CAPÍTULO 4

O sono tardava a aparecer. Deitada na cama, eu rolava de um lado para o outro naquela noite cinzenta. Lembro, como se fosse hoje, que um sentimento de desconsideração se apoderou de mim e deixou-me chateada com o mundo. Parecia que o Márcio esquecera o epicentro do mês de Junho, o relógio marcava duas horas da manhã e até àquela hora da matina o meu telemóvel não tocava. Junho é o mês em que se assinala uma das datas mais importantes da minha vida, o dia do meu aniversário. Os meus dezassete anos de idade acabavam de ser atingidos e faltava-me apenas um ano para atingir a maioridade aos olhos da lei angolana.

Desconheço o nativo angolano que não aprecie um bom convívio e os britânicos não ficam atrás, porém, não perspectivei comemoração alguma. Nunca fui boa a celebrar aniversários. Recebi imensas ligações, começando pela chamada dos meus avôs, que acabaram por completar o meu dia. Eles mostraram o seu amor por mim e desejaram-me as melhores coisas que existem neste mundo: paz, amor e felicidade. O único problema do meu dia era a angústia que surgia no meu coração quando os meus avôs me diziam que faltava apenas um ano para realizar a minha mudança para o Reino Unido. O meu avô falava sempre com os meus pais. Já a minha avó, apenas com o meu pai, que estava na Inglaterra com eles a tratar de negócios. E assim o meu pai não participou em mais um dos meus aniversários. Sempre ouvi que as mulheres se dão melhor com os pais e não com as mães e, só para provar que esta teoria é verídica, eu era a admiradora número um do meu pai, ainda que ele fosse tão ausente.

A minha mãe nem parecia querer ter uma filha. A maioria esmagadora do universo feminino sonha em ter uma filha, mas ela parecia ser o oposto. Em pleno dia do meu aniversário, ela apenas preocupava-se com a sua imagem e com o seu trabalho. Os meus pais eram autênticos narcisistas. Triste, não comemorei o meu próprio aniversário, estava cansada de comemorar aniversários sob tanta falsidade, estava farta de simular sorrisos para esconder os problemas que aterrorizavam o íntimo da minha família. O melhor mesmo foi ver que o meu amor não se esqueceu do meu aniversário, pois foi o primeiro a dar-me um presente. Todo mundo conseguia ver o quanto ele fazia-me feliz. É algo de outro mundo quando encontramos alguém que, além de nos fazer bem, dá-nos toda a atenção desejada. O Márcio conversou com a Evandra e ela deu-lhe a melhor de todas as ajudas. Ele veio acompanhado de uma caixa dourada que enche os olhos ao primeiro olhar, dentro dela estava um lindo vestido acompanhado de um urso enorme. Algo aparentemente clichê fez-me acreditar que tinha o namorado mais romântico do mundo. Sem palavras, senti-me a Cinderela sem os sapatos de cristal e fiquei com a sensação de ter encontrado o meu "príncipe encantado" sobre a árdua realidade.

Tudo fiz, tudo esperei em nome da paixão, tanto que em momento algum esperei enfrentar os sinais de escuridão no amor. Na vida, o difícil é admitir que no amor as coisas não são apenas rosas, sendo que todos nós temos de passar pelo pior para chegar ao melhor. O amor é feito de altos e baixos e aproximava-se a minha hora de vivenciar o pior no ciclo do amor. Quanto mais passava o tempo, mais o meu sentimento aumentava e esse sentimento fazia-me querer a atenção do Márcio a todo o instante. É confortável falar com a pessoa que faz bem ao nosso coração. Tudo em nós já foi tão recíproco, que os nossos corações completavam um ao outro e aquele perfeito encaixe completava a minha vida.   

Os sinais de escuridão no nosso relacionamento surgiram quando, infelizmente, o Márcio começou a sentir-se sufocado. Era cedo demais para perceber que muitos dos relacionamentos não resultam por causa da cobrança excessiva que fazemos uns aos outros. No fundo, nós esperamos que o parceiro seja uma cópia exacta dos nossos anseios e, principalmente, das nossas necessidades emocionais. As minhas atitudes fragilizavam a nossa relação, deixei o Márcio sob pressão e, sem perceber, aos poucos o sufoquei. Existem relacionamentos em que o amor age a favor dos dois, e existem outros tantos em que aquele que mais demonstrar os seus sentimentos será o mais desgastado da relação. Um relacionamento a dois jamais pode ser singular, pois o amor exige total dedicação e força de vontade de ambas as partes.

O Márcio começou a afastar-se de mim quando percebeu que dificilmente daríamos o próximo passo, que era ter-me na cama. Não era a hora certa para mim, não podia perder a minha virgindade em torno de tanta insegurança, o meu maior desejo era perder a minha virgindade na minha noite de núpcias, tal como mandam as leis de Deus. Sem explicação alguma, começamos a viver mudanças e apenas eu mandava mensagens enquanto ele limitava-se a encurtar o máximo possível as nossas conversas:

- Bom dia, meu amor!

- Bom dia, Marie!

A minha imaturidade impossibilitava toda e qualquer compreensão da minha própria situação. Já havíamos passado da fase dos sinais de fogo, estávamos à beira de entrar para os sinais de escuridão do relacionamento e estes vêm acompanhados dos primeiros sintomas do desgaste de um relacionamento amoroso. Admito que não tinha o amor-próprio que me era exigido naquela situação, não tinha a maturidade suficiente para amar a mim mesma antes e esperava ser amada. Amar por dois, é realmente possível e espiritualmente devastador. Todas as vezes que amei por dois, sofri uma violenta queda e piorei a minha instabalidade emocional. O Márcio aos poucos se cansava de mim, revestida de ingenuidade continuei a enviar mensagens para ele, ainda que me deparasse com o seu desinteresse. A osxcilação do amor-próprio faz-nos pensar que o amor tende a não ser recíproco nas demasiadas vezes que o buscamos e acabamos por acreditar que devemos cultivar a arte da conquista. Saiba que são raras as vezes em que a arte da conquista resulta, o amor não é planeado, o sentimento simplesmente acontece. O melhor para mim seria cessar a minha insistência mas, no entanto, o apego dificilmente nos permite parar de insistir naquilo que nos magoa. Estar apegada, é mergulhar em um ciclo vicioso de mediocridade sentimental e receber constantes migalhas.

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