Capítulo 2|Judite

Sábado

— Quem era? — pergunto quando guarda seu telefone de volta no bolso. 

Me aproximo do fogão com uma cenoura e uma faca em cada uma das mãos. Tiro a tampa de uma das panelas e começo a cortar para dentro rodelas grossas. 

— Era Luther. Ligou para dizer que já não poderemos ir para o social. Foi cancelado. Os pais do amigo mudaram de ideia. 

— Ligou a dizer que já não poderão ir? Não havia dito que não vai?

— Não. — mordisca a unha do seu polegar e trás o prato de vegetais descascados para perto. Lanço um beijo em agradecimento antes de perguntar:

— Porquê?

— Porque eu queria esperar chegar o dia para poder mentir que me senti mal na última hora. — confessa, indiferente, sem desgrudar os dentes da unha.

— Cólicas? Eu usava isso. — passei o ombro pela bochecha para diminuir a comichão nela e sorri.

— Não tinha pensado nisso, mas serviria muito bem. Viria a calhar. 

— E por quê você tem problemas em ser sincera com teu amigo e dizer quando não quer algo? — pesco alguns grãos de feijão verde e misturo ao refogado.

— Tenho problema com todo mundo, na verdade. É mais fácil mentir. — rouba dois pequenos cubos do tomate e joga para dentro de sua boca — E não é meu amigo. — finalmente confessa, não me surpreendendo muito. 

Conheço-a o suficiente para saber que nenhum amigo a faz mudar o tom de voz ao atender a uma chamada. Bem, não um amigo comum.

— Pode até ser, mas não tão ao pé da letra assim. Geralmente usa-se quando as pessoas ainda estão a se conhecer. — lanço um palpite, mas ela balança a cabeça negativamente — São namorados? 

— Sim. — gira o prato em sua palma e aproxima da panela para que eu arraste o tomate para dentro.

— Sério? — rio do que estou prestes a dizer — Sabemos que estamos muito mais velhas quando nossas irmãs escondem coisas assim de nós.  — misturo bem tudo o que está na panela, depois coloco a tampa.

— Não exagera. Você sabe como eu sou. — sorri, mas com cuidado para não se livrar da seriedade que ela assumiu ao tocar no assunto — Namoramos a míseros 4 meses.

— Não tão míseros assim.  Já fizeram sexo? — como um pedacinho que sobrou da cenoura sob sua perplexidade — O que foi? Não sou de tabús. Além do mais, você já é maior de idade. — enquanto mastigo, me aproximo do lava-louça para terminar de limpar o peixe.

— Isso é necessário? — esconde seu rosto sob a gola da camisete velha fingindo limpar o suor inexistente na sua cara.

— Não é, mas eu sou curiosa e gosto de saber como vai a fase adulta das minhas irmãs. 

— Tatiana ainda não é adulta. 

— Ainda. Agora pode me contar. 

— O quê?

— Se protegeram? — meto dois dedos na barriga do peixe e começo a retirar o que não é para comer, o que me obriga a tirar o olhar dela.

— Claro.

— Então fizeram sexo. — concluo e rio da sua inconformidade por ter caído numa armadilha tão simples. — Como foi?

— Judy! — finge desconforto, mas sei que é só uma forma de adiar o que ela vai acabar por contar. 

— Vocês são literalmente as únicas amigas que tenho, e amigas têm curiosidade e não gostam que lhes escondam coisas tão importantes assim. 

— Eu não escondi. — alcança uma peneira de alho e continua a descascar.

— Mh. Fez o quê, então? 

— Omiti. E não achei relevante. Namoros na minha idade já vêm com isso. 

— Para começar, eu nem sabia do tal namoro. Podemos começar por aí, se for o caso. — arqueo uma sobrancelha e ela abranda sua defesa, mas percebo que vai levar seu tempo, então vou por atalhos menos invasivos — Gostas dele?

— Claro que sim. — sua expressão facial me diz o quão óbvia é a resposta.

— Como é que ele é?

— É agradável. Bonito, inteligente, educado, por aí.

— E a pegada? — não posso segurar um sorriso embalado de nostalgia.

Vendo de uma perspectiva mais adulta, olhar para a fase de aprender sobre amaços me faz concluir que é, sem dúvidas, uma das melhores que tive. Não que ela esteja nessa fase, claro. Mas enfim...rios levam à mares.

Termino com o peixe, lavo de novo as mãos e vou até o fogão para mexer a outra panela. 

— Qual é o nome dele mesmo? — aumento o tom da voz.

— Luther.

— Luther de Luther Vandross...— penso alto — Quantos anos ele tem? — bato a colher de pau na minha palma, pela qual passo a língua logo depois. Sal suficiente.

—  Sim, disse que o pai é muito fã dele. Tem 21. 

— O que ele faz?

— Direito na UEM.

— No mínimo é super interessante, ele. — me viro para torcer os lábios em aprovação.

— Chega? — estende a mão cheia de dentes de alho e eu assinto.

— Pergunta se ele pode vir hoje. — devolvo a tampa, me viro para ela e cruzo os braços. — Vosso dia não está completamente perdido. Ele vive longe daqui? — não me permito abalar pela sua expressão facial.

— Não vai poder! — seus olhos quase pulam das órbitas.

— Pergunta, amor. — puxo seu telefone do bolso e entrego a ela.

— Para quê?

— Pergunta!

— Por quê?

— Quero lhe conhecer. Pergunta. — aproveito a pausa para acabar o sumo super diluído que tem em meu copo. O gelo acaba por entrar, então mastigo enquanto a observo digitar em seu telefone, ainda um pouco contrariada. — Obrigada. — provoco logo após o seu longo suspiro.

Inalo com força os arómas que disputam intensidade no ar. Eu e minhas irmãs conseguimos organizar uma parte das coisas cedo, o que, como consequência, nos deixou 3 horas adiantadas. O almoço foi marcado para um pouco mais tarde por motivos que Júlio ficou por explicar, e perguntou se não tinha problema trazer duas pessoas em vez de uma. Eu disse que não. 

— Ele tem um irmão mais velho. Esqueci o nome dele, mas é um pouco mais velho que você e está solteiro. 

— Não tenta. Não vamos partilhar os sogros. Sou egoísta. — torço o nariz com um pouco de desdém. Seria um pouco estranho. 

Antes que ela responda, uma buzina soa do lado de fora. Deve ser vitória. Saio da cozinha e corro para abrir o portão e vê-la chegar em seu Vitz preto que eu bem conheço. Abro o portão para que ela entre e estacione 12 passos na minha frente. Fecho o portão.  

— Bem-vinda! — me aproximo da minha amiga arrastando os pés. Ela se debruça para trás e para o banco a sua esquerda, recolhendo o que trouxe para o almoço. 

— Tua casa melhora alguma coisa sempre que venho. — finalmente sai do carro e nossas altura se igualam. As duas baixinhas de dar dó. Então endireito seus óculos de sol tortos e recebo uma parte das coisas antes de deixar dois beijinhos em seu rosto. 

— Obrigada. Tento sempre fazer alguma reforma nova. — sorrio — Tudo bem?

— Tudo, tirando o calor. — tem espaço suficiente entre seus braços para tirar mais uma panela do carro — Contigo? Atrasei? Já chegou alguém?

— Ninguém. Estamos quase três horas adiantadas. — começo a andar para dentro e ela me segue.

— Ainda bem. O que se faz por aqui? — seu tom distraído me faz olhar para trás e a vejo deslumbrada com algumas coisas que alterei na decoração — Aqueles quadros não existiam na última vez que vim, e aquela parede não estava daquela cor. 

— Pois não. — o feedback positivo em seu sorriso me alegra — Está quase tudo arrumado, falta temperar e colocar o peixe no forno, e terminar de arrumar a mesa. 

— Eu trouxe... Olá! — desperta o olhar de Yara do telefone para ela, junto com o de Tatiana — Eu trouxe feijão preto e cebolada de bife. Espero que teu arroz combine. 

— Programado para se adequar a qualquer caril. — deixo as coisas por cima da minha bancada e me viro para as três.

— Como é que vocês estão? Yara cada vez mais parecida com tua irmã, pelo que vejo. — bate em seu traseiro para se referir as curvas. 

— Sem objeções. — ergo as mãos em redenção. 

— Estamos bem, obrigada. — sorri educadamente e balança a cabeça para a comparação.

— Está quente. — abana suas mãos contra o pescoço. Está de cabelo curto,  do tipo que rala a palma. 

— Gostei do corte de cabelo. 

— Obrigada. O que tem para fazer? 

— Peixe, amor. 

— Que horas os outros chegam? — vai lavar suas mãos 

— 13 horas, por aí. Que horas são, Yara? — minha irmã vem até mim e me mostra a tela do seu telefone, para ver as horas e a resposta de seu namorado — Temos mais ou menos duas horas, ainda. — repito e baixo o tom de voz para que somente ela ouça — Fala que não tem problema, irei lhe buscar na paragem.

— Eu vou. Preciso lhe preparar primeiro.

— Não comemos as pessoas vivas. Relaxa. 

O dia caiu por terra e a noite começa a se erguer. Meu relógio biológico chuta por aí 18 horas e quaisquer minutos, quando saio do banho super apressada. A segunda buzina do dia se repete no eco da casa de banho. É Júlio, um de seus convidados e Luther, com certeza. 

Quando me disse que estava a caminho, pedi que levasse Luther na paragem próxima a minha casa, assim ele não precisa sofrer nenhum tipo de reparação antes de me conhecer, e facilita as coisas para nós. 

Saio na ponta dos pés até meu quarto, por sorte, não deixando nenhum rastro de água pelo caminho. Entro, fecho a porta e vou até o canto noroeste do meu quarto, onde fica meu guarda-fato, para ver um conjunto íntimo. Um macacão é o que Yara separou para mim. Ela adora me ver dentro dele, mas eu me sinto gorda demais nele. 

— Ficou bom? — olha para si, depois para mim.

Escolheu uma blusa branca com as mangas curtas em dobras finas e uma estampa de caveira no peito, combinada com um calção de cinta alta, preto e todo solto. Suas mechas estão presas no topo da cabeça e em seus pés, chinelos brancos. 

— Está. De onde e quando vieram esses quadrís? — me espanto. Estão realmente maiores. Vitória não mentiu, e eu apresentei minha falta de objeções sem antes notar isso.

— É justo. Não pode ser a única gostosa da casa. 

— Vai levar muito tempo para me tirar do trono, amor. — brinco e, quando acho o conjunto aceitável, visto a calcinha. — Tati, já sabe o que vai vestir?

— Já vesti. — termino de organizar o tecido em minha cintura e olho para ela. 

— Gostei. — sorrio e é vez de me enfiar neste sutiã marrom — Me passa meu óleo ali? — com o queixo, indico a cabeceira — Me ajuda a fechar. — dou as coisas para Yara.

— Não é assim como se coloca um sutiã.

— Eu sei, mas estou com pressa. 

— Foi ela que te ensinou a colocar. — Tati me entrega o frasco escorregadio enquanto fala por mim. Bem colocado. 

Enquanto isso, ouço vozes no lado de fora. Sei que Vitória vai segurar as pontas, mas é meio difícil lidar com pessoas completamente desconhecidas sem alguém comumente conhecido por perto. Neste caso, a melhor seria eu. Decido me apressar e apressar minhas irmãs para que saiam. 

— Obrigada. — agradeço a ambas — Saio em alguns minutos. Vão ajudar Vitória. 

— Está bem. 

— Oque separou para eu vestir? — pergunto mesmo sabendo e podendo ver.

— Aquele macacão. — apontapara o macacão preto e justo por cima da minha cama. O trabalho que terei para vestí-lo...

— É muito apertado e mostra minhas banhas.

— Quais banhas, Judy? — me olha aborrecida e ambas saem.

Antes que possam fechar a porta, minha amiga surge através dela e me analisa somente de roupa interior e com o macacão na mão.

— Falta muito?

— Não, saio já. — tento imediatamente achar a parte superior do que vou vestir. Já me frustra.

— Chegaram 3 pessoas, mas disseram que uma irá se atrasar.

— Ahn... — achei! Abro o zíper e começo a vestir — Sim. Ele disse que viria com duas pessoas e pedi para levar alguém. — digo com o fôlego esgotado pelo esforço que faço para fazer o macacão passar pelo meu quadril.

— Depressa!

— Já venhooo! — já sentindo meu corpo transpirar, paro de forçar quando ouço algumas linhas dele se rebentarem — Jesus! Estou gorda!

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo