Anne não voltara para o quarto, porém, Karen não estava preocupada, porque conseguia enxergá-la na piscina, tomando sol. Usava um maiô um pouco gasto, mas que com certeza fora escolhido estrategicamente para esconder seus hematomas, cuja origem ela ainda desconhecia.
Enquanto a menina estivesse ali, tudo estaria bem, e ela precisava concordar que aquele quarto, talvez, fosse pequeno demais para elas. O silêncio entre duas pessoas podia ser ainda mais sufocante do que a solidão, mais torturante do que os gritos e as discussões. E cada vez que Anne lhe dirigia um olhar indiferente ou que lhe cuspia uma de suas palavras ríspidas, Karen sentia-se morrer um pouco. Não era uma morte de corpo, era seu espírito que morria lentamente. Seu único propósito na vida sempre fora recuperar a irmã, cumprir a promessa que fizera par
Já que tinha uma festa para ir, Karen decidiu que seria uma boa hora para comprar algo novo para vestir. Para si mesma e para Anne. Odiava fazer gastos desnecessários, mas sabia que se revirasse sua mala de cima a baixo não encontraria nada legal para uma festa. E o mesmo aconteceria com a irmã. Pediu que Sérgio e Amália ficassem de olho na garota por algumas horinhas e partiu para o centro de Vilamares, pronta para comprar algo que fosse charmoso e fresco ao mesmo tempo, já que o tempo parecia começar a esquentar. Vasculhou as lojas em busca de algo ideal e encontrou para si um lindo floral acinturado, em tons de azul e branco, com uma saia delicada e rodada, frente única. Possuía uma sandália não muito nova de salto alto, preta, que combinaria perfeitam
Capítulo Quatro Bem, não era exatamente o que ela imaginava. O mar não tinha ondas, apenas marolas, e a praia era tão pequena que mal poderia caber uma família inteira. Mas o que ela poderia saber sobre uma família, se jamais tivera uma, pelo menos não uma que fosse normal. O cheiro e o barulho do mar eram inebriantes. Sentada na areia, sem nem se importar se iria estragar ou sujar o belo vestido, que ganhara de presente de alguém que ela nem sabia quem era, Anne contemplava o horizonte. Nunca tivera oportunidade de ver o mar, o que poderia ser considerado um absurdo, afinal nascera e crescera no Rio de Janeiro, mas a verdade era que ela sequer havia começado a viver. Não queria pensar que sua irmã fora responsável por qualquer coisa boa, porém, precisava admitir que aquele er
Já era quase meia-noite, e Karen olhava de um lado para o outro, procurando por Anne. Perguntara para algumas pessoas, inclusive para Tauan, o menino que estivera conversando com ela horas atrás, mas ele também não a vira desde que o deixara praticamente falando sozinho. Karen também presenciara a cena, mas pensara que Anne iria para o quarto, porém, estivera lá e nada. Estava vazio. Decidida a procurá-la, começou a sair da pousada, mas Sérgio veio correndo em sua direção e a chamou. — Ei, está na hora de partir o bolo. — aproximou-se sorrindo. — Eu sei, mas a Anne desapareceu. Outra vez. — mostrou-se desanimada. &
Embora não conhecesse nada de Vilamares, ela podia acreditar que eles já tinham percorrido a cidade inteira e todas as praias da região. Marcos acreditava que a menina deveria ter ido a uma delas, já que Karen suspeitava que Anne nunca tinha visto o mar. Era estranho ela simplesmente suspeitar coisas sobre a irmã que deveria conhecer muito bem. Quando Anne nascera e que Karen tivera a oportunidade de contemplar aquele bebezinho pequeno e delicado, jurou para si mesma que jamais permitiria que alguém lhe fizesse mal. Prometera que estaria ao seu lado a cada choro, a cada riso, que a aconselharia e a guiaria para o caminho correto, mas o destino quis que tudo acontecesse de uma forma diferente. Agora, depois de tanto tempo, ela esperava que ainda tivesse tempo suficiente para reparar os erros do passado.&nb
E realmente conseguiu. Quando chegaram ao automóvel, Karen estava quase chorando de dor, mas manteve-se firme. Coisa que Marcos não deixou de reparar. Aquela mulher tão pequena era muito mais corajosa do que ele poderia imaginar. E também era muito silenciosa, mas isso ele até achou preferível, pois não tinham muito o que dizer, especialmente com a adolescente rebelde no banco de trás. Assim que chegaram à pousada, Anne saltou do carro furiosa e disparou escadas acima, abandonando Karen e Marcos sozinhos. — Ela é bem difícil mesmo — Marcos comentou, completamente sem paciência. — Não sei mais o que fazer... — Karen levou ambas as mãos ao rosto, m
Anne nem sequer pregara o olho. Trancara-se no quarto, porque tudo o que queria era chorar, mas sem que Karen a visse. Não queria demonstrar fragilidade. Abriu a porta, decidida a usar o único banheiro do quarto, depois de passar a noite inteira segurando o xixi só para não sair de seu refúgio, e a primeira coisa que viu foi uma trilha de pequenas gotas sangue que percorria uma boa parte do chão marfim do quarto, parando no banheiro. Não era nada absurdo, longe de uma hemorragia, mas na visão de uma adolescente assustada, mais parecia que alguém tinha sido esfaqueado. A menina ficou apavorada, certa de que alguma coisa muito ruim tinha acontecido com sua irmã. Deixando o orgulho de lado, correu na direção do banheiro e começou a esmurrar a porta, c
Mas seria possível que não iam parar de bater naquela porta? Desde quando se tornara assim tão popular? O pé latejava bastante ainda, e pisar no chão era ainda mais doloroso, principalmente levando em consideração que estava extremamente bem acomodada sobre a cama macia e os lençóis limpinhos da pousada. Contudo, não podia deixar a pessoa esperando. Poderia até ser Anne, que poderia ter perdido a chave. Típico de meninas da sua idade. Demorou um pouco mais do que o normal para chegar à porta, porém, quando a abriu, quem viu do outro lado foi Sérgio, segurando uma enorme cesta cheia de guloseimas em seus braços. No momento em que viu tantas coisas gostosas e sentiu o cheiro de omelete fresquinho, o estômago de Karen come&c
Foram mais dois dias de molho, totalizando três trancada naquele quarto. Dias lindos nasciam do lado de fora da janela, e por mais que estivesse desesperada para sair, e que Sérgio tenha insistido muito que poderia carregá-la, brincando que era forte o suficiente para mantê-la no colo o dia inteiro se preciso, ela preferiu não lhe dar trabalho, inventando que estava gostando do descanso. Não podia negar que depois de tantos anos de trabalho, aquelas férias estavam vindo bem a calhar. Contudo, assim que pudesse voltar à rotina normal, começaria a enviar currículos. Mal tinha tirado o notebook da mochila, mas estava mais do que na hora de começar a se mexer. Ainda tinha bastante dinheiro, e seus planos de permanecer um mês na pousada poderiam seguir sem nenhum problema. Mesmo com essa extravagância, ainda teria uma boa soma na