3. Sangrando

Paloma

— O Pedido de Rose —

“Doutora Paloma, comparecer à ala de espera. Doutora Paloma, comparecer à ala de espera.”

A mensagem repetitiva atingiu os meus ouvidos de uma forma inesperada. Não era sempre que me chamavam. O hospital estava lotado, nunca havia visto tantas e tantas pessoas se aglomerando para serem atendidas. Não sabia o motivo da balbúrdia. Julguei que um surto se espalhou pelos arredores da cidade ou deveria ter sido um grave engarrafamento. A última vez em que uma situação destas aconteceu foi há dois anos, quando o surto da gripe suína matou milhares de pessoas em todo o mundo. Centenas de pessoas formaram filas do lado de fora alegando estarem com o vírus. No fim apenas 50 das centenas tinham a doença e menos de 20 foram caso de óbito.

As pessoas tem mania de achar que estão doentes, mas o que elas realmente querem é um pouco de atenção e conforto já que os familiares não se importam com eles.

“Doutora Paloma, comparecer á ala de espera. ”

— Já estou indo. — Sussurrei saindo de minha sala e dirigindo-se ao longo corredor de paredes incrivelmente brancas. Segui meu caminho até o elevador e esperei até que ele resolvesse se abrir. Com um barulho metálico a porta se abriu e entrei com cara de poucos amigos. Haviam três médicos e dois enfermeiros que iriam para andares diferentes. Um deles era Felipe. Ele era residente de cirurgia já fazia cinco anos. Ele era bonito e simpático. Ele parecia aqueles modelos de capas de revista, não tinha um corpo escultural como aqueles monstros que pareciam ter saído de laboratório ele era magrinho.

Dei boa noite a todas e fiquei no meu canto esperando o elevador descer até meu andar.

— Está uma loucura hoje. — disse Felipe puxando assunto.

Olhei para ele que estava do meu lado e sorri.

— Imagino! O que será que aconteceu para toda essa loucura? — Perguntei enquanto via os andares passar um por um a minha visão.

— Dizem que um vírus novo acabou chegado até aqui. Não tenho muita informação, mas parece que é mortal.

Ele parecia cansado. Residentes trabalhavam o dobro que um médico normal me lembro quando era uma e tinha que ficar três dias acordado de plantão. Dormi era uma dádiva que não tinha. E via isso nele ele era dedicado. Todos os outros cirurgiões aclamavam sua capacidade e seu dom. Ele era bem falado em todas as áreas.

— Deve ser apenas uma nova gripe. Lembra da gripe suína? Foi um caos e tudo não passou disso.

— Não, pelo que fiquei sabendo muitas pessoas já faleceram em suas próprias casas. Está uma loucura na cidade toda. — Informou a enfermeira que parecia atenta a conversa.

Olhei para Felipe e para a enfermeira com um olhar preocupado. Se realmente tudo o que disseram estava mesmo acontecendo isso explicaria o caos no hospital.

Felipe se despediu ao chegar em seu andar fazendo com que apenas eu ficasse no elevador. Estava nervosa, mas não queria transparecer o que sentia. Precisava ser profissional. 

Chegando ao meu destino, consegui ver o motivo do meu chamado. Varias pessoas estavam se aglomerando em uma fila que parecia não ter fim. Era possível se ouvir de tudo, desde palavrões a insultos contra os pobres trabalhadores do hospital a até mesmo brigas entre os próprios pacientes. As cadeiras de espera estavam lotadas, alguns parecia inconscientes esperando atendimento. Os dois seguranças tentava acalmar a população enquanto as enfermeiras faziam o possível. Estava um verdadeiro inferno. De relance olhei para a teve que ainda estava ligada e passava cenas horríveis de gente se matando de formas inimagináveis. Aquilo não era normal. Não era apenas alarme falso tudo o que estavam dizendo era verdade. E não tínhamos capacidade para atender todas aquelas pessoas.

Sem saber o que fazer fui em direção a uma  enfermeira de cabelos louros. Ela parecia nervosa e atendia os dois telefones que estavam sobre o balcão meia lua.

— Paloma, graças a Deus, você apareceu. — disse a mesma olhando para os meus olhos.

— Rose, o que está havendo? Parece que uma guerra Mundial está acontecendo. — disse, olhando para o caos a minha frente. Era tanta gritaria que ficava difícil assimilar ou entender algo.

— É pior que isso.

Sua fala mudara, sua testa havia franzido. E pelo tempo que a conhecia, isso não era nada bom.

— Houve um atentado...

— Mas como assim, Rose? — Minha fala ficou trêmula.

— Não se sabe. Parece que a Coreia do Norte atacou vários países com uma espécie de gás. Incluindo o Brasil.

— As pessoas viram as notícias e correram para cá. Disseram que uma bomba caiu na área rural da cidade e um gás foi espalhado em todas as direções, muita gente morreu.

— Por isso este caos? — Perguntei.

— Sim... Me pediram para ficar até toda a situação for resolvida. — Explicou ela. — Estamos precisando de toda ajuda possível. Ou essa multidão acabará com a gente.

— Está bem... Eu ajudo... Só me diz o que fazer.

Rose me encarou com seus olhos verdes, parecendo descontente com o que pediria. Eu a conhecia a muito, mas muito tempo e sabia que aquele olhar era uma bomba.

— Eu sei que você odeia crianças, mas realmente precisamos de mãos extras aqui então todos os enfermeiros foram designados a ajudar nesta ala. Então muitas crianças da ala pediátrica precisam de ajuda. Elas perderam seus pais e estão apavoradas e precisando de auxílio e carinho.

— Crianças, Rose? — Perguntei, sussurrando para ela. — Não sei lidar com crianças...

Ela me olhou com desaprovação. Não tinha a mínima noção de como trabalhar com crianças, mas tinha que fazer, aliás qualquer ajuda seria possível. — Está bem eu vou levá-las para minha sala.

— Obrigada! Pense que é por uma boa causa.

— Sem problema eu sei lidar com crianças. — Menti olhando em seus olhos. Rose apenas riu debochando de minha situação.

— Quando sairmos daqui vou te levar para comer o que quiser. — Sorriu enquanto me afastava de todo o caos.

— QUANDO EU SAIR DAQUI EU QUERO É MINHA CAMA. — Gritei em resposta.

Entrei no elevador e fui até a ala pediátrica que ficava no terceiro andar. Lá fui recebida pelo choro das crianças até uma sala incrivelmente colorida e desenhada. Os brinquedos estavam revirado e apenas sete crianças estavam ali parada me encarando quando cheguei muito perto.

— Boa noite pequenos eu sou a Doutora Paloma e vamos nos divertir muito lá na minha sala. Quem quer ir de elevador comigo?

Seus olhinhos marejados de lágrimas me encararam tristonhos e sem interesse.

— Ok. Quem quiser pode ficar com quantos brinquedos quiserem, mas precisamos ir até minha sala está bem.

Elas pareceram entender a situação e cada uma segurou um brinquedo nas mãos e sem demora me seguiram até o elevador.

Jéssica

— A chegada de Larissa —

— Merda, merda, merda... Onde está a porcaria dos documentos de meu irmão?

Tinha procurado em cada canto da casa, e nada de documentos.

— Onde será que ele enfiou estes papéis?

Estava tão apavorada que nem lembrei que o Júlio sempre anda com seu documentos dentro de uma carteira. Ela deveria estar no bolso da calça dele. Voltei ao corpo de meu irmão, que permanecia imóvel. Revirei os bolsos da frente, e nada. Fui encontrá-las no bolso esquerdo de trás. Com tremedeira a revirei procurando a identidade e o "CPF", por sorte estava tudo lá dentro. Só precisava arranjar uma forma de colocá-lo dentro do carro. Seria uma tarefa difícil já que ele era muito mais pesado que eu. Na realidade ele era o dobro de mim.

— Merda!

Peguei um de seus braços tentando evitar tocar nas costela, mas era impossível. Estava apavorada com medo de mexer o corpo e agravar mais a situação, mas precisava movê-lo precisava levá-lo ao hospital o mais rápido possível. Estava em um impasse se o carregava ou o arrastava até pelo menos a porta. Enquanto pensava pude ouvir um barulho de motor de carro parecer estacionar a frete de casa. Fazia tempo que não escutava nada vindo do lado de fora. Com toda a certeza era Larissa e sua irmã.

— Larissa. — disse, satisfeita olhando ao céu e agradecendo por não ter que fazer tudo sozinha.

Fui até a porta da cozinha e saí para recebê-las em meio a escuridão que era desfeita pelos fortes faróis.

Lá estava!

O Pálio preto rebaixado roncava sob a penumbra da noite. As luzes do farol feriram meus olhos, fazendo-me levar automaticamente a mão sobre eles, tentando de alguma forma protegê-los.

— Larissa? — Chamei.

Em segundos, ela me respondeu.

— Jéssica, é você? — Como se ela não reconhecesse minha voz.

— Claro. Vamos, entre, preciso da sua ajuda.

— Está bem. — Os faróis se desligaram, e novamente a escuridão tomou conta do local. Pude ouvir as portas serem abertas, e, logo em seguida, duas sombras emergirem em meio à escuridão. Ela tinha trazido sua irmã mais nova o que era ótimo pois poderíamos dividir o peso de meu irmão para cada uma.

— Cara, o que está havendo nesta cidade? — Perguntou Lara, amarrando o cadarço do velho sapato preto.

— Nem imagino. — Respondi.

— Cadê o Júlio?

Toda a vez que encontrava com a Larissa, ela sempre me fazia a mesma pergunta.

Parecia uma fala automática.

— Não está nada bem. — Respondi, tentando ver seu rosto.

— O que houve? — A preocupação dela estava à mostra.

O mais rápido que puder contribuir toda a história para ela. A reação dela não foi uma das mais agradáveis.

— O QUÊ? ELE MATOU A VELHOTA!

— Sim.

— MAS POR QUE ELE FEZ ISSO?

As perguntas não paravam de ser lançadas a mim. Não tinha resposta para tudo. O que sabia, já havia contado.

— Meu Deus...

Lara, que, no momento, estava inerte apenas escutando calada nossa conversa, manifestou-se.

— Não é coincidência...

— O quê? — Perguntei.

— O que não é coincidência?

Ela ficou quieta por um segundo, e, logo em seguida,  respondeu:

— Minha vizinha ficou louca, ela devorou a gata dela, viva isso deve estar ligado eu sei lá...

Ao imaginar a cena, uma sensação de nojo me invadiu.

— Como assim? — Perguntou Larissa parecendo enojada com a poça de sangue sobre o chão. Ela arregalou os olhinhos sobre o óculos quando viu o corpo coberto com o tecido. — Merda... Aí meu Deus...

Jéssica q encarou tentando com o olhar acalmar Larissa.

— Relaxa ela não é mais nosso problema temos coisas mais graves com que nos preocupar. Temos que levar meu irmão ao hospital urgente ele está lá perto da escada desacordado e preciso de você calma para levá-lo ao médico. Entendeu?

Ela me encarou engolindo em seco e me seguiu pasma até o corpo de meu irmão.

— Ele está bem? — Perguntou Lara se aproximando e pegando em sua mão.

— Ele quebrou as costelas. Eu fiz o que pude para higienizar o local, mas não deve ser o suficiente. Temos que levá-lo agora.

— Aí meu Deus meu amigo...

Larissa deu um suspiro auto parecendo absorver tudo o que tinha acabado de ver e quando percebeu que estava “bem” disse num tom sério e nervoso:

— Está bem, vamos levá-lo ao carro. Eu e você. — apontou para mim. — Vamos pegar pelos braços dele.

Assim então botamos a mão massa Lara ajudou como podia. Pegamos ele sentido o seu peso e o levamos até o carro de Larissa.

— Nossa, como ele pesa. — disse Lara.

O corpo mole de Júlio me deixou arrepiada, parecia estar sem vida. Contudo, respirava, e isso era um bom sinal.

— VÊ SE NÃO RECLAMA! — Falou Larissa, tentando colocar autoridade na irmã.

Quando finalmente conseguimos colocar o corpo sem reação dentro do carro, rapidamente nos lançamos a estradas escuras. Larissa foi dirigindo, Lara foi ao seu lado no banco da frente. E junto a mim meu irmão estava deitado sobre minhas pernas. Estava fazendo carinho em sua cabeça tentado conforta-lo de alguma forma.

Paloma

— O incidente com as crianças —

A ida até o consultório foi tranquila e silenciosa. Estava de mão dada a uma pequena garotinha que tinha ao braços um ursinho de pelúcia. Todos estavam calmos e com o choro controlado. Eles deveriam ter quase a mesma idade entres três a quatro anos. Estavam sujos e com o olhar totalmente chorosos. Não sabia pelo que tinham passado, muito menos o de seus pais estavam, só sabia que tinha o dever de cuidar delas até tudo passar e voltar ao normal. Era só mantê-las calmas em minha sala até alguém dizer que está tudo bem.

“Doutora Paloma Eustanislau. Sala 225”. Os dizeres marcados em uma placa de ferro era  o maior orgulho. Foram oito longos anos de estudo, batalhas, e, finalmente, a conquista. Era uma das melhores terapeutas da região fazia de tudo para meus pacientes ficarem aptos novamente e terem uma vida feliz. Entramos em meu consultório. Soltei da mão da garotinha e disse num tom carinhoso e alegre:

— Crianças, este é o meu consultório...

Todas ficaram olhando para o chão como se não estivesse ali. Era como se tivessem acabado de sofrer um terrível trauma psicológico. Não se alegravam para nada.

“O que será que aconteceu com elas?”. A pergunta veio em meu pensamento.

— Sabe eu uso aquelas bolas gigantes em meus pacientes, mas adivinhem  vocês podem  brincar com ela. — Minha inútil tentativa de animá-los, fora por água a baixo. Mesmo não gostando de crianças, não me sentia bem em vê-las daquela forma. Elas simplesmente se sentaram uma atrás da outra e ficaram brincando sem graça com os brinquedos que tinham em mãos.

Meu consultório era enorme, havia espaço de sobra para caber umas trintas pessoas. Os vários equipamentos que usava em minhas consultas se espalhavam por todos os cantos. O piso branco irradiava o lugar. Não era de me gabar mas minha sala era a mais organizada e limpa. Sempre gostei de limpeza e tudo em seu devido lugar. Eu mesmo a limpava todas as manhãs que chegava. Eu cuidava daquele lugar como minha própria casa, aliás eu passava mais tempo ali do que em casa. Só voltava apenas para dormir e olhe lá.

Sentei-me em uma cadeira giratória e me apoiei na mesa. Nela, havia um telefone branco, um notebook cinza com um modem fixado em uma das USB, canetas, blocos de papel e vários outros materiais.

As crianças se sentaram sobre um tapete colorido e lá ficaram. Tentei me lembrar se tinha ouvido algo sobre esse tal atentado da Coreia do norte, mas nada veio em mente. Tinha saído tão rápida do de casa que nem lembro de nada que aconteceu às horas passadas. Tentando quebrar o silêncio resolvi puxar assunto com as crianças. Eu sabia que se toca se no ponto certo elas começaria a falar sem parar. Precisava saber o que tinha acontecido com elas. Tinha que manter um diálogo isso poderia ajudá-las.

— Vocês não querem contar nada para mim? — Perguntei.

Nada.

— Vamos, gente, me contem o que houve com vocês? — Novamente ninguém disse uma única palavra se quer. — Está bem, então.— Eu realmente não tinha a menor noção de como lidar com crianças. Sempre fui filha única e nunca convivi com outras crianças, pois cresci estudando em casa. Minha mãe escolheu assim, pois dizia que os adolescentes só queriam saber de bobagens e festas estudar e aprender era a última coisa que eles fariam. Por um lado ela tinha razão mas queria tanto ter ido a escola e brincar como uma criança normal.

Não tive muito contato com elas até minha residência. Foi aí que percebi que realmente não levava jeito nenhum. Olha que eu tente.

— Doze!

Pude ouvir um sussurro vir de um dos garotos, mas foi difícil identificar quem era muito menos se tinha ouvido certo.

— Doze o quê? — Perguntei sorrindo. Parecia que eles finalmente estavam começando a perder a vergonha.

— 12 segundos. — Uma garota de cachinhos loiros estava me encarando enquanto dizia a frase. Seus olhos se encheram de lágrimas e sua fala ficou trêmula. — Doze segundos. — Repetiu.

— O que isso significa?

Estava curiosa achando que eles estavam fazendo uma brincadeira, mas todos pareciam com a mesma cara apavorada.

Todas me encararam com um olhar vazio enquanto repetiam a mesma frase uma após outra até todas do nada pararem. Quando pensei que tinha acabado a garotinha que segurava o ursinho me encarou e disse num tom tão assustador que quase perdi o ar.

— É o tempo que leva para uma pessoa se transformar...

Fiquei nervosa e sem entender. Ela não disse mais nada depois apenas voltou a ficar quieta como se aquilo nunca tivesse acontecido.

— Se transformar em quê? — Assim que fiz a pergunta pude escutar um que veio de algum lugar dos andares a baixo.

— O que está havendo?

— Começou... Começou...

Desta vez os gritos vinham de minha sala. Todas as crianças estavam chorando e gritando descontroladamente. Não sabia o que fazer nem o que tinha feito, mas tinha a certeza que elas sabiam mais do a mim. Sabia que o grito que tínhamos ouvido era apenas o começo. Elas sabiam que algo ruim estava prestes a acontecer. Elas sabiam...

Um estrondo que fez a sala toda vibrar me pegou de surpresa. Não era possível estávamos realmente sendo atacados.

O estrondo fez a vidraça vibrar assim como o chão aos meus pés. Assim que tudo voltou ao normal as luzes da sala se apagaram por vários segundo. Segundos esses que foram de puro terror para mim e para as crianças que continuavam a gritar feito loucas.

— Fiquem calmas, crianças, está tudo bem. — disse, tentando de uma forma inútil acalmar todas. — Merda, o que está havendo? — Os terroristas devem ter atacado a usina elétrica. Por isso a falta de luz. — Calma, os geradores já vão ser ligados. — É claro que as crianças não sabiam o que era um gerador, e muito menos o que estava havendo.

A gritaria se espalhou por todo o hospital. Ouvi choros e gritos vindos dos andares a baixo.

— Merda, já era para esta porcaria de luz estar ligada.

Fui em direção ao telefone ver se conseguia contato, mas estava mudo.

— O que eu faço? — Os berros das crianças estavam me deixando louca.

— Meu celular.  — No bolso principal de meu jaleco, havia um pequeno celular cinza. Retirei-o de lá e digitei o número da minha amiga Rose. Estava chamando.

— Paloma... Paloma, é você? — Sua voz estava trêmula e nervosa.

— Sim, sim, sou eu. — Respondi sem entender o motivo de seu nervosismo.

— O que está acontecendo aí em baixo? E por que o gerador não está pegando? — Ela demorou para responder.

— Tem... Tem uma pessoa devorando um dos enfermeiros. — disse, sussurrando.

— Rose, você está me assustando. — Minha voz também estava ficando ainda mais trêmula.

— Eles são muitos... Eles estão atacando as pessoas... Estão comendo as pessoas... Não sei o que está havendo... Não sei...

A ligação ficou muda assim que um grito ensurdecedor me fez pular.

— Rose... Rose... Merda, a ligação caiu.

Estava nervosa e apavorada. Tremia, tremia muito. A voz, o jeito e o nervosismo de Rose pelo telefone me deixaram sem reação. A única coisa que fiz foi chorar. O grito dela ainda estava latejando em meus ouvidos. As lágrimas escorriam enquanto as crianças gritavam ao meu ouvido. Estava sozinha num completo hospício.

Larissa

— Algumas Descobertas —

Os fones nos ouvidos de minha irmã estavam me incomodando, a música alta de sua banda favorita “gritava” frases sem sentido.

“Como ela pode ficar tão calma em uma situação dessas?”, perguntei em mente. A música, porém, continuava...

— Lara, dá para abaixar esta maldita musica? — Não era uma pergunta, e, sim, uma ordem.

Ela simplesmente me ignorou.

— Deixa ela, Larissa. — Pediu Jéssica com lágrimas sobre os olhos. — Ela deve estar querendo esquecer as coisas que viu e ouviu.

Não disse nada, pois ela tinha razão. Todos naquele carro, até mesmo meu amigo desacordado, passaram por grandes desafios naquela noite.

Relaxei e continuei o meu trajeto até o hospital.

As ruas estavam em uma escuridão total. Não havia carros, motos e muito menos pedestres.

— O que está acontecendo? — Perguntou Jéssica, olhando pelo vidro escuro. — Hoje, quando estava voltando do trabalho, estas ruas estavam lotadas de carros. — Seu tom de voz estava um pouco mais calmo de quando a encontrei.  — Mas, agora, está deserta.

Também estava surpresa. A cidade tinha mais de cem mil pessoas, que trabalhavam em grandes empresas, que pegavam as mesmas ruas todos os dias, fazendo-as ficarem lotadas, até não ter espaço para sequer uma moto circular. Era anormal vê-las tão vazias.

— Não estou entendo nada. — disse Lara, que estava quieta, até se manifestar.

— O que você não esta entendendo? — Perguntei.

Com os fones fora dos ouvidos, ela me respondeu lendo uma notícia que havia acabado de achar na Internet em seu celular.

“As armas biológicas ainda são desconhecidas, não se sabe quantos países foram atingidos pela Coreia do Norte. O número de mortos nos Estados Unidos já ultrapassa milhões.”

Ela parou de ler por um segundo, engoliu em seco e continuou.

“Aparentemente, as armas biológicas se tratam de um vírus que tem como finalidade destruir o sistema nervoso, levando a vítima a óbito em menos de doze segundos, segundo informações do próprio presidente do Brasil, Jacob Oscar Filho.”

Após a leitura, ela parou e disse:

— Estamos em guerra.

— Não pode ser, Lara... Não pode ser... — Falou Jéssica, abraçando a cabeça de seu irmão.

— Isso foi postado ontem à tarde, estou tentando encontrar alguma notícia de hoje.

— Procura sobre o código púrpura. — Pedi.

Queria saber do que se tratava o tal código. Após alguns segundos, ela encontrou uma matéria.

“O presidente declarou hoje à tarde o código púrpura. Este código funciona como o código vermelho. A diferença está em sua extensão. Enquanto o código vermelho isola uma cidade, o código púrpura isola o país inteiro...”

— Não acredito nesta merda. — Falou Jéssica, brava.

— Não acredito.

— Também não, mas, não tem nada explicando o motivo deste isolamento? — Perguntei.

Ela continuou a ler...

“O vírus que a Coreia do Norte está liberando sobre os países mata as pessoas e as trazem de volta... Criando assim um novo tipo de arma biológica...”

— Está de brincadeira comigo. — Falei, dando uma freada brusca com o carro.

— Cuidado. — gritou Jéssica.

— Desculpa... — Não acreditava que estávamos sob ataque da Coreia.

Já odiava o país só por ameaçar a segurança mundial, agora, a vontade que tinha era de destruí-lo por inteiro.

— Como eles voltam à vida? — A pergunta parecia brincadeira.

— Parece que o vírus, ao atacar o sistema nervoso, controla a cobaia, transformando-a em uma espécie de zumbi, que ataca as pessoas não infectadas.

— Está de brincadeira.

Não estava acreditando, mas a imagem que havia visto na TV eram reais.

— Em que site está escrito esta matéria? — Perguntei.

— R7, G1e em toda a Internet.

— Putz.

Estava acontecendo, estávamos em guerra, não apenas contra a Coreia, mas também contra mortos ambulantes. O vídeo era real.

— A vizinha era uma das infectadas, pois os olhos dela estavam brancos.

A lembrança da minha vizinha tentando mordendo o vidro invadiu minha mente.

— E, talvez, a senhora que o Júlio matou também estivesse infectada... — Palpitou Lara.

— Sim. Com certeza, estava. — Disse Jéssica, tentando relembrar a conversa que tivera com o irmão. — Ele disse que ela estava tentando mordê-lo, e sua visão também era branca.

— Não pode ser. — disse Lara, preocupada.

— O quê? — Perguntei.

— Como a Avril Lavigne deve estar lidando com isso? E o Avenged Sevenfold? E o BTS? Aí meu Deus...

— Fala sério, Lara, como você pode estar preocupada com uma cantora e uma banda? — Perguntei pasma com seu chororô.

— Eu amo eles só queria saber como estão... Eu não acho nada na internet...

— Acho que mortos... — disse, tentando irritá-la.

— HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! Não me provoca! — O grito tomou conta do local.

— PARA DE GRITAR, MENINA! — Gritei de volta.

— Vou fingir que não disse isso eu sei que estão bem eles são ricos, devem estar protegidos em bunkers. — Explicou, olhando brava para mim.

— Cara, como você pode pensar nesses seus ídolos e não em seu amigo? — perguntei.

Ela não respondeu, ficou quieta olhando pelo vidro fumê do caro.

O fim do trajeto foi silencioso. Era como se todos estivessem presos em seus próprios pensamentos, aliás tinha muita coisa para se pensar.

— Jéssica, se prepara, pois já chegamos. — disse depois de quase vinte e sete minutos de viagem.

A alguns metros, já era possível ver o hospital. As luzes estavam acesas isso era um bom sinal os geradores ainda estavam funcionando.

— Graças a Deus, chegamos. — Os olhos de Jéssica se iluminaram ao ver o hospital. Havia esperança para meu amigo.

— Calma, Júlio, já estamos chegando. — disse, num tom de afeto. 

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