O engenheiro botou o chapéu na cabeça e se retirou da casa do sogro. Pegou a sua caminhonete levantando poeira na estrada de chão e deixando o velho Molina de cabeça quente. “Eu te falei, velho, eu te falei que isso não ia dar certo. Olha só a vergonha que estamos passando, que coisa feia para a nossa família, minha Santa Rita!” Lamentou Dona Salete repreendendo duramente o marido. Ela escutava toda a conversa angustiada pela brecha da janela da sala. “Para de falar no meu ouvido, vaca velha!” Resmungou o velho fazendeiro sacudindo o chapéu. [...] Felícia acordou tarde depois da conversa com Raul. Tomou um banho e desceu para jantar com a família, o todo o tempo desanimada e de cabeça baixa conforme todos da família planejavam com entusiasmo o futuro promissor. Antes de dormir, Raul sentou na cadeira de sua escrivaninha de costas mexendo em alguns papéis. Felícia se sentia aflita e arrependida por ter se casado. Resoluta, aproximou-se do marido, puxando assunto: “P
Felícia subiu atrás do marido. Já no quarto, ela sentou acuada na cama e sem segurar o choro sussurrou: “Eu sinto muito!” “Você só está colhendo o que plantou, isso tudo é resultado das suas escolhas inconsequentes. Agiu deliberadamente e a vida está te cobrando por isso. Vou conversar novamente com Catarina e pedir que ela não te perturbe mais com esse assunto. Agora vá tomar um banho e desça para almoçar.” Depois do banho, Felícia desceu chateada. Todos já estavam na mesa e ela sentou ao lado do marido. Sentia-se fuzilada pelos olhares das cunhadas, da sogra e até dos empregados. Nos dias que se seguiram, ela sentiu a rejeição de todos da família, as cunhadas mal falavam com ela. Sempre passeavam a cavalo, viajavam para capital e até traziam amigas para fazenda sem dar ousadia para Felícia. Raul passava a semana na capital a negócios e quando voltava na sexta-feira não lhe dava atenção. Com isso, ela se sentia infeliz e desprezada. Felícia estava cansada da vida que vinha
Nero não teve outra alternativa a não ser obedecer à patroa e parar. Felícia entrou na loja apreciando as roupas. Ela ficou triste por não poder comprar, eram lindas peças de roupas que cabiam perfeitamente nela. A dona da loja, Dona Creuza, puxou assunto curiosa: “Você é filha do fazendeiro Molina, não é mesmo?” “Sim, sou eu.” “Não foi você que casou com o filho do Barão Gregório, o engenheiro Raul Trajano?” “Sim, sou a esposa dele.” “Meu primo Vicente trabalha para ele.” “Ah! Vicente é seu primo?” “Sim, sim, agora ele está bem. Sorte, hein, do seu marido ser herdeiro do Barão.” “Verdade.” Nesse momento, Felícia teve uma baita de uma ideia. “Dona Creuza, eu vim rápido para ir à missa e visitar minha mãe e não trouxe dinheiro. Será que você pode me vender fiado e depois meu marido vem aqui te pagar? Já que você é prima de Vicente.” “Ora, sem problemas, pode levar a loja inteira se quiser.” Impensadamente, ela escolheu todas as peças que gostou. Vários vestid
Ela respondeu rápido, esperando a fúria do marido: “Deixei fiado, depois você precisa passar lá para pagar.” “Como é que é?!” “Isso mesmo, achei uma lojinha maravilhosa de Dona Creusa, prima de Vicente, e ela me vendeu fiado.” “Você usou meu nome para comprar fiado? O que eu falei para você? Se precisasse de algo, pedisse para minha mãe.” “Eu já estava lá, experimentei as roupas e estava precisando de roupas novas.” Raul sentiu-se zangado, com uma irritação palpável. “Você vai devolver essas roupas hoje mesmo!” “Não será possível, Zilda já lavou tudo.” “Felícia, eu não vou falar nada, depois a gente conversa.” Ele deixou a esposa e se foi para o campo. À noite, ele retomou a conversa. “Nunca mais faça isso, você está proibida de sair sozinha para a cidade. Foi vergonhoso o que fez. Comprar fiado, o que essa mulher vai pensar de mim?” “Não fiz nada demais, é tia do Vicente. Ela sabe muito bem que você tem dinheiro de sobra, por isso me vendeu fiado.” “Vou re
Raul ouviu aquilo e não falou nada. Mastigou seu pedaço de pão, tomou seu último gole de café e saiu da mesa. Passou no estaleiro e cumprimentou Vicente: “Bom dia, Vicente!” “Bom dia, patrão!” “Vicente, depois quero que passe na loja da sua prima e veja quanto Felícia ficou devendo por lá.” “Minha prima já falou, patrão. Dona Felícia comprou nove mil e trezentos cruzeiros na loja dela!” “O quê!? Que diacho, ela comprou a loja inteira, então?” “Ela comprou bastante, Nero falou que a carroceria da caminhonete veio cheia de sacolas.” “Tudo bem, dessa vez passa. Vicente, converse com Nero, não quero que isso se repita.” “Vou chamar a atenção dele, pode deixar comigo.” Em seguida, ele abriu a carteira e entregou o dinheiro para Vicente pagar a prima dona da loja. Na hora do almoço, Raul voltou do campo de café e encontrou uma arrumação na sala de estar da casa grande. “Que marmota é essa, porque estão mexendo esses móveis na hora do almoço?” “Dona Felícia pediu que
Raul perguntou desconfiado e com o cenho franzido ao se deparar com a presença da mulher em seu ambiente de trabalho. Ela respondeu apreensiva e com uma expressão cautelosa, tentando disfarçar o nervosismo: “Eu só vim procurar um livro para ler.” “Esse lugar é privado, não quero que entre aqui”, disse ele avaliando a expressão hesitante no rosto da mulher. Ainda confuso, pegou o livro das mãos dela e leu o título em voz alta: “Fundamentos em agronomia pecuarista. Não sabia que se interessava por assuntos da minha profissão.” “Quero saber o segredo da sua prosperidade para ajudar minha família.” “Precisa se ter o mínimo de dinheiro para prosperar, coisa que sua família não tem, então não perca tempo lendo esses livros.” “Aqui não tem outras categorias”, ela falou revirando a estante, fingindo procurar por outros livros. Enquanto ela remexia os livros da estante, Raul a olhava sem desconfiar do real motivo da presença da mulher no seu escritório. Com um olhar cheio de l
Felícia passava os dias entediada na fazenda. Quase todos os dias acordava tarde com o barulho dos animais e os cantos dos pássaros lá fora. Duas vezes na semana preparava seu coquetel capilar para hidratar o cabelo. Durante o dia, balançava em uma rede na varanda e lia suas revistas de moda. Fazia caminhada nos arredores da casa grande, tentando encontrar um pouco de paz naquela vida entediante. Contemplava os jasmins e as margaridas do florido jardim, encantava-se com a melodia dos bem-te-vis e disputava o cheiro das rosas com as borboletas e as abelhas. Na quarta-feira, como todos as manhãs, ela acordou tarde com o barulho dos animais lá fora. Realizou sua higiene pessoal e desceu. Enquanto tomava seu café na cozinha, conversava com Zilda, a empregada. Zilda contava sobre a dificuldade das crianças da região em ter que acordar cedo para ir à escola em Santa Rita. Sentindo compaixão da situação das crianças, ela abordou o assunto com o marido à noite antes de dormirem: “O
Quando retornou para a fazenda, Dona Quitéria entregou as botas que havia comprado para a nora. Felícia pegou a caixa animada, planejando andar a cavalo com um calçado adequado. Ao abrir a caixa viu uma bota cara e bonita. Mas se decepcionou quando olhou a numeração. Não era o número do seu pé, era dois números maiores. Ela se sentia desprezada e ignorada pelo marido e pela família dele. Com isso, não insistiu mais no assunto da escola com a sogra. No início de semana, Felícia acordou tarde como sempre e desceu para tomar o café da manhã. No meio da escada, observou as cunhadas e a sogra saindo do escritório de Raul com dois homens de boa aparência. Ela escutou um deles enfatizando: “Senhoras, deixo com vocês uma cópia da planta do projeto da escola. Em breve retornaremos para colocá-lo em execução.” Enquanto as três se despediam dos homens lá fora, Felícia desceu as escadas e foi tomar seu café na cozinha. Ela não conseguia engolir nada de tanto desgosto. Martelando na c