. Deixa nas mãos de Deus. Ele sabe o faz, e só nos resta aceitar e procurar as respostas com calma, com paciência. Espere os sinais. Eles virão. Você não está sozinho. Deus está com você, nunca se esqueça. Eu estou aqui com você também. Sempre que precisar. O mundo é cinzento, é duro, não é fácil pra ninguém… mas depende de nós, de cada um de nós, erguer a cabeça e enfrentá-lo com serenidade, com amor. Faça tudo com a
Fins de 1985, quando Joanita foi “convocada” para o Tropicaliente. Aceitou de imediato, imaginando que bastava evitar os aparentes erros da amiga Melissa. Começou a trabalhar na segunda quinzena de dezembro, às vésperas de mais um tenebroso Natal em família, com sorrisos postiços e dentes podres insinuando uma felicidade que nunca existira.Mais fácil era aguentar as mãos dos velhos safados. Pelo menos eram mais sinceras, embora nojentas. Ela começou como garçonete, mas essa experiência durou apenas uma semana, pois o bar estava precisando de meninas naquele fim de ano. Assim que foi “promovida”, com um pequeno aumento de salário, mais as “comissões” (por venda de bebidas), foi para a ação, sem muita vergonha. Melissa teve mais problemas de adaptação. Vomitava c
— Graaaande Dingo Lingo, o nosso Dingoso Dingolento!!! Chega mais, seu viadinho!!! Que que tá com essa cara bundística?? Amuadinho como sempre, é? Mamãe brigou, foi? Hein? Hein?— Caralho, não fode, meu! Já tô azedo, vem me encher mais ainda!— Ai, tadinho, não queria magoar seus sentimentos tão puros, tão belos, tão castos! Desculpe, formosura, me perdoa, vai…?— Você não tem salvação, cara.— Salvação? Ahhh, falando em salvação, sabe quem vai ser solto hoje?
Joanita se sentia mais preparada para enfrentar os casados do Tropicaliente, após o episódio com o apaixonado amigo Mateus.Diferente de Melissa, que se drogava para aguentar os mais diversos clientes, Joana descobriu que gostava do que fazia. Não chegava a ser um sacrifício, pelo menos quando estava em algum quarto, atendendo um cliente. O problema eram as outras meninas. Não se dava bem com a maioria delas. Evitava conversar muito. Preferia os clientes. Não concorria com eles. Algumas das meninas deixavam bem claro que não gostavam dela.A situação foi piorando, conforme Joana se destacava e ganhava pontos com o chefe. Embora novata, era bastante disputada entre a clientela, e chegou a atender casais após um tempo. Sua sorte era ter facilidade para lidar com as meninas (não caí
— A felicidade é uma puta, Dingo! Uma puta rampeira, sabe disso, né, cara?— Já comeu ela?— Não tive a felicidade, Dingo. Não sei se consigo um dia. Mas a gente vai na cola dela, encoxando essa tal felicidade, gozando horrores na bunda dela, a vida é puro gozo, ou você goza ela, ou ela te goza da cara!— Tá filosófico hoje.— Minha filosofia é a rua, mermão! Cê sabe disso melhor que ninguém, não sou que nem você que fica trancado numa porra de quarto lendo um caralho d´um gibi, não!
Joanita deixaria o Tropicaliente em 1987. Com o dinheiro que conseguiu guardar, resolveu conhecer o Rio de Janeiro. Sozinha. Sem conhecer ninguém na cidade. A avó nem soube. Desesperou-se, chamou a Polícia, entregou nas mãos de Deus. Desespero dos parentes, felicidade de Joana, que pegou um ônibus, curtiu sua primeira viagem sozinha, encantou-se com o descortinar das luzes na Baía de Guanabara, quando passou pela região, de madrugada. Um espetáculo inesquecível para qualquer pessoa que sonha. E foi embalada pelos sonhos que ela desceu na Cidade Maravilhosa. Andou a esmo, perguntando aos passantes onde ficava isso, aquilo e aquele outro, e com sua habitual simpatia, foi fazendo amigos. Apesar da fama de cidade violenta, sequer viu um assalto. O calor a assustou, não estava acostumada com um Sol tão ardente.Encontrou um alberg
— Ô Dingo… se liga, Dingo, se liga, se liga, que que cê tá fazendo, mermão?— Rola não encher?— Dingolento, sempre azedudinho, né, baby? Hein, hein, olha aqui pro papai, olha…— Vai… tomar… banho!— Não, não, tá frio, véio, tu é louco! Mané banho, vem cá, que que cê tá inventando aí?— Tô escrevendo um código, quer dizer, tô tentando, seria mais fá
Joanita voltou para casa, após uma semana na cidade maravilhosa. Não tinha dinheiro. Os novos amigos lhe ajudaram.A recepção, porém, não foi das melhores. Alguns parentes estavam em sua casa. Quando abriram a porta e a viram, o primeiro impulso foi de querer matar a menina. Sua avó estava branca, com olheiras profundas, e não conseguiu falar quando viu Joanita. Apenas cobriu seus olhos e chorou. Seus tios e tias a xingavam. Em meio à balbúrdia do desespero familiar, Joana se desvencilhou de todos e correu para o seu quarto. Trancou a porta e enterrou-se debaixo dos cobertores. Não precisava daquilo. Não merecia tamanho drama. Parentes que nunca fizeram nada por ela, de repente se mostravam preocupados. Sua avó, que mal falava com ela, chorava. O que era tudo aquilo?Se o
Era 1988. Dingo e Taco completaram 15 anos de idade naquele ano. Dingo cursava o ensino médio, enquanto Taco repetia a oitava série. Ambos estudavam de manhã. Nenhum deles tinha atividades extras. Taco se ocupava com as coisas do orfanato, embora se afastasse progressivamente, e Dingo, ao contrário dos irmãos, não fazia cursos de administração nem ia para a empresa do pai durante a tarde. Seus dois irmãos, desde muito jovens, já acompanhavam o pai, para aprender as artes do ofício. E iam com prazer. Gostavam de fazer parte daquilo. Dingo foi pouquíssimas vezes. Seu pai não via nele potencial que valesse a pena investir. Não fazia a mínima questão da companhia do filho quieto e mimado. Sorte que tinha outros filhos mais capazes, senão a empresa afundaria. Tê-lo como único herdeiro seria o fim. Pelo menos era seu pensamento