— Cuidado...— baixei mais um pouco o ombro para que ela se apoiasse — Isso!
— Jesus, estou cheia de sono. — sua voz estava manhosa e rouca pelo cansaço.
Em silêncio, nos dirigimos para o quarto dos gêmeos para colocá-los em seus berços, pois já dormiam. Fazia uns quatro dias que não entrava ali, desde que fomos analisar o último trabalho feito pelo carpinteiro. Mas, céus, entrar naquele lugar com os dois pequenos em meus braços era uma sensação diferente. Não tinha conseguido pregar o olho na noite passada, porque as coisas tinham acontecido de forma difícil de acompanhar, principalmente para um homem que não tinha ido muito além de aprender apenas a lidar com os últimos sintomas da mulher ao seu lado.
— Espera! — exclamou, me fazendo parar onde estava, e seguiu lentamente até a janela de alumínio na parede de frente.
— Ainda está com muita dor? — balancei os braços num ato automático, mesmo que eles estivesse
Meses depois, a situação de Judite parecia estar cada vez melhor. Durante aquele período, a variação de seu estado era intensa, principalmente nos dias em que ninguém conseguia tirá-la de perto dos gêmeos. Tudo o que ela fazia era fazer higienes básicas, garantir que eu teria roupa preparada para o dia seguinte, algo para comer e um ligar limpo para estar. Depois disso, se trancava no quarto deles e só saía para cumprir com seus deveres de mulher perante mim e para dormir. Precisei acompanhar suas consultar e ouvir algumas recomendações da sua psicóloga, para que eu a ajudasse em casa. Para além destas, também improvisava, presenteando-a com coisas diferentes em todas semanas. As poucas pessoas que sabiam do seu estado ajudavam como podiam, inclusive minha mãe, que se tornara num dos seus poucos pontos de confiança, visto que passavam mais tempo juntas.A melhoria era notável, mas, mesmo assim, eu não queria de jeito nenhum cair na descontração e correr
— Hónan! — gritei quando tentava alcançá-lo, mas suas pernas curtas pareciam levá-lo mais rápido do meu alcance — Hei!Enquanto isso, sua irmã nos seguia pela casa e gritava como se apoiasse seu irmão na corrida. Eles iam me deixar doida, porém saudável, de tanto que me faziam correr. O remote da TV estava em sua mão, assim como meu telefone. Irritada, parei, plantei as mãos na cintura e vi os gêmeos se juntarem na minha frente para rirem da minha cara. Ofeguei pelo tempo que achei suficiente até conseguir abrir a boca e falar lentamente para que os dois ouvissem:— Não querem assistir ao papá? — me inclinei, e forcei um sorriso enquanto batia palmas. Os dois marcharam no mesmo lugar e me imitaram como se se divertissem — Então, dá isso para a mamã, Hónan! — quando tentei me aproximar, o menino correu para a sala pela outra entrada.Bati em minha testa com tanta força que ficou um formigueiro persistente nela. Pérola, por sua
Judite arrastou os óculos escuros para cima, colocou Hónan no chão, se agachou atrás dele e olhou para a lápide em silêncio. A única coisa que tinha mudado era a vela, que substituímos por uma maior, mas dá mesma cor. Traduzi seu silêncio em concentração, como se ela tivesse a mesma conversa curta que tinha sempre que se agachava diante do túmulo de Beatriz, então não interrompi até que ela terminasse e se pronunciasse.Também me agachei e deixei Pérola no chão, que se inclinou para se aproximar um pouco mais do laço rosa que chamara sua atenção. Era igual ao seu e se diferia do de seu irmão somente pela cor. Os únicos que emitiam sons eram os gêmeos, para além de alguns passarinhos. Os raios do início da manhã davam-nos banhos quentes, mas não o suficiente para nos salvarem do frio escondido em rajadas fracas. Judite deitou sua cabeça em meu ombro e continuou em silêncio, sem tirar seus olhos indecifráveis da lápide marcada de preto.— Filh
JUDITE D'MATOS A vibração frenética dos meus pés se espalhava pelo corpo inteiro, forçando o movimento do vinho em minha taça. Eram poucas horas de madrugada quando tristeza, preocupação e um pouco de dor abdominal me amparavam. Meu estado deplorável, minha visão embaçada pelas lágrimas e os poros excitados pelo frio, sem dúvida alguma me levaram de volta às noites que pensei ter superado. Naquele momento, através da enorme janela da sala, assisti a escuridão se dissolver no lento amanhecer, e vasculhei por algum rastro do retorno de Souza, que me deixara naquele estado depois de me ter plantado numa espera quase infinita. São quase quatro horas, o que deve ter acontecido?, perguntava para mim mesma entre goles de vinho e soluços de choro. Minha barriga globulosa, encapada pela beleza de um cetim vermelho-sangue, recebia carícias que esperei que fossem acal
— Judy! — minha irmã chama por mim sobre o barulho alto.— Oi! — me viro, respondo no mesmo tom e estreito o olhar na direção dos dois frascos em suas mãos. — Isso não é extrato de morango, amor. O extrato é vermelho. — meneio a cabeça quando volto a atenção para batedeira na minha mão.— Aqui só tem estes dois: baunilha e...— lê o rótulo do outro frasco —...amêndoa.— Pergunta a mamã. — digo sem me virar.Aproximo a tigela e sem querer afundo o polegar no chantilly quase perfeito. É inevitável colocá-lo na boca, recebendo o sabor doce e a textura suave que a inunda.Fazer doces é uma terapia. Para além de me distrair das lembranças desagradáveis e ocupar minha mente, fazer doces também me permite passar mais tempo com minha família.— Judy, querem o quê?— Extrato de morango. — desligo a batedeira para que nos comuniquemos melhor — Eu comprei há uns dias.
Sábado — Quem era? — pergunto quando guarda seu telefone de volta no bolso. Me aproximo do fogão com uma cenoura e uma faca em cada uma das mãos. Tiro a tampa de uma das panelas e começo a cortar para dentro rodelas grossas. — Era Luther. Ligou para dizer que já não poderemos ir para o social. Foi cancelado. Os pais do amigo mudaram de ideia. — Ligou a dizer que já não poderão ir? Não havia dito que não vai? — Não. — mordisca a unha do seu polegar e trás o prato de vegetais descascados para perto. Lanço um beijo em agradecimento antes de perguntar: — Porquê? — Porque eu queria esperar chegar o dia para poder mentir que me senti mal na última hora. — confessa, indiferente, sem desgrudar os dentes da unha. — Cólicas? Eu usava isso. — passei o ombro pela bochecha para diminuir a comichão nela e
— Nós também atrasamos, então o almoço acabou por ser um jantar. No entanto, ainda assim, você continua atrasado. — Júlio eleva um pouco a voz para sobressair na roda em que se encontra. — 35 à 40 minutos. — simplesmente digo, me concentrando melhor na curva que preciso fazer. — Espero que sim. Ela não sabe que você vem. — Como assim? — confusão me enruga a testa. — Não sabe que é você quem vem. Eu não disse quem eram meus dois convidados. — Porquê? — Ela vai gostar. — faz uma pausa e parece beber algo — Não demora. — Está bem. Até já.
Tinha 16 anos, quando, pela primeira vez, a vi soprar a vela acesa em seu aniversário. Coincidentemente, o décimo sexto dia do penúltimo mês daquele ano, novembro. Ao som da cantiga que seus convidados entoavam fervorosamente, Judite tinha seu enorme bolo erguido à altura do rosto, usando-o como protecção contra meu olhar deslumbrado. Nossos olhos se cruzaram rapidamente. Estava tímida, embora não tenha sabido se era por minha causa ou pela atenção que sofria.Foi a primeira vez que olhei para ela com olhos diferentes, longe de nossos amigos em comum. Diferente de só mais uma amiga. A baixinha tinha o pulso à mil. Podia ver pela pulsação na base de seu pescoço brilhante por conta dos pequeninos discos de purpurina.Um pouco igual ao que acontece agora. Uma pancada de déjà vu me atinge quando Judite surge na varanda com um bolo gelado em mãos. Cobre metade do seu rosto. Todos olhares deliciam-se com a visão do doce, mas o meu é detido pela dança de seus lábios num