Quando amanhecer, você já será um de nós...
Ainda no ano em que Dingo e Taco se conheceram, 1987, era “moda” nas escolas a chamada “brincadeira da caneta”, variante papel-caneta da versão mais famosa, a “brincadeira do copo”. Brincadeira para alguns, assunto sério para outros, consistia em falar com os mortos. Na época, pouca gente sabia que se tratava de um jogo baseado no tabuleiro ou tábua Ouija, um método de necromancia para se comunicar com os mortos ou espíritos. Para os jovens, não passava de um brinquedo.
Bastava um papel em branco e uma caneta. Nas extremidades da folha, escrevem-se as palavras “sim” e “não”. No alto da folha, a palavra “entrada”, que é por onde o “esp&iac
No fundo, no fundo,bem lá no fundo,a gente gostariade ver nossos problemasresolvidos por decreto (Bem no fundo. LEMINSKI, Paulo)Dívida de jogo do bicho. Uma, duas, três balas. Os últimos suspiros de um alcoólatra. Poderia ter sido melhor. O final foi rápido, rasteiro, sem perdão. Implacável. Assim terminou a vida de um homem de 28 anos, que acumulava dívidas e problemas com o álcool pelo menos desde os 20, quando saiu de sua cas
Pode-se dizer que a maioria das pessoas não conseguiria encher duas páginas com sua história de vida. Talvez fosse o caso de Dingo, o nerd fanático por futebol, pouco encantador, zero de carisma. Teve uma infância asséptica. Porém, Dingo tinha alma. Uma alma bem confusa, aliás. Tão confusa que ele mesmo tinha enorme dificuldade em entender suas ideias. Fugia um bocado do perfil de seus familiares mais próximos. Como dito antes, era o irmão mais novo de três rebentos. Seu pai era empresário do ramo de fabricação de parafusos. Razoavelmente bem-sucedido durante um bom tempo. Sua mãe, bastante católica, era dona de casa. Uma espécie de secretária do lar, que ajudava o marido inclusive nas questões financeiras da empresa, mas não lidava diretamente com a fábrica. Batia ponto religiosamente na Igreja, aos d
Não se desespere, meu querido. Eu sei o quanto é difícil pra você, o quanto é difícil não saber nada sobre o teu passado, a vida que poderia ter tido. Não se desespere. Eu tenho certeza de que, se você está aqui conosco hoje, é porque há um propósito nisso. Basta que você acredite. Deixa nas mãos de Deus. Ele sabe o faz, e só nos resta aceitar e procurar as respostas com calma, com paciência. Espere os sinais. Eles virão. Você não está sozinho. Deus está com você, nunca se esqueça. Eu estou aqui com você também. Sempre que precisar. O mundo é cinzento, é duro, não é fácil pra ninguém… mas depende de nós, de cada um de nós, erguer a cabeça e enfrentá-lo com serenidade, com amor. Faça tudo com a
Fins de 1985, quando Joanita foi “convocada” para o Tropicaliente. Aceitou de imediato, imaginando que bastava evitar os aparentes erros da amiga Melissa. Começou a trabalhar na segunda quinzena de dezembro, às vésperas de mais um tenebroso Natal em família, com sorrisos postiços e dentes podres insinuando uma felicidade que nunca existira.Mais fácil era aguentar as mãos dos velhos safados. Pelo menos eram mais sinceras, embora nojentas. Ela começou como garçonete, mas essa experiência durou apenas uma semana, pois o bar estava precisando de meninas naquele fim de ano. Assim que foi “promovida”, com um pequeno aumento de salário, mais as “comissões” (por venda de bebidas), foi para a ação, sem muita vergonha. Melissa teve mais problemas de adaptação. Vomitava c
— Graaaande Dingo Lingo, o nosso Dingoso Dingolento!!! Chega mais, seu viadinho!!! Que que tá com essa cara bundística?? Amuadinho como sempre, é? Mamãe brigou, foi? Hein? Hein?— Caralho, não fode, meu! Já tô azedo, vem me encher mais ainda!— Ai, tadinho, não queria magoar seus sentimentos tão puros, tão belos, tão castos! Desculpe, formosura, me perdoa, vai…?— Você não tem salvação, cara.— Salvação? Ahhh, falando em salvação, sabe quem vai ser solto hoje?
Joanita se sentia mais preparada para enfrentar os casados do Tropicaliente, após o episódio com o apaixonado amigo Mateus.Diferente de Melissa, que se drogava para aguentar os mais diversos clientes, Joana descobriu que gostava do que fazia. Não chegava a ser um sacrifício, pelo menos quando estava em algum quarto, atendendo um cliente. O problema eram as outras meninas. Não se dava bem com a maioria delas. Evitava conversar muito. Preferia os clientes. Não concorria com eles. Algumas das meninas deixavam bem claro que não gostavam dela.A situação foi piorando, conforme Joana se destacava e ganhava pontos com o chefe. Embora novata, era bastante disputada entre a clientela, e chegou a atender casais após um tempo. Sua sorte era ter facilidade para lidar com as meninas (não caí
— A felicidade é uma puta, Dingo! Uma puta rampeira, sabe disso, né, cara?— Já comeu ela?— Não tive a felicidade, Dingo. Não sei se consigo um dia. Mas a gente vai na cola dela, encoxando essa tal felicidade, gozando horrores na bunda dela, a vida é puro gozo, ou você goza ela, ou ela te goza da cara!— Tá filosófico hoje.— Minha filosofia é a rua, mermão! Cê sabe disso melhor que ninguém, não sou que nem você que fica trancado numa porra de quarto lendo um caralho d´um gibi, não!
Joanita deixaria o Tropicaliente em 1987. Com o dinheiro que conseguiu guardar, resolveu conhecer o Rio de Janeiro. Sozinha. Sem conhecer ninguém na cidade. A avó nem soube. Desesperou-se, chamou a Polícia, entregou nas mãos de Deus. Desespero dos parentes, felicidade de Joana, que pegou um ônibus, curtiu sua primeira viagem sozinha, encantou-se com o descortinar das luzes na Baía de Guanabara, quando passou pela região, de madrugada. Um espetáculo inesquecível para qualquer pessoa que sonha. E foi embalada pelos sonhos que ela desceu na Cidade Maravilhosa. Andou a esmo, perguntando aos passantes onde ficava isso, aquilo e aquele outro, e com sua habitual simpatia, foi fazendo amigos. Apesar da fama de cidade violenta, sequer viu um assalto. O calor a assustou, não estava acostumada com um Sol tão ardente.Encontrou um alberg