Realidades Camufladas
Realidades Camufladas
Por: Elizandro Joel
CAPÍTULO 1

Como se tratasse de um sonho, eu acordei em uma cama de casal em um quarto enorme, e com uma poltrona junto da cômoda que me faz olhar para o meu reflexo no espelho sempre que eu me sento nela. As janelas sanfonadas deste quarto são enormes, a vista é incrível, consigo sempre ver o céu, as nuvens, o sol e uma linda avenida junto ao mar, assim que abro as cortinas. Dentro do baú está alguém que eu não vejo há muito tempo, o único que sabe tudo sobre mim, o meu diário.

O céu nublado anunciou um novo amanhecer na tumultuosa cidade de Luanda. Logo ao acordar, levantei da minha cama, direcionei-me para o espelho e olhei para o meu reflexo. Ainda presa no meu reflexo, apreciei a minha pele mestiça e admirei os meus olhos castanhos. A maior parte da humanidade é refém do mito da raça ariana que originou a obsessão por olhos azuis, mas eu não me arrependo de não ter nascido com os olhos azuis, sempre amei os meus olhos castanhos como a cor do mel e o meu um metro e oitenta e dois centímetros de altura que alimentava o meu sonho adolescente de ser uma modelo das passarelas internacionais. Quanto ao cabelo, o meu cabelo crespo herdado da família da minha mãe fazia-me sentir única e natural. Sou filha de um homem de raça branca e de uma mulher de raça negra. Todavia, nunca precisei de ver ou ler artigos sobre negritude. Longe da perfeição, os meus pais e eu dialogamos muito sobre a minha condição racial e isto algumas vezes já me fez sentir que não sou branca como o meu pai e muito menos negra como a minha mãe. Uma pessoa parda é uma pessoa negra. A verdade é que eu podia tudo, menos viver uma ilusão racial, porque apesar de todos os benefícios raciais atribuídos aos seres humanos com o tom de pele mais claro no meu país, eu precisei admitir a tempo certo que na realidade sem camuflagens sou negra. 

Durante a minha fase adolescente, quase todos tiveram uma descrição simples e superficial sobre mim. Sempre fui vista como uma rapariga demasiadamente tímida, mas aquela concepção era uma conclusão rasa e precipitada. Sempre estive longe de ser uma rapariga tímida, em uma análise correcta. Definitivamente, sou uma mulher reservada e bastante selectiva. Naquela época, expressava-me abertamente apenas nas minhas conversas com a Evandra, a minha melhor amiga. 

Diferente da maioria do povo angolano, tenho apenas um nome próprio, porque, para o meu pai, um segundo nome arruinaria a homenagem feita para a minha avó, Marieth. Filha de um pai inglês e de uma mãe angolana que nasceu em Benguela, sou uma angolana de ascendência britânica que nasceu em Luanda no actual distrito da Maianga. 

Foi no distrito da Maianga onde passei toda a minha infância. Anos depois, mudamos para o Talatona, lugar onde conheci o Márcio, um rapaz moreno, alto e bonito, com covinhas nas bochechas. Aparentemente, o Márcio era diferente de todos os outros rapazes, apesar de supostamente o odiar, me apaixonei por ele e senti o acelerar dos batimentos do meu coração. Perdi o norte, as minhas pernas ficaram bambas de tão trêmulas que estavam, em suma, era uma junção de sensações e sentimentos, que pensei ter encontrado o amor da minha vida naquele momento.  

Apesar de sentir o desabrochar daquele sentimento puro, lembro que entrei em um período de implicância com o Márcio. Nas aulas, nos corredores da escola, no refeitório, não importava o sítio. Ele e eu implicávamos um com o outro a partir do momento que passávamos a respirar o mesmo ar.

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