Mas seria possível que não iam parar de bater naquela porta? Desde quando se tornara assim tão popular?
O pé latejava bastante ainda, e pisar no chão era ainda mais doloroso, principalmente levando em consideração que estava extremamente bem acomodada sobre a cama macia e os lençóis limpinhos da pousada. Contudo, não podia deixar a pessoa esperando. Poderia até ser Anne, que poderia ter perdido a chave. Típico de meninas da sua idade.
Demorou um pouco mais do que o normal para chegar à porta, porém, quando a abriu, quem viu do outro lado foi Sérgio, segurando uma enorme cesta cheia de guloseimas em seus braços. No momento em que viu tantas coisas gostosas e sentiu o cheiro de omelete fresquinho, o estômago de Karen come&c
Foram mais dois dias de molho, totalizando três trancada naquele quarto. Dias lindos nasciam do lado de fora da janela, e por mais que estivesse desesperada para sair, e que Sérgio tenha insistido muito que poderia carregá-la, brincando que era forte o suficiente para mantê-la no colo o dia inteiro se preciso, ela preferiu não lhe dar trabalho, inventando que estava gostando do descanso. Não podia negar que depois de tantos anos de trabalho, aquelas férias estavam vindo bem a calhar. Contudo, assim que pudesse voltar à rotina normal, começaria a enviar currículos. Mal tinha tirado o notebook da mochila, mas estava mais do que na hora de começar a se mexer. Ainda tinha bastante dinheiro, e seus planos de permanecer um mês na pousada poderiam seguir sem nenhum problema. Mesmo com essa extravagância, ainda teria uma boa soma na
Apressando-se para atender ao telefone, Marcos jogou a toalha com a qual secava o cabelo sobre a cama, por mais que odiasse fazer isso. Contudo, odiava o som do celular tocando sem parar. Embora odiasse ainda mais a forma como tinha acabado de falar com Karen. Merda, como aquela mulher mexia com ele! — Alô! — atendeu quase ofegante. — Ih, liguei em má hora? Nem pensei que você poderia estar acompanhado... — Era o empresário de sua banda. O cara era legal, um bom amigo, mas exatamente uma das pessoas com quem Marcos não queria falar. —
O planejado era dar uma espiada em Anne, descobrir onde ela estava e voltar para o quarto para descansar um pouco. Ao ver a irmã com Tauan, entretida na piscina — assim como estivera com Marcos algumas horas atrás —, achou que não faria nenhum mal se tirasse um cochilo de pelo menos uma horinha. Contudo, a lembrança do telefonema misterioso não saiu de sua cabeça. Odiava desconfiar de Anne assim e de forma alguma queria começar a invadir sua privacidade, mas garotas de quinze anos poderiam ter muito a esconder, não poderiam? Por isso, a ideia de dar uma olhada em suas coisas lhe parecia cada vez mais correta e atraente. A mochila jazia jogada no chão, com várias roupas amassadas entulhadas dentro, além de outras espalhadas, em uma completa desordem.
Um soluço abafado escapou de seus lábios, e ela ouviu a respiração alterada de seu interlocutor. — Karen? Fazia muito tempo que não o ouvia dizer o seu nome, mas foi como se tivesse sido tragada para o passado. Para um passado que a assombrava até aquele momento. Querendo afastar-se ao máximo daquela voz, Karen jogou o aparelho de celular bem longe, espatifando-o. Anne provavelmente iria ficar possessa, mas mal conseguia pensar naquele momento. Seus neurônios estavam dando nó. Talvez tivesse soltado um grito também, levemente estrangulado, mas não conseguia exercer controle de sua própria voz ou de seu discernimento.
Karen estremeceu nos braços de Marcos, cobrindo o rosto com as mãos e novamente intensificando seu pranto. — Era ele no telefone? Karen balançou a cabeça, assentindo. — Ele não pode me encontrar... Não pode! Eu o coloquei na cadeia... Ele vai me matar... Marcos a apertou contra si com mais força. — Não, não vai. Ninguém vai fazer nada contra você. Não enquanto eu estiver por perto... — E era uma merda pensar nisso, mas ele queria estar por perto por muito tempo ainda, embora soubesse que aquelas férias teriam fim. — Olha, Karen... eu sei que não nos conhecemos direito, mas estou aqui. Se quiser desabafar... costuma
Meu Deus! Quatorze anos! Era nada mais do que uma menina. Não era de se admirar que ela tivesse comentado sobre a paixonite de Anne por ele, já que deveria ter uma péssima imagem de adultos em relação a mocinhas muito jovens. O homem que deveria tê-la protegido a feriu da forma mais profunda. — E durou por quanto tempo? — Até os dezoito. Quando minha mãe tentou me defender, e ele a matou. Puta que pariu! Que porra de história terrível. Como é que aquela mulher conseguia se manter tão forte, ainda com aquela personalidade gentil e delicada, depois de tudo pelo que tinha passado?
A dor de cabeça a impedia de abrir os olhos. Assim como a angústia que sentia no peito. O sono a protegia da realidade, então, se pudesse, permaneceria dentro dele por mais tempo. Continuaria dormindo por horas, dias, semanas, meses... para sempre. Porém, logo afastou este pensamento, enquanto sentia uma mão pequena tocar sua testa. Sabia que era Anne, e isso fez com que seu coração se enchesse de alegria. Sua irmãzinha deveria estar preocupada, o que significava que se importava, ao menos um pouco. Já dera sinais disso há pouco tempo, quando a vira sangrando, mas logo fingira indiferença. Daquela vez ela não fugiria, principalmente porque a sensação cálida logo se transformou em mágoa quando lembrou-se do que ela andava escondendo.&
Saíram caminhando, em direção à praia em anexo à pousada, seguindo em silêncio a princípio. Karen tirou as sandálias, passando a segurá-las na mão, enquanto Marcos preferiu manter-se de tênis. Avançaram na direção do mar, e no exato instante em que os pés descalços de Karen entraram em contato com o oceano e que o vento bagunçou seus cabelos, sentiu-se melhor. Porém, um pensamento ainda martelava em sua cabeça. — Marcos... — ela chamou, e ele virou-se em sua direção imediatamente. — Aquilo tudo que eu te contei... Sobre meu padrasto... — Um nó se formou em sua garganta, e ela não conseguiu terminar a frase de imediato. Precisou tomar um pouco mais de coragem