Ela respondeu rápido, esperando a fúria do marido: “Deixei fiado, depois você precisa passar lá para pagar.” “Como é que é?!” “Isso mesmo, achei uma lojinha maravilhosa de Dona Creusa, prima de Vicente, e ela me vendeu fiado.” “Você usou meu nome para comprar fiado? O que eu falei para você? Se precisasse de algo, pedisse para minha mãe.” “Eu já estava lá, experimentei as roupas e estava precisando de roupas novas.” Raul sentiu-se zangado, com uma irritação palpável. “Você vai devolver essas roupas hoje mesmo!” “Não será possível, Zilda já lavou tudo.” “Felícia, eu não vou falar nada, depois a gente conversa.” Ele deixou a esposa e se foi para o campo. À noite, ele retomou a conversa. “Nunca mais faça isso, você está proibida de sair sozinha para a cidade. Foi vergonhoso o que fez. Comprar fiado, o que essa mulher vai pensar de mim?” “Não fiz nada demais, é tia do Vicente. Ela sabe muito bem que você tem dinheiro de sobra, por isso me vendeu fiado.” “Vou re
Raul ouviu aquilo e não falou nada. Mastigou seu pedaço de pão, tomou seu último gole de café e saiu da mesa. Passou no estaleiro e cumprimentou Vicente: “Bom dia, Vicente!” “Bom dia, patrão!” “Vicente, depois quero que passe na loja da sua prima e veja quanto Felícia ficou devendo por lá.” “Minha prima já falou, patrão. Dona Felícia comprou nove mil e trezentos cruzeiros na loja dela!” “O quê!? Que diacho, ela comprou a loja inteira, então?” “Ela comprou bastante, Nero falou que a carroceria da caminhonete veio cheia de sacolas.” “Tudo bem, dessa vez passa. Vicente, converse com Nero, não quero que isso se repita.” “Vou chamar a atenção dele, pode deixar comigo.” Em seguida, ele abriu a carteira e entregou o dinheiro para Vicente pagar a prima dona da loja. Na hora do almoço, Raul voltou do campo de café e encontrou uma arrumação na sala de estar da casa grande. “Que marmota é essa, porque estão mexendo esses móveis na hora do almoço?” “Dona Felícia pediu que
Raul perguntou desconfiado e com o cenho franzido ao se deparar com a presença da mulher em seu ambiente de trabalho. Ela respondeu apreensiva e com uma expressão cautelosa, tentando disfarçar o nervosismo: “Eu só vim procurar um livro para ler.” “Esse lugar é privado, não quero que entre aqui”, disse ele avaliando a expressão hesitante no rosto da mulher. Ainda confuso, pegou o livro das mãos dela e leu o título em voz alta: “Fundamentos em agronomia pecuarista. Não sabia que se interessava por assuntos da minha profissão.” “Quero saber o segredo da sua prosperidade para ajudar minha família.” “Precisa se ter o mínimo de dinheiro para prosperar, coisa que sua família não tem, então não perca tempo lendo esses livros.” “Aqui não tem outras categorias”, ela falou revirando a estante, fingindo procurar por outros livros. Enquanto ela remexia os livros da estante, Raul a olhava sem desconfiar do real motivo da presença da mulher no seu escritório. Com um olhar cheio de l
Felícia passava os dias entediada na fazenda. Quase todos os dias acordava tarde com o barulho dos animais e os cantos dos pássaros lá fora. Duas vezes na semana preparava seu coquetel capilar para hidratar o cabelo. Durante o dia, balançava em uma rede na varanda e lia suas revistas de moda. Fazia caminhada nos arredores da casa grande, tentando encontrar um pouco de paz naquela vida entediante. Contemplava os jasmins e as margaridas do florido jardim, encantava-se com a melodia dos bem-te-vis e disputava o cheiro das rosas com as borboletas e as abelhas. Na quarta-feira, como todos as manhãs, ela acordou tarde com o barulho dos animais lá fora. Realizou sua higiene pessoal e desceu. Enquanto tomava seu café na cozinha, conversava com Zilda, a empregada. Zilda contava sobre a dificuldade das crianças da região em ter que acordar cedo para ir à escola em Santa Rita. Sentindo compaixão da situação das crianças, ela abordou o assunto com o marido à noite antes de dormirem: “O
Quando retornou para a fazenda, Dona Quitéria entregou as botas que havia comprado para a nora. Felícia pegou a caixa animada, planejando andar a cavalo com um calçado adequado. Ao abrir a caixa viu uma bota cara e bonita. Mas se decepcionou quando olhou a numeração. Não era o número do seu pé, era dois números maiores. Ela se sentia desprezada e ignorada pelo marido e pela família dele. Com isso, não insistiu mais no assunto da escola com a sogra. No início de semana, Felícia acordou tarde como sempre e desceu para tomar o café da manhã. No meio da escada, observou as cunhadas e a sogra saindo do escritório de Raul com dois homens de boa aparência. Ela escutou um deles enfatizando: “Senhoras, deixo com vocês uma cópia da planta do projeto da escola. Em breve retornaremos para colocá-lo em execução.” Enquanto as três se despediam dos homens lá fora, Felícia desceu as escadas e foi tomar seu café na cozinha. Ela não conseguia engolir nada de tanto desgosto. Martelando na c
Raul voltou tarde da noite e encontrou a mulher deitada já dormindo. Ele apenas tomou um banho e se preparou para deitar. Sentia-se extremamente exausto depois de um dia de trabalho bastante produtivo. Nas primeiras horas da manhã, ele foi despertado pelo canto do galo e levantou, sem fazer barulho para não acordar a mulher. Encontrou Bibiana na cozinha, tomando seu café da manhã. “Bom dia, irmão!” “Bom dia, Bibiana. Aonde vai tão cedo?” “Vou à cidade, preciso que Nero me leve.” “Vou falar com ele.”, disse Raul. Curioso, perguntou: “E o que vai fazer tão cedo na cidade?” “Vou à fazenda dos pais da Felícia, ela me pediu que eu entregasse aquela caixa para a mãe dela.” Raul arregalou os olhos e de imediato tomou posse da caixa que estava sobre o aparador da sala. Ele balançou a caixa desconfiado. “Raul, o que está fazendo?”, perguntou Bibiana. Sem demora, ele pegou a faca sobre a mesa e abriu toda a caixa. Bibiana entrou em desespero. “Raul, você não tinha esse direito.
Ela ficou espantada com a declaração do marido, levantou-se ligeira e perguntou: “Você abriu minha caixa, Raul?” “Sim, abri.” “Você não tem nenhum respeito por mim, não é mesmo?” Ele também levantou. “Estou cansado dessas nossas brigas, precisamos agir como um casal. Você precisa amadurecer e mudar certos comportamentos.” “Você é horrível, me trata mal e depois me culpa por isso. Está ficando cada dia mais insuportável viver com você, estou me sentindo sufocada nessa fazenda.” “Certo, e o que você quer que eu faça? O que posso fazer para melhorar a nossa relação?” Ela deu as costas para ele, fez uma pausa e respondeu: “Me ame ou me deixe ir!” Ele chegou pertinho e falou, acariciando os ombros dela, quase sussurrando em seu ouvido: “Eu queria te largar, te deixar ir, mas não consigo. Você tem algo especial que me prende, me atrai, você ainda é a minha gatinha. O fogo da paixão do início do casamento continua acesso. Eu reconheço que preciso te dar mais at
Era sábado, em uma manhã acalorada, a família se preparava para o chá de cozinha de Catarina. Ela convidou as amigas e festejou a tarde toda na fazenda. Finalizou a noite com uma serenata. Felícia estava determinada a se exibir na festa da cunhada e provocar a amiga dela, Yelena. Ela se arrumou e se maquiou, fez um penteado charmoso e colocou seu melhor vestido de cor vermelho soltinho e um salto médio. Erguia-se em elegância, queria chamar a atenção do marido e conseguiu. Raul, quando avistou a mulher descendo as escadas, surpreendeu-se com sua graciosidade e compostura. Ele se aproximou da ponta da escada e, como um verdadeiro cavalheiro, pediu-lhe a mão e a beijou em seguida. À noite eles se sentaram em uma mesa afastada. Às vezes saiam para dançar, às vezes permaneciam em pé com ele atrás dela, agarrado em sua cintura. Devido a toda inimizade que teve com a cunhada, Catarina incentivava a amiga a seduzir o irmão, planejando a todo custo separá-los. “Amiga, se ele solt