Estar em casa sem o conforto de um lar feliz era desconcertante. O caminhão de mudança quando chegou, precisou colocar todas as minhas coisas no aperto da garagem. No dia anterior minha conversa com Andressa no seu local de trabalho, fez com que pudéssemos recomeçar outra vez. Merecíamos, certo? Uma nova chance, a chance de reatar nossa amizade de infância, não tínhamos nada a perder.
Eram quase onze da manhã quando decidi abandonar o quarto. Foi estranho adentrar a sala de estar e ver meu filho conversando com o bisavô. Não esperava que vovô Alfredo fosse dar atenção ao bisneto. Fiquei ali parada observando os dois, sem que eles percebessem minha presença.
— Perna dói, vovô? — Lucas, perguntou, inocentemente, encarando a bengala que ele usava como suporte para caminhar. O mais velho sorriu, com seu sorriso falho dos dentes da frente.
— Garoto, estou velho, o que não dói? — brincou, bagunçando os cabelos do pequeno. — Sua mãe parece estar com medo de se aproximar de nós.
Minha presença foi notada. Vovô Alfredo bateu uma das mãos no sofá de quatro lugares, chamando-me para sentar do seu lado.
— Não queria atrapalhar vocês. — disse caminhando em sua direção. — Sabe, vovô, senti muito sua falta, meu velhinho favorito!
Sentei do seu lado e beijei sua bochecha esquerda. Minha família nunca foi perfeita, mas amava cada um deles.
— Luara, por que nunca veio nos visitar? Deveria ter contando pra sua família, sobre o menino. — falou tocando minha mão e continuou. — Filha, apesar de não ser o que queríamos pra você, cedo ou tarde saberíamos. Você poderia ter evitado todo esse escândalo.
— Nem mesmo o senhor entende, vovô, Alfredo. Vocês não gostam dele e sei bem o motivo. — comecei a falar e parei, Lucas estava por perto, poderia entender alguma coisa.
— A família do pai do garoto rejeitou ele? Não minta pra mim, filha. Você sabia qual seria nossa reação ao trazer o menino para nossa casa. Eu sei que é seu filho, mas talvez fosse melhor entregá-lo ao pai. Ele não parece em nada com você. Luara, você tem apenas vinte e três anos, pode ter outros filhos, e do jeito certo.
E o encanto que houve quando vi vovô, conversando com Lucas, tinha quebrado-se em pedaços. Suas palavras machucaram meu coração. Levantei do sofá na mesma hora e engoli o choro.
— O senhor abriria mão de um filho? Aparentemente sim, se ele fosse diferente. — comentei, segurando na mãozinha de Lucas. — Eu amo meu filho e não abro mão dele. Ele não precisa de um pai. Sou o suficiente para ele.
Puxei meu filho pela mão e juntos saímos da sala em direção à cozinha. Esperava encontrar um pouco de paz e tranquilidade em outro ambiente da casa, contudo, encontrei Yago em vez de Marieta.
— O que faz aqui? — esbravejei, chamando sua atenção. Seu sorriso cínico que no passado, pensei ser a coisa mais linda do mundo, fez meu sangue ferver.
— Dona Regina, pediu para que eu viesse. — respondeu, revirando os olhos. — Eu sabia que, no fundo, existia uma rebelde em você. Aposto que deu pra um universitário metido. Loirinho, sua mamãe, não escolheu direito com quem se envolver. Luara, não me olhe assim, estou pasmo! Esperava mais de você, lindinha!
Eu queria não ceder às provocações de Yago, no entanto, ele merecia ouvir uma boa resposta.
— Filho, vá para o nosso quarto, quero conversar com esse daí!
Lucas era um garoto esperto e logo saiu correndo da cozinha.
— Quer conversar? — perguntou, dando um passo à frente. — Não pense que vai me pegar desprevenido dessa vez, Luara. Sou forte. Posso te quebrar, bonitinha.
Empurrei sua mão atrevida do meu rosto. Senti nojo de um dia ter me apaixonado por ele.
— Você não vale nada! O pai do meu filho fez o que você nunca fez, um sexo gostoso! O resultado você mesmo viu, um menino lindo. Foi apenas uma noite de prazer e não me arrependo.
Admito, queria sim, pisar em seu ego de homem. Infelizmente Yago foi o único homem com quem estive intimamente. Meu primeiro beijo. Minha primeira vez. O cafajeste usou minha ingenuidade pra se aproveitar de tudo que pode de mim.
— A pegada do negão elas nunca esquecem. Lembro bem todas as vezes em que gemeu em cima de mim. Para de marra, quem sabe, eu possa te dar uma dose extra da potência de um homem de verdade.
No momento em que fui puxada para seus braços musculosos gritei. Gritei para quem quisesse ouvir.
— O incêndio da escola Santa Cruz...
Yago não deixou que eu completasse a frase, simplesmente, tampou minha boca com sua mão grosseira.
— Você não vai dizer nada, entendeu? Deixe o passado no passado. Não foi só você que mudou. Luara, você não sabe do que posso ser capaz para guardar esse segredo.
Após ser empurrada contra a bancada, meu coração disparou. Eu sabia pelo tom de sua voz que era uma ameaça. Minha voz travou e tudo que consegui fazer em seguida foi sair correndo. Senti que precisava fugir de toda aquela situação. Ignorei qualquer pessoa que estivesse no meu caminho e saí porta fora.
Cinco minutos depois, estava sentada no banco da praça, e só então me dei conta de que estava apenas de camisola. Minha camisola era de mangas curtas e da cor cinza. A malha era macia, o que me deixava bastante confortável. A estampa de gatinho era bastante chamativa.
— Ótimo, vão achar que sou uma doida. — murmurei, rindo de nervoso.
Mesmo com a rua movimentada, ninguém parecia se importar em me ver daquele jeito. O incêndio da escola Santa Cruz foi um escândalo na época em que tudo aconteceu. Yago era um canalha que me usou da pior forma possível. Não sabia o porquê dele ter feito o que fez. Por que incendiar a escola onde estudávamos? Nunca soube a resposta. Eu pensei que retornar para minha cidade natal fosse trazer em peso os julgamentos pelo passado, mas ninguém sequer tinha olhado torto pra mim. Talvez lá no fundo todos soubessem que eu não seria capaz de fazer tal ato.
Senti um calafrio e até um pouco de pânico quando um carro importado passou lentamente perto de onde estava. Foi uma péssima sensação. Turistas não eram frequentes na cidade. O carrão preto, que com certeza, era blindado, logo pegou velocidade e pude soltar o ar que prendia nos pulmões.
— Muita coisa mudou na minha ausência. — cochichei, pronta para ir embora.
Esperava não ter problemas quando fosse matricular Lucas na escola. Por que estou dizendo isso? Simples, a escola onde ele ficaria estudando, era a qual supostamente, incendiei. Precisava ser positiva, afinal de contas, não sabia quanto tempo ficaríamos na minha cidade natal. Eu queria sair o quanto antes da casa dos meus pais. Aceitaria qualquer emprego que fosse para ter minha independência.
Quinze dias desde minha chegada na cidade e algumas coisas pareciam caminhar bem. Meu filho havia finalmente começado a estudar na minha antiga escola. Alguma coisa tinha que dar certo, não é mesmo? Mesmo com os dias, minha família continuava rejeitando Lucas. Era difícil nossa convivência, Dona Regina costumava passar na minha cara todas as manhãs de que eu tinha acabado com nossa família. Isabela sempre ficava com suas provocações até me tirar do sério. Infelizmente, o que mais me entristecia era não sentir mais vontade alguma de chamar meus pais, de pais.Era sábado à noite quando decidi levar meu menino travesso para se divertir com outras crianças na praça. Ver todas aquelas crianças juntas, despertava um sentimento eufórico em mim. Onde meu filho era b
Josué MonteiroDeixei tudo para buscar meu filho após localizá-lo, entretanto, não consegui nem sequer me aproximar. Ele era feliz aparentemente com sua mãe adotiva. Eu não era um monstro para separar a mãe de um filho, ela o amava muito. Quase um mês observando de longe os dois. Senti que era o momento de um contato direto, mas não queria assustá-los. A mãe biológica do meu filho fez questão de se livrar dele no momento em que terminei nosso noivado. Me arrependi de não ter terminado só depois do nascimento do bebê, por causa dessa escolha ruim ela sumiu grávida e quando apareceu não estava mais com o bebê. Foram cinco longos anos sofrendo sem saber onde estava meu filho.Precisei da ajuda de Alexandra para poder me ausentar do escritório. Minha prima era responsável e muito competente, sabia que tinha deixado
Luara ArantesEu queria esquecer, esquecer o quanto foi extremamente constrangedor meu suposto encontro na sorveteria. Andressa talvez tivesse razão o tempo inteiro, o senhor esquisitão deixou claro suas intenções comigo. Mas algo no meu coração dizia que não era apenas isso, existia algo a mais. Meu pequeno Lucas era quem realmente chamava atenção dele. Depois de fugir da sorveteria não quis saber de mais nada que não fosse retornar para casa e ficar com meu filho.No dia seguinte acordei com uma dor de cabeça intensa, mesmo assim levantei logo cedo e deixei meu garotinho na escola. Enquanto voltava pra casa caminhando, algo inusitado aconteceu. Vi aquele homem novamente, ele colocou-se na minha frente, impedindo que eu passasse. O sorriso dele talvez fosse um dos seus ponto
Como o esperado em menos de duas horas, todos da minha família já sabiam tudo que tinha acontecido, envolvendo Yago, eu e Josué. Dona Regina entrou no meu quarto feito um relâmpago e trazia com ela um dos seus sapatos de salto baixo em mãos. Eu não fiquei nenhum pouco surpresa com sua atitude. Guardei o livro que lia e respirei fundo até que ela soltasse seu veneno.— Você quer envergonhar mais ainda nossa família? — questionou, sacolejando meu braço esquerdo. — Todos estão falando na rua inteira que você causou uma confusão em público! Por que envolveu o filho de Marieta nisso? Ele é um bom rapaz, agora todos estão falando dele! Não pode esconder seu gosto péssimo pra homens? Tem que esfregar um branco na cara de todos? As pessoas estão fala
Josué MonteiroPrecisei retornar para a capital durante uma semana inteira para resolver negócios pendentes. Alexandra insistiu que o melhor era levar Luara Arantes ao tribunal pra tentar recuperar meu filho, mas não era simplesmente tirar o filho dela que resolveria tudo. Ela o amava tanto. Decidido a continuar com o plano anterior, retornei depois de uma semana. Para minha surpresa, algumas coisas mudaram, a moça era realmente determinada, pois tinha conseguido um trabalho em um restaurante, como garçonete. Esperava que aquele homem que tentou agredi-la fisicamente não estivesse importunando sua vida. Quando recordava que ele quase a espancou no meio da rua, sentia vontade de espancá-lo até perder a consciência. Ele era um homem covarde que agredia mulheres indefesas, contudo, naquele dia ele não contava com minha presença, muito menos qu
Luara ArantesEm casa comecei a pensar em Josué, não pensei que ele fosse fugir da forma como fugiu do restaurante. Sempre soube que tinha algo de errado nele e ter desmascara-o, talvez ele me deixasse em paz. Eu não era nenhuma ingênua mais, muito menos, acreditava em qualquer desculpa esfarrapada. Aproveitei que vovô Alfredo estava na sala de estar, decidi dar uma organizada em seu quarto. O quarto dele era como sua fortaleza, todos eram proibidos de adentrar, mas, eu não seguia essa regra.— Como ele vive assim? — perguntei-me, fitando a pilha de caixas de papelão ao lado da cama.O cheiro forte de mofo me fez começar a tossir. Primeiro fui até o guarda-roupas antigo dele e peguei tudo que precisava para trocar as cobertas da cama. Puxei
Não suportando mais o clima pesado em casa decidi me divertir um pouco. Lucas e eu fomos ao parque. A bomba familiar sobre a bisavó de pele clara, causou muitas discussões. Ninguém fora eu e o meu filho, ficavam perto do vovô Alfredo. Eu não queria a separação familiar, pensei que todos ficaríamos mais unidos do que nunca, foi uma ilusão. Talvez fosse possível esquecer todos os problemas, por, pelo menos, aquela noite. O vento frio deixou meus pelos eriçados. Usava um vestido de alças finas.— Boa noite, Luara! — aquela voz me fez dar uma volta ao mundo em segundos. Engoli em seco. Não esperava vê-lo, Josué nos encarava descaradamente.Apertei a mão do meu pequeno. Ele estava nos seguindo? Me questionei. Josu&
Josué MonteiroNão era momento para continuar com covardia, embora estivéssemos no local errado, sabia o que deveria ser feito. Aguardei a irmã de Luara sair do quarto com o nosso filho para que eu pudesse entrar no assunto que vinha evitando falar. O menino era nosso e não tiraria o título de mãe que ela tinha. Fechei novamente a porta e tentei controlar meu nervosismo. Não tinha outra saída, era necessário lhe contar toda a verdade.— Josué, por que fechou a porta novamente?Todas suas perguntas seriam respondidas, pensei. Enfiei as mãos nos bolsos da calça enquanto caminhava em sua direção. Eu sabia que o assunto precisava ter cautela, porém, quanto mais tempo passasse seria pior.