Já era quase meia-noite, e Karen olhava de um lado para o outro, procurando por Anne. Perguntara para algumas pessoas, inclusive para Tauan, o menino que estivera conversando com ela horas atrás, mas ele também não a vira desde que o deixara praticamente falando sozinho.
Karen também presenciara a cena, mas pensara que Anne iria para o quarto, porém, estivera lá e nada. Estava vazio.
Decidida a procurá-la, começou a sair da pousada, mas Sérgio veio correndo em sua direção e a chamou.
— Ei, está na hora de partir o bolo. — aproximou-se sorrindo.
— Eu sei, mas a Anne desapareceu. Outra vez. — mostrou-se desanimada.
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Embora não conhecesse nada de Vilamares, ela podia acreditar que eles já tinham percorrido a cidade inteira e todas as praias da região. Marcos acreditava que a menina deveria ter ido a uma delas, já que Karen suspeitava que Anne nunca tinha visto o mar. Era estranho ela simplesmente suspeitar coisas sobre a irmã que deveria conhecer muito bem. Quando Anne nascera e que Karen tivera a oportunidade de contemplar aquele bebezinho pequeno e delicado, jurou para si mesma que jamais permitiria que alguém lhe fizesse mal. Prometera que estaria ao seu lado a cada choro, a cada riso, que a aconselharia e a guiaria para o caminho correto, mas o destino quis que tudo acontecesse de uma forma diferente. Agora, depois de tanto tempo, ela esperava que ainda tivesse tempo suficiente para reparar os erros do passado.&nb
E realmente conseguiu. Quando chegaram ao automóvel, Karen estava quase chorando de dor, mas manteve-se firme. Coisa que Marcos não deixou de reparar. Aquela mulher tão pequena era muito mais corajosa do que ele poderia imaginar. E também era muito silenciosa, mas isso ele até achou preferível, pois não tinham muito o que dizer, especialmente com a adolescente rebelde no banco de trás. Assim que chegaram à pousada, Anne saltou do carro furiosa e disparou escadas acima, abandonando Karen e Marcos sozinhos. — Ela é bem difícil mesmo — Marcos comentou, completamente sem paciência. — Não sei mais o que fazer... — Karen levou ambas as mãos ao rosto, m
Anne nem sequer pregara o olho. Trancara-se no quarto, porque tudo o que queria era chorar, mas sem que Karen a visse. Não queria demonstrar fragilidade. Abriu a porta, decidida a usar o único banheiro do quarto, depois de passar a noite inteira segurando o xixi só para não sair de seu refúgio, e a primeira coisa que viu foi uma trilha de pequenas gotas sangue que percorria uma boa parte do chão marfim do quarto, parando no banheiro. Não era nada absurdo, longe de uma hemorragia, mas na visão de uma adolescente assustada, mais parecia que alguém tinha sido esfaqueado. A menina ficou apavorada, certa de que alguma coisa muito ruim tinha acontecido com sua irmã. Deixando o orgulho de lado, correu na direção do banheiro e começou a esmurrar a porta, c
Mas seria possível que não iam parar de bater naquela porta? Desde quando se tornara assim tão popular? O pé latejava bastante ainda, e pisar no chão era ainda mais doloroso, principalmente levando em consideração que estava extremamente bem acomodada sobre a cama macia e os lençóis limpinhos da pousada. Contudo, não podia deixar a pessoa esperando. Poderia até ser Anne, que poderia ter perdido a chave. Típico de meninas da sua idade. Demorou um pouco mais do que o normal para chegar à porta, porém, quando a abriu, quem viu do outro lado foi Sérgio, segurando uma enorme cesta cheia de guloseimas em seus braços. No momento em que viu tantas coisas gostosas e sentiu o cheiro de omelete fresquinho, o estômago de Karen come&c
Foram mais dois dias de molho, totalizando três trancada naquele quarto. Dias lindos nasciam do lado de fora da janela, e por mais que estivesse desesperada para sair, e que Sérgio tenha insistido muito que poderia carregá-la, brincando que era forte o suficiente para mantê-la no colo o dia inteiro se preciso, ela preferiu não lhe dar trabalho, inventando que estava gostando do descanso. Não podia negar que depois de tantos anos de trabalho, aquelas férias estavam vindo bem a calhar. Contudo, assim que pudesse voltar à rotina normal, começaria a enviar currículos. Mal tinha tirado o notebook da mochila, mas estava mais do que na hora de começar a se mexer. Ainda tinha bastante dinheiro, e seus planos de permanecer um mês na pousada poderiam seguir sem nenhum problema. Mesmo com essa extravagância, ainda teria uma boa soma na
Apressando-se para atender ao telefone, Marcos jogou a toalha com a qual secava o cabelo sobre a cama, por mais que odiasse fazer isso. Contudo, odiava o som do celular tocando sem parar. Embora odiasse ainda mais a forma como tinha acabado de falar com Karen. Merda, como aquela mulher mexia com ele! — Alô! — atendeu quase ofegante. — Ih, liguei em má hora? Nem pensei que você poderia estar acompanhado... — Era o empresário de sua banda. O cara era legal, um bom amigo, mas exatamente uma das pessoas com quem Marcos não queria falar. —
O planejado era dar uma espiada em Anne, descobrir onde ela estava e voltar para o quarto para descansar um pouco. Ao ver a irmã com Tauan, entretida na piscina — assim como estivera com Marcos algumas horas atrás —, achou que não faria nenhum mal se tirasse um cochilo de pelo menos uma horinha. Contudo, a lembrança do telefonema misterioso não saiu de sua cabeça. Odiava desconfiar de Anne assim e de forma alguma queria começar a invadir sua privacidade, mas garotas de quinze anos poderiam ter muito a esconder, não poderiam? Por isso, a ideia de dar uma olhada em suas coisas lhe parecia cada vez mais correta e atraente. A mochila jazia jogada no chão, com várias roupas amassadas entulhadas dentro, além de outras espalhadas, em uma completa desordem.
Um soluço abafado escapou de seus lábios, e ela ouviu a respiração alterada de seu interlocutor. — Karen? Fazia muito tempo que não o ouvia dizer o seu nome, mas foi como se tivesse sido tragada para o passado. Para um passado que a assombrava até aquele momento. Querendo afastar-se ao máximo daquela voz, Karen jogou o aparelho de celular bem longe, espatifando-o. Anne provavelmente iria ficar possessa, mas mal conseguia pensar naquele momento. Seus neurônios estavam dando nó. Talvez tivesse soltado um grito também, levemente estrangulado, mas não conseguia exercer controle de sua própria voz ou de seu discernimento.