O cheiro forte de sangue me deixou paralisado por um longo momento. O líquido vermelho e viçoso escorreu por uma faca de cabo de madeira trabalhada. E no mesmo podia ser lido os seguintes dizeres sobre madeira:
"A sabedoria não está na arma que carrega, e sim na cabeça do manuseador".
As pequenas letras não interessavam naquele momento, o que realmente importava era: como eu tive a coragem de fazer o que fiz?
— Júlio... — chamou uma voz feminina ao longe. — Júlio, o que você fez?Nem eu sabia como havia feito, simplesmente fizera.— E... eu... eu...A voz não saía, era como se estivesse paralisado com toda a maldita cena ao meu redor. Estava paralisado anestesiado num misto de sensações indescritíveis.— O que você fez? O que fez?A pergunta repetitiva da garota estava me deixando ainda mais assustado.— Como você foi capaz? — A voz dela estava trêmula e quase rouca. Devia ser o choro acompanhado da emoção que o cenário lhe causara.— Porque fez isso Júlio? Por que fez isso?A cada vez que ela me fazia aquela pergunta, era como se me enfiasse uma estaca, que penetrava cada vez mais fundo meu cérebro me deixando ainda mais nervoso e sem ação.— Eu não sei... Eu não sei... — disse, tentado explicar de alguma forma o acontecido.De joelhos sobre o chão, pude notar o que realmente havia feito. O corpo de uma senhora de identidade desconhecida para mim, estava estirada ao frio chão. Seu rosto desfigurado me deixou com uma estranha sensação de nojo e desespero. Havia marcas de sangue espalhadas por todo o local. Minhas vestes estavam sujas.Cada canto do meu corpo estava com sangue, impregnando pele, cabelo e vestes.O chão branco em contraste com o vermelho do sangue não era a única coisa que se destacava na pequena cozinha de minha casa, a jovem fazia todo o diferencial para a cena grotesca. Seu olhar não mudava, ia de mim para o cadáver, do cadáver para mim como se um nervosismo a fizesse imitar os movimentos sem ao menos ter percebido. Ela estava nervosa e aquele corpo só a estava deixando ainda mais alucinada.— Júlio o que houve? — Perguntou mais uma vez só com lágrimas escorrendo pelos olhos castanhos.Não conseguia responder. Não só a fala, mas também meu corpo estava paralisado. Não conseguia me comunicar. Foi quando a jovem garota se aproximou de mim, colocou as mãos sobre o meu rosto em sinal de prece, e disse olhando diretamente em meus olhos:— Júlio, o que aconteceu aqui? — sua voz mudou completamente. O nervosismo tinha dando lugar a um tom doce e calmo, como se soubesse do que precisava. Seu doce tom de voz não pertencia à cena monstruosa. Seus olhos, porém, continuavam a escorrer lágrimas.Ela sofria mais do que a mim.— Confie em mim... Conte-me o que houve...As imagens começaram a se formar em minha mente, levando-me diretamente ao ponto onde tudo se iniciou.Júlio — Acontecimentos estranhos —A noite estava fria, mas, mesmo assim, podia ser sentido o calor do dia que terminou. A cidade em que morava ficava ao lado da praia. O vento quente era sempre mandado de volta para ela, fazendo o fim de tarde ficar com uma sensação térmica diferente a cada instante. O céu estrelado dava todo o diferencial, pois, além de ser considerado um dos pontos turísticos mais procurados por astrônomos, a cidade também era rica em minerais, fazendo-a ser uma das mais bem desenvolvidas do país. Estava em minha cama já que meu trabalho tinha me esgotado por completo. Eu sabia que precisava descansar, pois no dia seguinte tudo se repetiria, mas o Facebook e WhatsApp me tiravam a atenção, não era a toa que todas as noites eu dormia sem ao menos ver a hora. "Você não imagina o que acabou de acontecer..." A mensagem de minha irmã estava aparecendo no visor de meu celular.
Faca e sangue sobre as mãos. Coração palpitando, olhos vermelhos de tanto chorar. A garota olhava para mim com cara de espanto. Os olhos castanhos claros, mais vermelhos que os meus, olhavam o cadáver da senhora caída sobre o chão. Não sabia no que ela estava pensando sobre mim. Poderia estar me achando um louco, ou até mesmo fora de mim. — Júlio… porque você fez isso? — A voz estava nitidamente trêmula. — Eu já te falei. Jéssica, eu já contei tudo… Sim, a garota que presenciou a cena se tratava de minha irmã. A vergonha que sentia dela era o que estava me matando, vergonha pelo que fiz. — Tem algo acontecendo… — disse, olhando em seu rosto. — Eu sei, mas isso o que fez é demais. — disse, olhando sério para mim. O choro continuava, as lágrimas quentes escorriam pelo meu rosto, limpando delicadamente o sangue seco que estava impregnado em minha pele. — Como iremos explicar isto à polícia? Não estava acreditando que havia
Paloma — O Pedido de Rose —“Doutora Paloma, comparecer à ala de espera. Doutora Paloma, comparecer à ala de espera.”A mensagem repetitiva atingiu os meus ouvidos de uma forma inesperada. Não era sempre que me chamavam. O hospital estava lotado, nunca havia visto tantas e tantas pessoas se aglomerando para serem atendidas. Não sabia o motivo da balbúrdia. Julguei que um surto se espalhou pelos arredores da cidade ou deveria ter sido um grave engarrafamento. A última vez em que uma situação destas aconteceu foi há dois anos, quando o surto da gripe suína matou milhares de pessoas em todo o mundo. Centenas de pessoas formaram filas do lado de fora alegando estarem com o vírus. No fim apenas 50 das centenas tinham a doença e menos de 20 foram caso de óbito. As pess
Jéssica — Quando chegamos ao hospital — O grande hospital parecia um monumento histórico. Sua grandiosidade encantava quem o olhava. Eram 13 andares de pura seriedade. As luzes davam forma ao local, que se mostrava retangular com janelas dos pés à cabeça, juntamente com paredes brancas. Em sua entrada, podia ser facilmente visto o imenso letreiro que estampava a frente do grandioso hospital. “San Miguel”. E, embaixo, uma grande cruz vermelha, simbolizando a marca mundial da saúde. — Vamos estacionar... — disse Larissa olhando para mim parecendo ansiosa. Deixamos o carro estacionado de qualquer forma na entrada do hospital que parecia silencioso e medonho. O vento frio soprava fazendo com que o vidro escuro do “Uno” ficasse cada vez mais embasado. Saímos do carro, deixando Júlio sobre os bancos. — Não é melhor um de nós ficarmos? — Perguntei olhando para a face pálida de m
Rose — Caída, mas não derrotada! — Assim que Paloma subiu com as crianças as coisas ficaram muito mais complicada. Todas as centenas de pessoas começaram a se descontrolar como em uma manifestação demoníaca. Os guardas que tentavam acalmar a multidão enfurecida por falta de atendimento simplesmente foram engolidos e desarmados com socos e pontapés. A gritaria parecia não ter fim. Muitas mulheres gritavam como se estivesse loucas e homens davam socos no vidro de proteção da bancada. Eles queriam ferir os médicos, podíamos ver isso em seus olhares. Era um exército de pessoas insatisfeitas e malucas que se aproximavam cada vez mais da insanidade. Se alguém não fizesse algo para controlar tudo aquilo seria com certeza o meu fim. A maioria dos enfermeiros estavam parados sem esbanjar reação alguma. Estavam paralisados com a onde de violência. Foi em um momento qualquer que um homem surgiu apontado um revól
Paloma — Amigos! — — Você só pode está brincando comigo. — Falei, deixando a boca aberta. — Não... Isso não pode estar acontecendo... Estava assustada, indignada e perplexa com a historia que Rose me contara. Não podia ser verdade. Olhei para Rose, ainda com a boca aberta, e disse, encarando seus olhos verdes: — Você sabe que não podemos ficar aqui. Ela olhou paras as sete crianças que estavam na mesma posição há minutos e falou, num sussurrando para que elas não ouvissem: — Sei... Mas... É perigoso sair com elas pelo hospital... — Ela parou, olhou com os olhos marejados de lágrimas para as crianças e logo continuou. — Temos que esperar ajuda, ou, melhor, chamar ajuda... Aquelas crianças já haviam sofrido demais. Não podíamos sofrer o risco de serem atacadas por uma das coisas que Rose mencionou. — Escutei uma garota, há poucos minutos, pedindo ajuda na recepção. Ela parec
Rose — Graças a Deus... A voz chata de uma menina soou pelo autofalante. Seu nome era Lara, e estava junto a Jéssica, a menina que pediu por ajuda. Ela parecia um pouco abalada e ofegante, mas tentava esbanjar autoridade. Num tom um tanto grosso, ela perguntou quem era que estava falando. — Me chamo Rose, estou aqui com uma amiga e sete crianças. Estamos precisando de ajuda. Olhei para Paloma, que parecia paralisada com todo o ocorrido. — Por Favor, venha nos ajudar. Podemos fazer algo pelo seu irmão ou amigo. Só venha nos ajudar. A garota parecia confusa. Foi quando outra voz foi ouvida ao fundo. “Quem é?” — É uma garota chamada Rose. Ela quer nossa ajuda. — respondeu Lara. As vozes chiavam em meu ouvido. Estava esperando por um milagre, e esperava que elas se sentissem tocadas e viessem nos ajudar. — Onde ela está? — Perguntou novamente a voz ao fundo. “Você está louca?” Uma nova voz b
Lara — Acho que o fim está próximo — Sempre me perguntei como seria estar presa em uma história de terror. Mas, quando descobri, não via a hora de pôr um fim em tudo. Estava dentro de um pesadelo. O criador do roteiro em que estava participando devia ser um filho da puta. Com um mau gosto horrível. Como poderia nos deixar presos em um hospital rodeado de mortos? Se ele soubesse os arrepios que sentia a cada passo que dava e o cheiro de podre no ar, quem sabe, ele mudaria o rumo da história? Bom ou mau, o fim estava próximo. Era o que todos nós esperávamos. Procurávamos por armas, pois tentaríamos salvar a tal de Rose. Larissa, Jéssica e Felipe procuravam armas pelo local, mas tudo o que encontraram foram vassouras, baldes, seringas e aparatos cirúrgicos. Como havia dito há um tempo: armas em um hospital são escassas. Eu, por exemplo, continuava com as duas Barbies que encontrei por acaso esquecidas po