— Pronta? — sua voz terna veio até mim, quando nem conseguia sossegar minhas mãos.
— Não! — olhei para o homem encostado no canto à alguns passos da maca — Aproxima. — quase choraminguei para ele.
— Vou trazer algo para ele se sentar. — disse antes de arrastar a cortina e passar para o outro lado da sala.
Eu observava tudo com os olhos arregalados. Meu peito parecia uma caixa de som super alto. Podia sentir as fortes batidas influenciarem no meu paladar, deixando-o mais azedo de tão nervosa que estava. Apertei os olhos e aprumei os lábios, quando, poucos segundos depois, a mulher vestida de branco e verde se aproximou com uma poltrona branca carregada por suas mãos e disse:
— É só colocar perto da maca, desde que seja do lado oposto aos aparelhos que vou usar. — instruiu enquanto passava a poltrona para Lio, que a colocou bem perto da cama, de lado para mim e de um ângulo perfeito para a tela escura.
Olhei e me mantive em silêncio, porém, para meu espan
— Judy! — gritei para que ela parasse, mas parecia possuída por algum demônio surdo.Em plena madrigada de quinta, ambos nús em lençóis frescos, depois de uma variação tão rápida de seu humor que mal consegui acompanhar, me vi deitado sob uma mulher super irritada com algo que, sinceramente, me tinha escapado da percepção. Suas mãos pareciam máquinas de porrada. Cruzei os antebraços para impedí-la de bater em meu rosto, mas era quase inutil.— Ei! — gritei mais do que devia e agarrei nos seus braços.Com o susto, parou e ofegou exaustivamente. Pude ler minha morte em seus olhos enfurecidos, para os quais decidi que olharia até sentir segurança para soltar seus braços.— Me deixa! — tentou arrancar seus braços do meu aperto, mas não conseguiu.— Está maluca?— Agora eu estou maluca, Lio? — tentou novamente, fracassando — Eu te pergunto algo e você me diz esquece isso? —
15 de SetembroTrês meses. Naquele dia, fazia 3 meses desde que eu tinha começado a trabalhar como diretor adjunto da área de segurança numa empresa multinacional. Por sugestão do meu antigo chefe, acabei recebendo uma chamada no meio de uma tarde, através da qual fui convidado a comparecer ao estabelecimento assim que possível para uma entrevista. Era uma oportunidade que não pensei que teria tão cedo e nem daquela forma, mas veio até mim como superação dos desejos que sussurrei nos meus momentos privados. O salário chegava quase a dobrar o que eu ganhava e, depois de um rápido acerto de contas, percebi que era a oportunidade perfeita.Os meses passaram em rotinas cada vez mais fáceis de acompanhar. Os sintomas da gravidez de Judite me deixavam acostumado, porém, cada dia mais ansioso com o nascimento previsto para finais de Setembro. Com uma parte de nossos salários e o dinheiro da escola, deu para arrumar um quarto para os dois, devidamente
No meio do meu desespero, tentei me acalmar seguindo um raio laranja carregado que batia na parede oposta a mim, mas não resultou. A sala estava com quase uma dúzia de pessoas vestidas de um verde irritante e enjoativo. Quando não gritava, grunhia com uma raiva destilada da dor do tamanho do mundo que só crescia com o passar dos segundos. Transpirada, tensa, com o estômago congelado e dor das contrações.— Lionel! — grunhi baixinho, pois queria que ele estivesse ali, mas não estava.— Estão os dois de cabeça para baixo? — a mulher entre minhas pernas se virou para trás.— Sim. Prontos para o parto normal, como ela quis que fosse. — minha ginecologista assentiu e sorriu, visivelmente nervosa e confusa com minha decisão absurda.Olhei para todos com ódio antes de me deitar e preparar para gerir a agressividade de tudo que sentia. A dor ficava cada vez mais insuportável, tanto que respirar pelo nariz me parecia e
O topo da minha boca estava seco, então passei lentamente a língua amarga enquanto girava meus olhos nas órbitas. Estava com tonturas e o estômago vazio, por isso preferi me manter de olhos fechados, mesmo que tivesse acordado havia bons minutos.O lugar estava frio, razão pela qual me cobri até o pescoço e suspirei pesado. Ainda não tinha recuperado completamente a consciência nem as forças, mas assim que o fiz, abri os olhos como num despertar e sussurrei duas palavras para o quarto vazio:— Meus bebés. — minha fala desapareceu à um palmo da minha boca.Meu olhar se marejou quando não me lembrei se tinha conseguido levar o segundo ao mundo. Com o peito apertado, comecei a chorar baixo e a tentar me recompôr. O ruído da porta sendo aberta teve minha atenção. Era minha mãe e trazia duas sacolas consigo.— Olá! — seu sorriso me trouxe o aconchego de casa.— Mamã. — suspirei e sequei os olhos — Como é que ele
— Cuidado...— baixei mais um pouco o ombro para que ela se apoiasse — Isso!— Jesus, estou cheia de sono. — sua voz estava manhosa e rouca pelo cansaço.Em silêncio, nos dirigimos para o quarto dos gêmeos para colocá-los em seus berços, pois já dormiam. Fazia uns quatro dias que não entrava ali, desde que fomos analisar o último trabalho feito pelo carpinteiro. Mas, céus, entrar naquele lugar com os dois pequenos em meus braços era uma sensação diferente. Não tinha conseguido pregar o olho na noite passada, porque as coisas tinham acontecido de forma difícil de acompanhar, principalmente para um homem que não tinha ido muito além de aprender apenas a lidar com os últimos sintomas da mulher ao seu lado.— Espera! — exclamou, me fazendo parar onde estava, e seguiu lentamente até a janela de alumínio na parede de frente.— Ainda está com muita dor? — balancei os braços num ato automático, mesmo que eles estivesse
Meses depois, a situação de Judite parecia estar cada vez melhor. Durante aquele período, a variação de seu estado era intensa, principalmente nos dias em que ninguém conseguia tirá-la de perto dos gêmeos. Tudo o que ela fazia era fazer higienes básicas, garantir que eu teria roupa preparada para o dia seguinte, algo para comer e um ligar limpo para estar. Depois disso, se trancava no quarto deles e só saía para cumprir com seus deveres de mulher perante mim e para dormir. Precisei acompanhar suas consultar e ouvir algumas recomendações da sua psicóloga, para que eu a ajudasse em casa. Para além destas, também improvisava, presenteando-a com coisas diferentes em todas semanas. As poucas pessoas que sabiam do seu estado ajudavam como podiam, inclusive minha mãe, que se tornara num dos seus poucos pontos de confiança, visto que passavam mais tempo juntas.A melhoria era notável, mas, mesmo assim, eu não queria de jeito nenhum cair na descontração e correr
— Hónan! — gritei quando tentava alcançá-lo, mas suas pernas curtas pareciam levá-lo mais rápido do meu alcance — Hei!Enquanto isso, sua irmã nos seguia pela casa e gritava como se apoiasse seu irmão na corrida. Eles iam me deixar doida, porém saudável, de tanto que me faziam correr. O remote da TV estava em sua mão, assim como meu telefone. Irritada, parei, plantei as mãos na cintura e vi os gêmeos se juntarem na minha frente para rirem da minha cara. Ofeguei pelo tempo que achei suficiente até conseguir abrir a boca e falar lentamente para que os dois ouvissem:— Não querem assistir ao papá? — me inclinei, e forcei um sorriso enquanto batia palmas. Os dois marcharam no mesmo lugar e me imitaram como se se divertissem — Então, dá isso para a mamã, Hónan! — quando tentei me aproximar, o menino correu para a sala pela outra entrada.Bati em minha testa com tanta força que ficou um formigueiro persistente nela. Pérola, por sua
Judite arrastou os óculos escuros para cima, colocou Hónan no chão, se agachou atrás dele e olhou para a lápide em silêncio. A única coisa que tinha mudado era a vela, que substituímos por uma maior, mas dá mesma cor. Traduzi seu silêncio em concentração, como se ela tivesse a mesma conversa curta que tinha sempre que se agachava diante do túmulo de Beatriz, então não interrompi até que ela terminasse e se pronunciasse.Também me agachei e deixei Pérola no chão, que se inclinou para se aproximar um pouco mais do laço rosa que chamara sua atenção. Era igual ao seu e se diferia do de seu irmão somente pela cor. Os únicos que emitiam sons eram os gêmeos, para além de alguns passarinhos. Os raios do início da manhã davam-nos banhos quentes, mas não o suficiente para nos salvarem do frio escondido em rajadas fracas. Judite deitou sua cabeça em meu ombro e continuou em silêncio, sem tirar seus olhos indecifráveis da lápide marcada de preto.— Filh