A minha insistência colocou o gráfico da nossa relação em declínio e, lentamente, as coisas começaram a se degradar. O meu namorado não prestava atenção em mim. Na escola, já nem ficávamos juntos a toda hora como outrora a gente viveu, o meu pobre coração entrou em desespero e aos poucos fui consumida por este sentimento. Do dia para a noite, como da água para o vinho, tudo mudou e comecei uma luta contra uma correnteza que me conduzia para cada vez mais longe do Márcio, dia após dia. Na tentativa de melhorar a situação, decidi tomar uma atitude e fiz-lhe algumas perguntas por mensagem:
- Meu amor, por que tudo isso? O que se passa? Estás a gostar de outra rapariga?
Com tamanho desamor, o Márcio respondeu à minha mensagem:
- Estou um tanto quanto cansado do nosso relacionamento e acho melhor terminarmos ou darmos um tempo.
Por mim — a frase dar um tempo — é o mesmo que terminar o relacionamento. Quando as coisas correm bem na relação amorosa, tratamos a pessoa amada por nomes carinhosos, e quando um dos dois dá sinais de querer abandonar o barco, nós esquecemos os nomes carinhosos e passamos a chamar mesmo pelo nome e algumas vezes substituímos os nomes por palavras obscenas. É demasiadamente difícil aceitar o final de um relacionamento.
Pessoalmente, na escola, eu não quis acreditar e fiz-lhe a derradeira questão.
- Mas terminar a relação por quê?
Ele virou-se para mim, olhou nos meus olhos e disse:
- Não sei, mas se tu quiseres continuar com a nossa relação, aparece hoje em minha casa.
Os meus dias eram dominados pela pressa e sem tempo para raciocinar as coisas devidamente, confirmei que estaria lá. Pedi a autorização da minha mãe para ir passar o dia em casa da Evandra e fui até a casa do Márcio. Quando somos movidos pela aflição, fazemos milhares de coisas sem pensar, e o que parecia querer piorar, acabou mesmo por ir pelos ares quando ele tudo fez para ter-me entre quatro paredes. A princípio, ele foi muito carinhoso, dizendo que eu era a mulher da sua vida, e eu acreditei, por ser inocente. Hoje sei que não era amor, mas, sim, apego. Um apego tão profundo que me conduziu até àquela situação. Disse para o Márcio que não estava preparada para fazer o que ele tanto insistia em fazer. E tudo o que ele fez foi deixar-me envolvida com os seus beijos que me faziam não ir embora, e quando dei por conta, ele já me tinha tirado a roupa. A verdade é que quem anda à chuva se molha.
Insensível e sem consideração pelos meus sentimentos, ele disse-me o que realmente pensava:
- Se não queres, então não me amas. E se não me amas, podes ir. Está tudo terminado.
Só mesmo um rapaz sem carácter para tecer aquelas palavras. Eu não quis perder o Márcio, o meu coração era detentor de um tremendo medo de perdê-lo, mas eu não podia ceder à pressão e me entregar ao Márcio. Mesmo com tantos esforços de algumas mulheres, a sociedade torna-se cada vez mais machista, ter relações conjugais com uma mulher à base de coacção não faz de um homem um super-homem. Actos desta natureza são a principal causa de milhares de traumas no universo feminino. Tentei ser o mais resistente possível, disse que não devia ser assim, mas a mente do Márcio estava vidrada em pensamentos selvagens. Antes que as coisas saíssem do controlo, tudo fiz para sair daquele recinto e consegui, para o meu enorme alívio.
Tirar a virgindade de uma mulher é uma responsabilidade para homens carinhosos e pacientes. Tarde e má hora percebi que o Márcio não passou de um erro, que apenas quis satisfazer-se com o meu corpo e nada mais. Conheci um homem que não passou de um erro que quis satisfazer-se com o meu corpo a todo custo, sem pudor, sem qualquer remorso, apenas repleto de pensamentos sexuais e selvagens. Naquele momento, notei que namorava um homem mais do que insensível. Em segundos, as lágrimas invadiram os meus olhos, eu sonhava com uma primeira vez repleta de amor, ternura e paixão, e não daquela forma agressiva que exprimia toda a canalhice de um homem. Fiquei traumatizada e jurei jamais confiar e acreditar nos homens.
Nos meus sonhos, fantasiei que a minha primeira vez seria com o Márcio na lua-de-mel que teríamos depois de um lindo casamento, pensei que aquele momento seria ouro sobre o azul do céu. Dizem que é amor, mas é mais promiscuidade do que outra coisa. A verdadeira intenção da maioria é a satisfação sexual. Depois de tudo, eu vesti e pedi para que ele me acompanhasse e ele respondeu de uma forma grosseira.
- Não dá. Estou com muita preguiça. Veste-te rápido, os meus pais devem estar a chegar.
Coloquei a roupa rapidamente e saí daquele lugar com lágrimas nos olhos. Chorei aos prantos desde a Maianga até ao bairro do Prenda a pé, o meu desespero era tanto que me desfiz do receio de me deparar com os assaltantes do Prenda e ainda que me deparasse com um, acho que até um marginal se podia comover com o meu estado deplorável. Quase a chegar ao Prenda, deparei-me com a tia Sara, a mãe da Evandra, e lembro que ela perguntou para mim o que se passava.
A desilusão era tanta que o choro, o nervosismo e a aflição não deixavam as palavras saírem da minha boca. Sem saber o que fazer, a tia Sara levou-me imediatamente para casa.
Chegamos aos meus aposentos e a tia Sara entrou comigo. Assim que viu os meus pais, saudou-os e pediu-lhes para que prestassem mais atenção em mim, porque eu ainda era uma simples adolescente. A minha mãe respondeu com toda a hostilidade que lhe convinha naquele preciso momento. Dizendo que a senhora Sara não iria lhe ensina como educar a sua própria filha.
Triste, a tia Sara deu-me um beijo na testa e ofereceu o seu apoio para tudo o que eu necessitasse. O clima ficou embaraçoso, as pessoas não deviam ser tão duras umas para as outras. A tia Sara já não deu um "até amanhã" para os meus pais. Naquele dia, ela despediu-se apenas do meu pai e foi-se embora zangada com a péssima atitude da minha mãe. Envergonhada com a situação, a minha mãe fez um monte de perguntas para mim, que estava sem condições de responder até a mais simples das questões. Optei pelo silêncio, eu não sabia por onde começar — no fundo, faltou-me coragem para contar o que realmente aconteceu —. Faltou-me coragem para contar que quase perdi o meu maior tesouro. Um dia que deveria ser um dos melhores, muito rapidamente tornou-se num dos piores da minha vida.
Fui para o meu quarto e percebi que os meus olhos estavam inchados por causa do choro. E como se não bastasse, as coisas ainda estavam por piorar. Minutos depois, recebi uma chamada da Evandra.
- Alô, amiga.
- Alô, amiga – respondi.
- Como estás? A minha mãe disse-me que se encontrou contigo aqui nos arredores do Prenda e estavas a chorar tanto que ela teve de levar-te a casa. O que aconteceu para ficares assim?
- Nada – eu respondi, com um tom meio fraco, sem coragem para confessar o que realmente aconteceu. - Não aconteceu nada, Evandra. Obrigada por teres ligado, a tua preocupação é muito importante para mim. Amanhã falamos, não estou a me sentir bem.
Claro que ela não acreditou que não tinha acontecido nada. Eu não iria chorar tanto do nada. Mas ela deve ter compreendido que o assunto era delicado demais para ser dito à distância.
- Tu também és muito importante para mim, amiga – disse ela. - Por agora, tenta descansar o máximo possível. Caso precises desabafar, liga para mim e eu irei ter contigo na tua casa.
Verdade seja dita: também não tive coragem de confessar o ocorrido para a minha melhor amiga. Até hoje apenas o meu diário sabe que quase fui violentada. Partilhei o meu primeiro segredo de adolescente somente para ele, porque as pessoas não verdadeiras como aparentam ser. Senti um enorme vazio, fazia frio no meu coração, onde o calor de um amor aparentemente verdadeiro costumava aquecer intensamente como o fogo.
Gostaria de ser feita de pedra e não composta por carne que sente dores enormes e dissabores constantes. O meu coração começou a perder luz, cintilava perdendo instantâneamente o próprio brilho.
Levei as minhas mãos à cabeça, obstruída pela frustração, pertubada pelo misto de sentimentos que me lançou o desejo de não ser a dona do meu próprio coração para não ter que carregar o peso da dor de confiar e não seguir a actual obrigação social de desconfiar. Fraca, tentei esbravejar, neste processo de transmutação da luz para a escuridão, tento sempre nunca aceitar a escuridão.
Sábado.Assim que despertei, a minha mãe entrou no meu quarto e de imediato convidou-me para irmos às compras. Achei estranho, primeiro porque ela nunca me convidava para sair e segundo porque não tínhamos o vínculo de amizade entre mãe e filha. Mesmo assim, concordei por sentir que a minha mãe quis arranjar uma forma de compensar o tempo perdido.Cuidei da minha higiene pessoal de forma demorada, fiquei presa ao espelho durante minutos e minutos a olhar para o meu reflexo, não conseguia parar de pensar em tudo o que havia acontecido e, de hora em hora, perguntava a mim mesma se aguentaria continuar a suportar.- Marie, despacha-te! – gritava a minha mãe.- Já vou, mãe! Dá-me só mais um minuto.Passaram-se alguns minutos, coloquei a roupa e encontrei-a na cozinha. Estava sem fome, mas a minha mãe exigiu que eu comesse uma fruta. A fome se vai quando a tristeza invade a alma e o coração.No Angola Shopping Center,
Chegara o dia de ver os resultados finais. Muito cedo fui despertada pela minha mãe, larguei o conforto da minha cama e em seguida tratei da minha higiene pessoal. Não tive tempo de me alimentar, de tão nervosa que estava. Com o senhor Jacinto ao volante, dirigimo-nos ao Colégio Nobre o mais rápido que podíamos e, chegando à escola, saudei todo mundo.- Bom dia! Desculpe por lhe interromper, tia, vim cá ver os meus resultados finais.- As pautas estão no andar de cima, menina, sou senhora secretária e não sua tia.- Ok. Peço desculpas, senhora secretária, não foi minha intenção faltar-lhe com o respeito.Tratei a funcionária da Secretaria por tia, porque a minha mãe sempre me disse que é um bom costume angolano respeitar as pessoas mais velhas, sendo parente ou não, desde que seja uma pessoa mais velha devemos tratar por tio/a e fui maltratada por ser educada.Ansiosa e bastante receosa, vi o meu nome e constatei que fui ao recurso. I
Terça-feira.Um novo dia e uma nova motivação. Fazer bem o último exame era o meu principal objectivo do dia. A determinação de transitar e atingir as novas metas era o que me deixava motivada. Despertei ao meio da madrugada, o enorme medo de desapontar os meus pais assombrava-me a cada minuto. Agarrei-me aos cadernos e apenas deixei de olhar para a matéria quando já estava quase a atrasar-me para o exame. Fiz a higiene pessoal. Rapidamente desci, comi apenas um pedaço de bolo e fui endiabrada para a escola.- Bom dia, senhor Jacinto! Como está? - Estou muito bem. E a menina Marie, como está?- Estou bem e totalmente pronta para a prova. Podemos ir. Por favor, acelere. Não me posso atrasar.- Está bem, menina.Mesmo no carro, eu não parava de ler a matéria de Geografia, a enorme pressão que estava sobre mim fazia-me ser dura comigo mesma. Eu não tinha um minuto de descanso sequer, pois aquele era o resultado da minha
No dia seguinte, acordei com uma excelente disposição. Abri os olhos da Evandra com o intuito de tirar-lhe o sono, mas mesmo assim ela não acordava. Usei um dos vários métodos para acordar alguém, e gritei bem alto.- Vá, acorda, dorminhoca!Ela não se demorou, acordou e atirou-me com um travesseiro. A seguir, começamos uma guerra de travesseiros que nos tornava cada vez mais crianças. Até a minha mãe subir para o meu quarto e gritar bem alto.- Meninas, parem já com isto! Vocês são crescidas demais para este tipo de brincadeiras.As palavras da minha mãe deram-me a prova de que a mente da maioria dos pais é demasiadamente complexa, pois quando as crianças agem como adultas, os pais reclamam e alegam precocidade, e quando finalmente agem como crianças, também reclamam. Ficamos em silêncio na presença da minha mãe e, quando ela saiu, matamo-nos de rir. As amizades femininas são tão íntimas que a minha melhor amiga e eu tomávamos banho jun
20 de Dezembro, o dia da partida.Nos dias anteriores, passei quase todas às noites em branco a estudar imenso para os exames, e na noite anterior o sono perdera moradia na minha cama por causa da minha ansiedade de viajar o quanto antes. Saímos de casa com o senhor Jacinto rumo ao Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. Lembro que ao longo do trajecto eu me despedia da minha Kianda aos poucos. No Aeroporto, a ansiedade continuava a exercer um tamanho domínio sobre mim, enquanto aguardávamos pela hora de partida do nosso voo. De hora em hora, consultava o relógio e contava os minutos para a nossa viagem. Três horas antes, já estávamos no aeroporto, porque a pontualidade é uma das principais aliadas do meu pai. Passadas algumas horas, ouvimos a chamada de embarque para o nosso voo, porém não adiantava estar mais ansiosa, pois muitos são os quilômetros que separam Luanda de Londres.8 horas de viagem, suscitaram um enorme cansaço em mim, adormeci durante a viagem e des
Dia 22 de Dezembro.Em tão pouco tempo fiquei gripada e enfebrada, pela mudança de clima. Por causa dessa congestão nas minhas vias respiratórias, a minha avó mimava-me cada vez mais. Acordei, e ela entrou logo cedo no meu quarto com o convite de irmos aproveitar o dia. Sem precisar da ajuda de um analista, aos poucos os dois implantavam em mim uma reeducação afectiva. Arrumei-me o mais rápido possível, eu estava desejosa por sair com a minha avó.A conversa da noite passada surtiu um efeito positivo em todos nós, excepto aquela notícia da doença do meu avô. Mesmo assim, a minha boa disposição era visível, estar positivo atrai coisas positivas e a minha família precisava estar positiva. Cheguei à mesa e encontrei um pequeno-almoço reforçado: ovos, bacon, tomate, salsichas e feijão com molho. Parecia tudo muito gorduroso, mas não dava para manter a forma, porque a minha avó acordou cedo e fez tudo com muito amor. O meu avô estava no jardim a conversar com o meu pai, e a m
Dia 24 de Dezembro, véspera de Natal.Mais um dia! Eu acordei, abri as janelas do meu quarto e dei de cara com um dia ensolarado, quase que pela primeira vez. Faziam dias que eu não olhava para o sol ao acordar.Passei quase todo o dia trancada no quarto, por tédio e inércia. À tarde desci para almoçar e retornei ao quarto, é estranho, mas existem dias em que abunda esta vontade. Tudo parece perder o sentido, é como se nada me cativasse lá fora. E ficar no meu quarto, no meu canto, a ouvir música é uma das minhas terapias para superar os dias cinzentos.Julgo que a paciência é mais do que necessária na compreenção dos recém adultos do mundo actual. No meu caso, eu trocava tudo para ficar no meu quarto, evitava questionamentos, gostava de estar no meu universo paralelo. O mais difícil de compreender é que
Novo dia. Acordei com uma óptima disposição naquela manhã e, como é habitual, a primeira coisa que fiz foi pegar de imediato no telemóvel. Mal consegui abrir os olhos directamente por causa das remelas, mas a minha dependência ao telemóvel era tanta que nem liguei para isso. No ecrã estava uma mensagem do Davi, nem me dei o trabalho de prestar atenção. Ignorei a mensagem e, em seguida, atirei o telemóvel para a cama.São raras as pessoas que acordam com apetite no dia de natal e eu não fiz parte da excepção. Assim que cheguei à sala, tive, pela primeira vez, contacto com os nossos vizinhos, que estavam tomando um chá com os meus avós. Estava ansiosa por conhecer os vizinhos e gostei muito de conhecer a família Eastmond, na primeira e única impressão que tivemos eles mostraram ser muito simpáticos e acolhedores.Pela primeira vez, saí do portão de casa sozinha, pela rua eu vi jovens brincando com a neve. Era a primeira vez que eu passava o natal fora de Angola.&nb