Meu cérebro desperta para um dia muito quente, e minhas têmporas bombam de tal forma que me fazem amarrotar a testa e me negar a abrir os olhos. Rolo para o outro lado da cama, onde um grosso fio de luz me aquece as costas nuas.
— Ah, não! — choramingo, irritada que finalmente tenho que acordar.
Arrastando-me até estar sentada na cama, afago a pele aquecida, sonolenta e irritada com tanta pancada de luz. Bocejo e me livro do calor do lençol para sair da cama.
Meu quarto está um forno. Preciso de um banho gelado para desfrutar dos efeitos do choque térmico. Deve ser início da tarde. 11 e quaisquer minutos, meu relógio biológico chuta. Só então percebo que dormi muito mais tempo do que imaginava que era possível. Ao tropeçar em duas embalagens vazias de sumo, solto um riso manhoso e coço meus olhos ardentes. Estou como se tivesse sido envolta por uma ressaca das boas, quando não passa de um cansaço quase injustificável.
— Bom dia! — grito através da minha porta para o corredor vazio, porque tenho certeza que minhas irmãs estão acordadas.
Meus pés arrastam-me, semi-nua, até a cozinha, de onde suaves estrondos escapam. As duas organizaram tudo o que fiquei por organizar assim que acordasse, inclusive o pequeno almoço.
— Já é boa tarde.
— Já são 12 horas? — minha voz soa rouca e interrompida.
— 13 e alguma coisa. — Yara responde da mesa.
— Jesus! — suspiro e esfrego a cara — Estava com um sono fora do normal. Dormiram bem? Que horas acordaram? — desmorono na cadeira diante da mesa e me sirvo meio copo de água gelada.
— As 10. Estavamos a tua espera para comermos. — pesca uma batata do prato, leva à boca e digita uma mensagem.
A mesa está arrumada para uma ótima refeição de início do dia, embora tenha passado do meio dia. Meu estômago berra de fome enquanto bebo a água gelada. Quando termino, passo rapidamente o olhar pela cozinha para ver se está tudo em ordem, e agradeço pela ajuda quando concluo que fizeram um ótimo trabalho. Tati se junta a nós, na mesa, no mesmo instante que bocejo, e diz:
— Vai descansar. — em sua mão, há um copo com colchão da noiva a transbordar. Passa o dedo pelas bordas e leva à boca. Analiso o movimento com sonolência, levando um pouco de tempo para responder pela lentidão do meu cérebro.
— Mais logo. Tenho que vos levar para casa. — quando noto que não visto nada para além de shorts finos, me levanto, o que faz minhas temporas bombarem e o ambiente girar um pouco — Estou com dores de cabeça. — espalmo minha testa — Vocês tomaram banho?
— Sim, já. — sem deixar de digitar, Yara responde.
— Deixem-me fazer o mesmo. Não vou demorar.
Foram precisos longos dois minutos para que eu estivesse dentro da minha banheira, com um balde cheio de água fria, diante do qual me agacho e faço uma curta contagem decrescente antes de jogar a primeira caneca de água contra meu corpo, mas travo. Seguro a caneca entre os joelhos, balançando-a com os movimentos que faço alongando os ombros rijos.
Meu corpo e mente estão um pouco mais ativos. Alguns estalos depois, afundo meus dedos na caneca e fecho os olhos. Inconscientemente, repasso os momentos de ontem. Uma sequência de momentos que me atravessa a mente de forma breve, até aquele em que me senti cercada por um forte cheiro. A dúvida me desalinhou o cenho e me fez procurar pela sua origem. Quando me virei, estava lá um homem imenso. Nem a luz branca da minha cozinha iluminou seus detalhes como eu precisei que fizesse. Era de um tamanho e masculinidade que não me lembrava de ter visto antes. Não de um jeito tão peculiar. A barba inundava quase a metade de seu rosto angular, escurecendo-o ainda mais perante minha análise, no qual procurei alguma familiaridade. Não achei no rosto. Achei em sua voz. A familiaridade foi uma apunhalada de susto, fazendo-me vibrar. Era Lionel. Lionel Ofiço. Da sua voz, pude derivar a de Lionelo—meu antigo Lionelo—, pela forma como desrespeitava o poder de um acento. Identificaria aquele "Olá" em qualquer que fosse a circunstância. Embora esteja mais grave, continua sendo o dele.
Fazia muito tempo que não o ouvia.
Meu útero é despertado por uma onda de arrepio. Os lábios, dos quais me lembro agora, são um luxo que pula através do volume de sua barba. Caio sobre meus joelhos e molho-os com a água que cai junto.
— Sinceramente...— sussurro para mim mesma e é minha deixa para devolver a cabeça ao lugar e começar a tomar meu banho.
— Teu telefone! — minha irmã grita.
— Quem é? — me endireito e, antes de começar a me lavar, encho minha escova com pasta dentífrica. Quase me esquecia de seguir minha sequência higiênica.
— Júlio!
— Vou retornar quando sair!
Mais ou menos 15 minutos depois, estou fresca e pronta para os planos que tenho para domingo. Tenho meu quarto finalmente arrumado. Visto um vestido amarelo com pequenas estampas coloridas, calço chinelos dourados de tira horizontal, meu cabelo está preso na nuca, com uma média bola crespa que forma o Totó. Passei roll-on, um pouco de perfume pelo pescoço, onde meu fino fio de ouro se encontra há mais de 8 meses.
Satisfeita, volto para a cozinha mais disposta.
— Meu telefone?
— Está aqui. — minha irmã caçula me entrega, seus dedos sujos de gordura das últimas batatas que coloca para dentro.
— Demorei?
— Um pouco. Adiantamos e comemos todas as batatas fritas, ou iam ficar frias.
— Já podemos comer.
Um silêncio confortável enche o ambiente enquanto nos servimos dos ovos, salada de alface e palitos de mandioca panada. Uma refeição típica de nós 3 e minha mãe, faz muitos anos. Já com nossos pratos e chavenas cheios, enquanto comemos, procuro preencher o silêncio.
— Luther chegou bem? — pergunto para Yara e encho a boca com dois palitos de mandioca.
— Chegou. Me mandou mensagem ainda ontem. — tomou um gole de seu chá — Lionel, como prometeu, lhe deixou em casa.
— Que bom. — coço o canto dos meus lábios — Como é que vocês estão? Dormiram bem?
— Muito bem, e você?
— Ainda não me situei. Talvez normal. — pico uma boa quantidade de salada e como, esperando instalar-se na minha boca para voltar a falar — Gostei dele.
— Eu sei. — sorri "discretamente". Está mais a vontade com o assunto, o que me faz sentir bem.
— Faz muito tempo que não lhe vejo. — comenta Tati.
— Então eu e mamã somos literalmente as únicas que não sabiam que Yara namora com ele?
— Deixa disso. — sorri
— Mamã sabe.
— Me sinto seriamente excluída. Nunca pensei. — estreito os olhos na direção dela, que ainda mantém o sorriso envergonhado-barra-chasqueante*.
— Gostou de reencontrar seus amigos? — pergunta para desviar.
— Claro. É sempre bom reencontrar amigos de infância.
— Melhor ainda quando se trata de crush's.
— Crush's? — indago com a boca cheia.
— Sim. Bem, crush. No singular. Lionel.
— Nunca te disse que ele era. — sorrio abertamente.
— Não precisou. Talvez não tenha percebido antes porque era muito nova, mas agora eu vi.
— Viu o quê? — detenho minha chávena na frente da boca enquanto aguardo por sua resposta.
— Vocês dois. — chupa as pontas de seu polegar e indicador — Luther perguntou sobre vocês.
— O que, exactamente, ele perguntou?
— Se houve ou há algo entre vocês.
— Por quê ele perguntaria isso?
— Acredito que todo mundo viu o mesmo que eu.
— Eu também vi. — Tatiana se intromete, seus olhos ainda em sua comida.
— Viu o quê? — devolvo minha chávena e cruzo os dedos sobre a mesa.
— Ah. — Yara toma minha atenção de volta — Para comprovar que houve uma coisa entre vocês, podemos começar pelo facto de não ter se oposto em nenhum momento. — sorri, triunfante.
— Quem? — franzo o cenho, confusa, mas desperto quando rola seus olhos grandes — Ahn, eu. — faço uma pausa para formular algo para dizer — A quê exactamente é suposto eu me opor?
— Não sei. — dá de ombros — Nada.
— Mh. — é o único som que emito.
Levo pelo menos um minuto para voltar a comer. Outra onda de silêncio embala o lugar, mas, agora, sinto que, através dele, minhas irmãs cobram algo de mim. Algum tipo de explicação ao que colocaram em suas mentes. Ser aberta com ela sobre minha vida nunca foi nenhum problema. Muito pelo contrário. Gosto de ter seus pontos de vista, junto com os de minha mãe—não que tenha muito o que analisar. Mas acontece que não tenho nada a dizer. Foi bom rever Lionel, porém não fui além de seu corpo quente, seu rosto esbelto e sua voz em troca de palavras curtas. Isso não é o suficiente para ter algo sólido e coerente para dizer sobre como me sinto.
— O que vocês acham? — solto antes mesmo que me aperceba.
— Eu, particularmente, acho que vocês deviam se reaproximar. — Yara espalma seu peito — Daí em diante, só vocês vão decidir como serão as coisas.
— O que terá para decidir? — quebro um palito de mandioca ao meio e atiro para dentro da boca.
É melhor que seja eu a fazer as perguntas. Talvez, com o que minha irmã diz, me situe de alguma forma.
— Não sei. — toma mais de seu chá.
— Tati? — me viro para a pequena, que agora me olha.
— Mana?
— O que você acha?
— Nada. — balança sua cabeça, o que me faz rir — Ele luta?
— Como assim? — é difícil acompanhá-la.
— Ele luta?
— Artes marciais. — reforça minha irmã.
— Quando conheci, sim. Praticava artes marciais. Agora, não sei. Porquê?
— Parece que luta.
— Não sei. — como o outro pedaço da mandioca.
— Aproveita perguntar, quando se virem de novo.
♠
Sou apaixonada pela cozinha da minha mãe. É bem antiga, modesta e com uma festa de tons de creme e castanho, exactamente onde queimei meus primeiros bolos. Meu pedaço favorita dela é o armário cheio de loiça. Há o suficiente para duas festas cheias e mais um jantar de natal. Sua madeira tem um cheiro doce, por isso encosto-me nela sempre que possível, inclusive agora.
A senhora move-se pelo lugar como se seus pés já tivessem decorado os passos a dar. Em sua mão esquerda há uma colher de pau do tamanho de seu antebraço; na outra mão, uma tigela transparente cheia de folhas verdes que pretende adicionar ao refogado.
Mesmo com o peso do sono, que volta rotundamente, me mantenho bem atenta aos seus movimentos e a nossa conversa. Há uma explosão de aromas no ar, desde o doce da madeira até o salgado do refogado, fazendo minha boca se inundar de saliva quando opino:
— Para mim, não tem o que reformar, aqui. Renovar a pintura está de bom tamanho.
— E pintar de que cor?
— Não sei. — esfrego os lábios um no outro enquanto penso em qual cor combinaria com a cozinha — Talvez um castanho bem pálido. Ou creme... Desde que combine e que seja uma cor pálida. — assisto lançar um punhado de sal na panela — Tem dinheiro suficiente?
— Tenho. — limpa a mão no avental e fica na ponta dos pés para girar a colher de pau desde o fundo da panela.
— Não precisa de ajuda? Tenho umas economias que não pretendo usar tão já. Posso repor.
— Não. Já tenho o dinheiro. — devolve a tampa da panela e vai se sentar na cadeira do outro canto da cozinha — Como foi o almoço de ontem? Correu tudo bem?
— Sim, correu. Foi muito bom. Estava lá o Júlio e o Lionel, lembra deles?
— Lembro. Seus amigos. Devem estar uns matulões.
— Sim, estão. Lionel tem esse tamanho...— estico meu corpo até bater com a mão bem perto do fim do armário ao meu lado —...e eu chego dos cotovelos dele. — deixo minha mão cair tão forte que cria um estalo quando encontra minha coxa.
— Quantos anos eles têm agora?
— Vinte e poucos. — dou de ombros.
— Já têm esposas? Filhos? O que fazem da vida? — arranca o pano que está em seu ombro e começa a sacudir para se refrescar.
— Júlio tem uma namorada chamada Lola, que também estava em casa ontem. Lionel, não sei ainda. Mas duvido que tenha.
— Por quê?
— Não sei. Não me...— minha boca logo de dilata quando bocejo, sem sequer ter previsto —...não me pareceu que está comprometido.
— Mas estão todos bem?
— Sim, estão.
— E você, minha filha, como está? — me olha serenamente, apreciando a surpresa que sua pergunta me faz.
— Eu estou bem.
— Suas irmãs me falaram sobre você e seu amigo. — passa o pano para outra mão e volta a refrescar-se.
— Não é verdade. Eu conversei com elas sobre isso. Não é nada disso que estão a pensar.
Minha mãe me estuda, mas de forma despachada. Se levanta e volta para seu lugar na frente do fogão, em silêncio. Não diz nada. Começa uma de suas cantigas da igreja e é como tivesse se desligado do assunto antes mesmo de um suposto fim.
Espero minhas palavras se dispersarem no ar e olho para os dedos que agarram meu telefone. Com movimentos lentos, ligo-o para ver as horas. O relógio marca 17 horas e 2 minutos, o que justifica a insistência do sono. Aos domingos, é meu habitual dormir muito cedo para me sentir minimamente pronta para o peso da semana laboral.
— Mamã, eu já vou. — falo para suas costas gordas e me levanto.
— Não vai esperar para jantar? Vou terminar daqui a pouco. — devolve a tampa e se vira.
— Não. Vou comer o que tenho em casa. Estou com muito sono e preciso descansar, porque amanhã vou acordar cedo.
— Está bem. Quando chegar em casa, me liga. — planta as mãos na cintura.
Enquanto me acompanha até meu carro, me conta um pouco mais sobre o que pensa em reformar na casa, com o dinheiro da venda de uma parte do seu terreno. Apresento meu ponto de vista e ela fica por pensar e debater com minhas irmãs, das quais me despeço com voz alta e faço minha manobra.
Agora, com todos os vidros abertos, faço as contas de quantos minutos me atrasarei. A fadiga não é nenhum amigo da condução, e é tendo noção disso que conduzo até minha casa nas calmas. Ao total, meia hora de atraso.
Assim que chego, tranco tudo, me dispo e vou ver algo leve para comer antes de dormir. Preparo rapidamente uma papa de farinha de milho e água. Quando fica pronta, sirvo num prato de soupa e adiciono açúcar, manteiga e leite em pó. Enquanto como, retorno as chamadas que fiquei por retornar mais cedo.
Ligo primeiro para Júlio. Pela sua voz, está tão cansado tanto quanto eu. Pergunta se ficamos bem, diz que chegaram bem e que Lola mandou-me comprimentos. Depois de uma rápida troca de agradecimentos, desligo e ligo para Vitória, com quem tenho praticamente a mesma conversa. Agradece por tê-la recebido, nos despedimos e desligamos.
Estou no meio de uma longa serpente de carros que fura o horizonte da autoestrada, em todas as suas faixas. A impaciência me faz contorcer os dedos dos pés e beber pelo menos 2 goles de água a cada 5 minutos. Faz mais de meia hora que entrei neste congestionamento, tentando me convencer que ainda posso chegar cedo, quando estou exactamente meia hora atrasada. Frustrada, bato na buzina e suspiro. Mais uma segunda-feira de atraso.Bebo mais um gole de água gelada e baixo meu vidro, através do qual uma rajada fria penetra. Sobre nossas cabeças, o céu está bem nublado. Hoje vai chover. O cheiro da chuva que vem é forte, o que, de alguma forma, me satisfaz. Gosto deste cheiro.A fila se move um metro para frente e eu sigo. Um guarda-chuva vermelho, com metade do nome do partido no poder exposto, no carro a minha frente, me chama atenção para uma coisa: esqueci o meu guarda-chuva. De onde estaciono o carro até onde trabalho é uma dis
— Nelo, voltas ainda nesta semana? — ofegante, meu irmão pergunta.— Vai depender, mas provavelmente sim. — coloco minha toalha na sacola preta e calço meus chinelos — Porquê? Está difícil a gestão por aqui? — o observo saltitar para manter o nível de adrenalina em seu corpo.— Nem por isso. Só que quando estás aqui não preciso me encarregar dos dois primeiros grupos sozinho. Ficamos por combinar os dias em que virias dar um auxílio, mas não disseste mais nada.— Esqueci. — tamborilo o dedo na têmpora — Estou dentro de uma correria que não tem me dado muito tempo livre, mas vou avaliar melhor meu programa semanal, depois digo algo antes deste sábado. — alcanço minha garrafa de água e sugo alguns goles.— Aguardo. — para de saltitar e coloca suas mãos na cintura para ajudar a controlar sua respiração — A propósito, como foi?— Como foi o quê? — confuso, pergunto ainda com a boca
— Vamos abrir uma garrafa de vinho? — Cléo sorri exageradamente e pede, assim que entro na cozinha, com uma garrafa de Cadão Douro na mão.— Vinho? — alinho minha camisete — Não. Devolve isso. Não vou te deixar beber no meio da semana.— Só uma taça, Lio. — estende a garrafa na minha direcção — pode gerir a garrafa, se quiser.Pego a garrafa e finjo ler o rótulo por um tempo, só para que ela se vire e eu tenha espaço de devolver a garrafa.— Desde quando você toma vinho?— Depende. — vira de costas e fica na ponta dos pés para alcançar duas taças no armário, então me viro, devolvo a garrafa a garrafeira da sala e volto.— Depende de quê?— De quem pergunta. — quando termina de lavar as taças, se vira e olha para minhas mãos vazias — Eu já devia saber. — suspira e deixa seus ombros caírem.— D
Eu sempre tive algo com coisas coloridas, tal como a capa deste livro que tenho em mãos. Sou tão fascinada por um bom festival de cores, que sinto uma estranha vontade de comer. O mesmo já chegou a acontecer com coisas muito fofas e com pessoas muito queridas. Minha mãe teria um depoimento de pelo menos meia hora para dar, só pelos braços trincados que teve quando eu era mais nova. Consigo me conter melhor, agora, mas os padrões coloridos da capa deste livro são realmente lindos.Distraída, raspo a unha pelo canto dobrado dela. É antigo, do mesmo tempo que o li pela terceira e última vez. Molho os lábios ao som da vibração da máquina impressora, mas desperto do meu momento com o anúncio de um colega.— Estamos de saída. — para reforçar, o grupo que se recolhe junto a ele acena.— Até segunda. Bom final de semana.— Até. Obrigada e igualmente. — coloco minhas mãos sobre
Numa tentativa falha de assobiar, minha irmã sopra o ar quando tem o vislumbre de minha aparência. Segura minha mão e me faz girar na ponta dos pés. Não acho que esteja tão bonita, mas minha irmã é assim.Tudo o que visto hoje é tirado do meu antigo guarda-roupa. Escolhi um vestido da Polo, de algodão, simples e cinzento. Tem três botões que rasgam ao meio a gola "V". São pretos, cor que carregam também todas as bainhas. As mangas são curtas e ele escorre pelo meu corpo até um pouco acima dos joelhos. O facto deste vestido estar um pouco mais apertado do que costumava estar me faz ter certeza que aumentei uns quilos, embora isso não comprometa nem um pouco minha imagem. Meu cabelo cumprido está preso num coque alto, firme e crespo. Como acessórios, dois pequenos brincos minúsculos em cada orelha, meu costumeiro laço e antiga pulseira felpuda, tudo rosa. Calço sapatos pretos a condizer. Para finalizar, caprichei no cheiro e marquei os
Nem as grossas paredes do clube conseguem conter o barulho alto da música. Através dos vidros é possível ver que está quase lotado e que o ânimo grita nas pessoas presentes, com a mesma intensidade do som. Embora não me sinta humorado o suficiente para ambientes do gênero, a baixinha do outro lado do carro consegue me contagiar.— Jesus, Lionel! — estica seus lábios num sorriso entusiasmado — Aqui tem Karaoke! — seus olhos brilham tanto que posso jurar que quase chora de tanta alegria.Está um pouco gelado aqui fora, então um casaco jeans justo cobre a parte de cima de seu corpo. Dá quatro passos lentos para frente enquanto espera que eu tranque as portas do carro e me junte a ela. Parece uma criança encantada com a existência de seu mundo de fantasias, e gosto do facto de não se esforçar para esconder o quão pequena se sente diante de uma chance de cantar, não importa em quais circunstâncias está prestes a
— Lio! — desperto com o som distante da voz e batidas insistentes de Cléo.Minha mente vai despertando gradualmente até que meus olhos comecem a se abrir. Olho na direção da janela aberta e vejo que a temperatura do lado de fora é ameaçadora. O quarto está com um frio natural que me envolve assim que me arrasto para sentar na borda da cama.Estou no meu estar atônito matinal quando, finalmente, decido responder as suas batidas.— Já acordei. Saio daqui a pouco. — minha voz arrastada cessa as batidas, então ela abre a porta, espreita através do batente e avisa:— São quase 6 horas. Vamos chegar atrasados.O relógio que tenho no pulso desde ontem confirma suas palavras. São 5 horas e 38 minutos. Não respondo nada. Cléo volta a fechar a porta quando me levanto, penduro minha toalha sobre o ombro, levo meu telefone e saio do quarto um pouco apressado.
Mergulho os dedos no pote de água e o sacudo por cima do tecido da minha camisa. O tecido azul ganha pequenas manchas mais escuras, das quais um vapor sensual sai quando passo o ferro de engomar. O barulho da porta puxa meus olhos, então ela revela minha irmã, Yara, que pergunta:— Como foi ontem? — se j**a na cama e me olha fixamente.— Muito bom. Fazia muito tempo que não tinha saídas do tipo. — coço a garganta irritada com duas compressões.Levanto a camisa e ergo sob a luz para achar alguma linha torta por tornar inexistente.— Corrigindo: fazia muito tempo que não saía. — gira em seus dedos uma das pulseiras que escapou de meu pulso.— Sim, é verdade. De qualquer forma, foi diferente. — aprumo os lábios e espalho mais gotas de água pela gola da minha camisa.— E essa voz?— Karaoke. — coloco o ferro de engoma