Luara Arantes
Deixei de lado meu medo e retornei para cidade que jurei nunca mais voltar. O tempo não apagou tudo que havia sofrido por ser ingênua. Do que estou falando? Estou falando de ter assumido a culpa de um incêndio local para defender o babaca por quem era cegamente apaixonada. Meu avô infartou com toda a confusão que saiu até na televisão. O sobrenome Arantes era bem conhecido pela cidade, porque nossa família foi uma das primeiras na fundação dela. Eu não sabia o que me aguardava, pois não tinha avisado a ninguém da minha chegada, muito menos comentei sobre o pequeno Lucas, meu filho de coração. Ele foi um presente de Deus e acreditava que eu era seu anjo por ter cruzado seu caminho. Minha família não sabia do meu filho de cinco anos. Não era um dos melhores momentos para todos saberem dele, não queria que meus pais soubessem que ele não tinha nosso sangue, portanto, seria um segredo.
Depois de alguns minutos sentada no banco da praça com meu filho, busquei forças e decidi que era a hora certa de encarar minha família. Eu precisava deles desesperadamente por causa do meu menino. Perdi o emprego e por consequência fui despejada de casa. Era humilhante, sabe? Estar de volta como uma fracassada.
— Lucas, não esqueça o que combinamos, está bem? — avisei, para o meu pequeno travesso de olhos negros lindos.
— Não vou esquecer, mamãe. — respondeu, dando um lindo sorriso.
Segurei firme em sua mãozinha e respirei fundo. A casa da minha família conseguia vê de onde estávamos. Ela continuava igualzinha desde a última vez que a vi. Éramos uma família classe média. Nossa casa estava há gerações na família. De um lado trazia comigo a pequena mala de rodinhas com minhas roupas. A mochila azul que trazia nas minhas costas era as coisinhas do meu filho. Após atravessarmos a rua pavimentada, senti um pouco de angústia. Eles não ficariam felizes em me reencontrar com um filho. Abri o portão que fez um barulho escandaloso. Queria ser discreta, no entanto, tudo tinha ido água abaixo.
— Luara? — minha irmã Isabela, questionou assustada. — Mãe! Corre aqui, mãe! Luara trouxe um garoto branco com ela! Mãe, ele tem os cabelos loiros! É muito branco! Sinto que vou cegar, mãe!
Esqueci de mencionar que éramos uma família negra, como éramos descendentes de escravos, minha família tinha um dilema muito preconceituoso, em relação a qualquer pessoa de pele alva, para eles essas pessoas mereciam ser castigadas, mesmo sem razão alguma pra isso. Minha irmã idiota, saiu berrando casa adentro que eu havia trazido um garoto branco. Como era ter uma família racista? Uma droga!
— Filha? — dona Regina disse levando uma das mãos ao peito. Eu sabia que o drama começaria. — Aí! Estou com falta de ar! Sinto que estou morrendo! De quem é esse menino branco, Luara? Por favor, diga pra sua mãe que não é o que estou pensando...
Revirei os olhos. Lucas assustado apertou com força minha mão. Aquilo tudo era uma palhaçada, um drama muito mal atuado!
— É o seu neto, mamãe! — afirmei, com um sorriso nervoso nos lábios. Adentramos a casa e tentei ignorar os gritos da minha mãe vindo logo atrás de mim.
— Luara! Não acredito que você deu pra um burguês! Foram nove meses com você na barriga! Quase um ano! Sofri tanto em cima da cama pra parir! Pra isso? Por que me odeia desse jeito? Te ensinei desde cedo que deveria sempre se prevenir! Meu Deus, por que me deu uma filha dessas? Por quê?!
— Mãe! Não vê que está assustando o seu neto? Olha pra ele, completamente, assustado!
Não demorou muito até meu avô Alfredo adentrar a sala de estar com sua bengala como suporte.
— O menino é branco! — disse apontando a bengala na nossa direção e continuou. — Luara, cadê o pai desse garoto? E por que não está com uma aliança no dedo? Quem foi o infeliz que te engravidou e abandonou? Pensei que gostasse de negão e não de mandioca branca! Você tem vinte e três anos! Esse garoto tem que idade?
Olhei para Lucas e estalei a língua, era o sinal para ele agir como tínhamos combinado. O pequeno logo entendeu e se jogou no chão. Acharam mesmo que eu ia chegar em uma família racista sem um plano? Acharam errado!
— Barriga, doendo, mamãe...
Que orgulho do meu garotinho. Ele conseguiu chamar atenção da minha família, por estar se contorcendo no chão, feito uma cobra com cãibra. O que eu poderia fazer? Deixar que todos me julgassem sem sequer ouvir uma palavra minha? Eles teriam muito tempo pra isso ainda, pros seus julgamentos ao meu respeito! O interrogatório parou e aparentemente meu plano estava dando certo.
— Vocês podem parar? Falaram tanto que deixaram o menino doente! — resmunguei, gesticulando com as mãos.
Peguei meu filho no colo que continuou com sua bela atuação de menino doente.
— Liguei para o papai e contei tudo! — Isabela disse, me dedurando com um sorrisinho de deboche no rosto. — Luara, tá ferrada!
Por que minha família era tão sem noção daquele jeito? Crescer em uma família de loucos foi um verdadeiro desafio.
— Esqueceu dos seus remédios hoje, Isa? Esses peitões estão engolindo seu cérebro! Coitadinha! — desdenhei.
Minha irmã tinha acabado de completar dezoito anos, entretanto, continuava com a mentalidade de uma garota de doze. Usava seu corpo de mulherão para me humilhar sempre que surgia oportunidade. Ela nunca foi uma irmã de verdade que pudesse ser um apoio, sempre foi um castigo.
— Invejosa! Sou a mais linda da família, aliás, agora vejo que sou também a única sensata. Querida irmã, sou eu ou você que escondeu um filho? Nosso pai, vai te dar uma surra!
O barraco estava armado e quando o senhor Osvaldo nosso pai chegasse, talvez a casa viesse abaixo. Eu precisava guardar toda força que tinha para encará-lo de frente sem fraquejar. Depois de alguns minutos de pura confusão consegui colocar minhas coisas no meu antigo quarto. Lucas ficou sentado jogando no meu telefone, enquanto eu guardava algumas coisas na cômoda marrom poluída de adesivos de caderno.
— Filho, não se mexa tanto, essa cadeira tem uns mil anos. — resmunguei, preocupada. A cadeira de madeira poderia acabar derrubando ele.
— Sou forte, mamãe. Não caio nunca! Sou um super-herói, o super Lucas!
— O super Lucas precisa se cuidar também, viu? Não quero nenhum roxinho em você.
Ser mãe nunca tinha passado pela minha cabeça até vê-lo pela primeira vez. Seu rostinho bochechudo me fez apaixonar de imediato. Recordar da mãe biológica dele causava-me revolta, pois a mulher tinha uma pedra no lugar do coração. Evitei do pequeno Lucas ir parar em uma lixeira ao lado do hospital, como um lixo descartável. A mulher segurava uma caixa de papelão e ao perceber minha presença fugiu, deixando a caixa no chão. Se não fosse a atitude suspeita dela nunca teria me aproximado daquela caixa. Consegue imaginar como fiquei? Em choque! Era um bebezinho frágil, largado como se não significasse nada. Levei o recém-nascido comigo até o hospital para ser examinado e depois fui até a polícia, assim descobri que ele tinha apenas dez dias de vida. Mesmo sendo jovem, me responsabilizei pela criança e adotei. Foi amor desde o início e por ele era capaz de tudo.
Não sabia ao certo que horas eram quando comecei a ouvir gritaria cada vez mais próxima. Lucas dormia na minha cama e parecia em um sono profundo. Levantei cuidadosamente para não acordá-lo. Meu pai Osvaldo poderia ter um treco caso eu não aparecesse logo em sua frente. Eu tinha que enfrentar a fera e ser forte porque ele era um pai muito controlador. Saí do quarto tombando por onde passava. No momento em que cheguei na sala de estar com os cabelos desgrenhados e ofegante, fui recebida com um tapa que me fez ficar tonta.— Por que desonrou nossa família desse jeito? Um filho Luara? E branco? O que vão pensar da nossa família? Eu deveria te colocar pra fora daqui junto com esse menino, mas não vou, sabe por quê? Porque ao contrário de você eu tenho honra!
Estar em casa sem o conforto de um lar feliz era desconcertante. O caminhão de mudança quando chegou, precisou colocar todas as minhas coisas no aperto da garagem. No dia anterior minha conversa com Andressa no seu local de trabalho, fez com que pudéssemos recomeçar outra vez. Merecíamos, certo? Uma nova chance, a chance de reatar nossa amizade de infância, não tínhamos nada a perder.Eram quase onze da manhã quando decidi abandonar o quarto. Foi estranho adentrar a sala de estar e ver meu filho conversando com o bisavô. Não esperava que vovô Alfredo fosse dar atenção ao bisneto. Fiquei ali parada observando os dois, sem que eles percebessem minha presença.— Perna dói, vovô? — Lucas, perguntou, inocentemente, e
Quinze dias desde minha chegada na cidade e algumas coisas pareciam caminhar bem. Meu filho havia finalmente começado a estudar na minha antiga escola. Alguma coisa tinha que dar certo, não é mesmo? Mesmo com os dias, minha família continuava rejeitando Lucas. Era difícil nossa convivência, Dona Regina costumava passar na minha cara todas as manhãs de que eu tinha acabado com nossa família. Isabela sempre ficava com suas provocações até me tirar do sério. Infelizmente, o que mais me entristecia era não sentir mais vontade alguma de chamar meus pais, de pais.Era sábado à noite quando decidi levar meu menino travesso para se divertir com outras crianças na praça. Ver todas aquelas crianças juntas, despertava um sentimento eufórico em mim. Onde meu filho era b
Josué MonteiroDeixei tudo para buscar meu filho após localizá-lo, entretanto, não consegui nem sequer me aproximar. Ele era feliz aparentemente com sua mãe adotiva. Eu não era um monstro para separar a mãe de um filho, ela o amava muito. Quase um mês observando de longe os dois. Senti que era o momento de um contato direto, mas não queria assustá-los. A mãe biológica do meu filho fez questão de se livrar dele no momento em que terminei nosso noivado. Me arrependi de não ter terminado só depois do nascimento do bebê, por causa dessa escolha ruim ela sumiu grávida e quando apareceu não estava mais com o bebê. Foram cinco longos anos sofrendo sem saber onde estava meu filho.Precisei da ajuda de Alexandra para poder me ausentar do escritório. Minha prima era responsável e muito competente, sabia que tinha deixado
Luara ArantesEu queria esquecer, esquecer o quanto foi extremamente constrangedor meu suposto encontro na sorveteria. Andressa talvez tivesse razão o tempo inteiro, o senhor esquisitão deixou claro suas intenções comigo. Mas algo no meu coração dizia que não era apenas isso, existia algo a mais. Meu pequeno Lucas era quem realmente chamava atenção dele. Depois de fugir da sorveteria não quis saber de mais nada que não fosse retornar para casa e ficar com meu filho.No dia seguinte acordei com uma dor de cabeça intensa, mesmo assim levantei logo cedo e deixei meu garotinho na escola. Enquanto voltava pra casa caminhando, algo inusitado aconteceu. Vi aquele homem novamente, ele colocou-se na minha frente, impedindo que eu passasse. O sorriso dele talvez fosse um dos seus ponto
Como o esperado em menos de duas horas, todos da minha família já sabiam tudo que tinha acontecido, envolvendo Yago, eu e Josué. Dona Regina entrou no meu quarto feito um relâmpago e trazia com ela um dos seus sapatos de salto baixo em mãos. Eu não fiquei nenhum pouco surpresa com sua atitude. Guardei o livro que lia e respirei fundo até que ela soltasse seu veneno.— Você quer envergonhar mais ainda nossa família? — questionou, sacolejando meu braço esquerdo. — Todos estão falando na rua inteira que você causou uma confusão em público! Por que envolveu o filho de Marieta nisso? Ele é um bom rapaz, agora todos estão falando dele! Não pode esconder seu gosto péssimo pra homens? Tem que esfregar um branco na cara de todos? As pessoas estão fala
Josué MonteiroPrecisei retornar para a capital durante uma semana inteira para resolver negócios pendentes. Alexandra insistiu que o melhor era levar Luara Arantes ao tribunal pra tentar recuperar meu filho, mas não era simplesmente tirar o filho dela que resolveria tudo. Ela o amava tanto. Decidido a continuar com o plano anterior, retornei depois de uma semana. Para minha surpresa, algumas coisas mudaram, a moça era realmente determinada, pois tinha conseguido um trabalho em um restaurante, como garçonete. Esperava que aquele homem que tentou agredi-la fisicamente não estivesse importunando sua vida. Quando recordava que ele quase a espancou no meio da rua, sentia vontade de espancá-lo até perder a consciência. Ele era um homem covarde que agredia mulheres indefesas, contudo, naquele dia ele não contava com minha presença, muito menos qu
Luara ArantesEm casa comecei a pensar em Josué, não pensei que ele fosse fugir da forma como fugiu do restaurante. Sempre soube que tinha algo de errado nele e ter desmascara-o, talvez ele me deixasse em paz. Eu não era nenhuma ingênua mais, muito menos, acreditava em qualquer desculpa esfarrapada. Aproveitei que vovô Alfredo estava na sala de estar, decidi dar uma organizada em seu quarto. O quarto dele era como sua fortaleza, todos eram proibidos de adentrar, mas, eu não seguia essa regra.— Como ele vive assim? — perguntei-me, fitando a pilha de caixas de papelão ao lado da cama.O cheiro forte de mofo me fez começar a tossir. Primeiro fui até o guarda-roupas antigo dele e peguei tudo que precisava para trocar as cobertas da cama. Puxei